Para encerrar o primeiro dia da Reunião Magna da ABC 2022: O Futuro é Agora, a Academia Brasileira de Ciências convidou o diretor do Instituto Stanford Woods para o Meio Ambiente, Chris Field, para apresentar a 1ª Conferência Magna. Field é um dos maiores especialistas em mitigação de mudanças climáticas do mundo, tendo liderado esforços do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) na elaboração de relatórios sobre gerenciamento de risco de desastres climáticos e eventos extremos, e adaptação ao aquecimento global.

Acelerando Soluções para Mudanças Climáticas: Próximos Passos para Um Mundo Sem Tempo

Durante sua forte apresentação, o palestrante enfatizou que estamos sem tempo. Para ele, a meta de limitar o aumento de temperatura em até 1,5°C já parece irrealista, e, para isso, não existe alternativa que não seja acabar completamente com as emissões de carbono no futuro próximo. “A compreensão de que é preciso zerar emissões foi um avanço chave nas ciências climáticas da última década”, sumarizou.

Existe uma relação linear entre o aquecimento e o crescimento das emissões desde a revolução industrial. Ao relacionarmos a quantidade de gigatoneladas de carbono lançadas na atmosfera e o crescimento na temperatura, podemos perceber que, apenas mantendo o ritmo atual, teremos emitido a quantidade necessária para chegarmos em 1,5°C em apenas oito anos. Mesmo considerando uma meta menos ousada, de 2°C, levaríamos apenas 27 anos se as coisas continuarem como estão (Figura 1). “Se considerarmos uma redução anual estável das emissões, precisaríamos zerar até 2086 para limitarmos o aquecimento em 2°C. Se fizermos a mesma coisa com a meta de 1,5°C, a conclusão chocante é que precisaríamos alcançar o zero até 2045 (Figura 2)”, lamentou Field.

 

Figura 1. Por que estamos sem tempo? Em roxo a quantidade já emitida correlacionada ao aumento de temperatura, em vermelho o que não podemos mais emitir para respeitar os limites de 1,5°C e 2°C.
Figura 2. Precisamos agir rapidamente. Gráfico mostra a evolução das emissões ao longo da história e as projeções para redução continuada considerando os objetivos de limitar o aquecimento em 1,5°C e 2°C.

 

Mas o meio ambiente pode ser um parceiro crucial nesses esforços. É sabido que as florestas tropicais são grandes capturadoras do carbono atmosférico e a Amazônia é a maior do mundo. “Esse sequestro de CO2 é um subsídio massivo e gratuito que a natureza nos fornece, cerca de 31% das emissões antropogênicas são absorvidas por esses biomas terrestres, não existe outra ação para mitigação nessa escala que não seja protegê-los”, disse.

As pressões da atividade humana sobre esses ambientes já estão sendo sentidas e incorre no risco de saturá-los. “Mas o que podemos fazer para defender esses recursos?”, indagou o palestrante. “A primeira, segunda e terceira resposta para essa pergunta é: controlar as mudanças climáticas”. Essa forte correlação entre meio ambiente e controle climático pode gerar um ciclo virtuoso, no qual o mesmo esforço de contenção do aquecimento também contribui para a preservação da biodiversidade e paisagens naturais, e protege populações tradicionais.

Uma das formas atualmente usadas para tentar internalizar o custo ambiental no nosso sistema econômico são os créditos de carbono. Em 2021, esse mercado movimentou aproximadamente US$ 300 milhões e a projeção para 2027 é um crescimento para US 700 milhões. Entretanto, existem inúmeras discussões sobre a qualidade desses produtos. “Existem discrepâncias entre o quanto esses créditos dizem proteger e quanto de fato protegem”, afirmou Field. “Outro desafio é a dupla contagem, deveríamos entender que as reservas naturais de carbono devem ser protegidas independente dos créditos, que devem ser emitidos considerando esforços adicionais de mitigação”.

A solução para esses problemas passa por todas as partes envolvidas assumirem compromissos. Os créditos de carbono devem seguir padrões robustos baseados em ciência de qualidade, com transparência e publicamente verificáveis; os países precisam garantir as proteções legais; o setor privado precisa aceitar pagar mais por produtos de carbono melhores e mais transparentes; e a sociedade precisa se engajar nesses esforços. “Precisamos todos prometer menos e entregar mais”, finalizou Field.

Debate

Após a palestra, o espaço foi aberto para que participantes interagissem e enviassem perguntas. Alguns temas não abordados surgiram:

Metano

Respondendo a uma pergunta sobre o papel do metano no aquecimento global, o palestrante lembrou de duas características importantes desse composto. A primeira é que seu potencial de aquecimento é ainda maior que o do gás carbônico, porém sua meia-vida é mais curta. Isso quer dizer que ações para reduzir as emissões de metano tem potencial de gerar resultados em um prazo muito menor. “Precisamos ter a ambição de enfrentar ambas as emissões, tanto o metano quando o CO2”, enfatizou Field.

Financiamento

Quando falamos de mudanças climáticas, é impossível fugir da questão de quem paga a conta. Para o palestrante, o futuro sustentável do planeta depende de um fluxo contínuo substancial de recursos dos países ricos para os países em desenvolvimento, e aceitar isso é o primeiro passo para mudar a situação atual. Chris Field sumarizou a importância dessa questão em uma frase: “Segurança climática hoje em dia é tão ou mais importante que segurança militar”.

Assista ao 1º dia da Reunião Magna pelo YouTube da ABC, em português ou inglês: