Leia matéria de Felipe Salgado para Petróleo Hoje, publicada em 8/4, sobre a união de entidades científicas  tentar barrar MP do governo, que abre a possibilidade de redirecionar recursos da cláusula de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da ANP para financiar atividades de desmonte e sucateamento de veículos pesados:

Trocar conhecimento científico por sucata. É o que a MP 1.112/22, editada pelo governo em 31 de março, pretende fazer, segundo as entidades que compõem a Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento. Na prática, a medida institui que os concessionários de E&P poderão aplicar recursos da cláusula de PD&I para “promover a atividade de desmonte ou de destruição como sucata dos veículos pesados em fim de vida útil”.

A MP dispõe sobre o Programa de Aumento da Produtividade da Frota Rodoviária no País (Renovar), cujo objetivo é renovar a frota de veículos pesados no país. Para alcançar o intento, o Ministério da Economia fica autorizado a informar a ANP sobre os recursos aplicados nas iniciativas, que podem ser considerados no cálculo das obrigações contratuais das petroleiras no que se refere aos investimentos em P&D.

No último dia 4, o líder do PT, Reginaldo Lopes (PT-MG), fez uma emenda à MP com o intuito de suprimir a possibilidade introduzida de utilizar os recursos destinados à atividade científica para o desmonte ou destruição como sucata dos veículos pesados em fim de vida útil. De acordo com sua justificativa, “aquelas atividades não contribuem com a geração de novas tecnologias e com o aumento da produtividade do setor de petróleo e gás”.

Se aprovada, a MP terá validade de 60 dias, podendo ser prorrogada por igual período. A medida tem apoio dos caminhoneiros, base de apoio eleitoral do presidente Jair Bolsonaro. Na quinta-feira (7), o presidente anunciou uma linha de crédito para a categoria antecipar o recebimento de fretes. Foi a terceira iniciativa do governo voltada aos caminhoneiros em menos de dois meses.

“Não temos nada contra a renovação dos veículos automotores, mas isso não pode ser feito às custas de recursos destinados à atividade científica. Isso me deixou perplexo. O poder simbólico é grande: o país está trocando ciência por sucata. É mais um golpe do governo na ciência e inovação”, afirmou Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciência, ao PetróleoHoje.

O programa irá vigorar até 2027 e inclui recursos gerados antes de 2022, caso não tenham sido quitadas as obrigações de sua aplicação pelas petroleiras. O agente operador do Renovar será a Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI).

O IBP declinou de sua participação na reportagem, enquanto a ABDI e a ANP não se manifestaram até o fechamento.

Tramitação e apelo político

A MP não tem previsão de votação, mas poderá começar a ter efeitos imediatos caso regulamentada. Procurado pelo PetróleoHoje, o deputado Reginaldo Lopes afirmou que não sabe se a MP tem o apoio do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, mas que certamente tem apelo eleitoral junto à base do governo.

“A medida certamente tem apelo político, acenando para os caminhoneiros, parte da base eleitoral do governo que tem sido tão maltratada em razão do aumento dos preços dos combustíveis e da continuidade da estagnação da economia que reduz a demanda pelos serviços de transporte”, afirmou o congressista.

Em sua análise, a medida é mais um reflexo da pouca importância que o governo Bolsonaro atribui à ciência e às atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação no país. “Na concepção do governo, esses gastos, fundamentais para o aumento da produtividade da economia e o desenvolvimento do país, parecem ser desnecessários”, disse Reginaldo Lopes.

Cláusula de PD&I

Nos contratos de concessão, a cláusula de PD&I estabelece que os concessionários devem realizar despesas qualificadas como pesquisa e desenvolvimento em valor correspondente a 1% da receita bruta da produção dos campos que pagam Participação Especial. Já nos contratos de partilha de produção e de cessão onerosa, o valor da obrigação corresponde a, respectivamente, 1% e 0,5% da receita bruta anual dos campos delimitados nos respectivos contratos.

Os valores gerados são investidos em projetos de PD&I que podem ser executados pela própria concessionários de E&P, por empresas brasileiras ou por instituições credenciadas de todo o país. De 1999 até o quarto trimestre de 2021, as receitas geradas pelas obrigações contratuais acumularam a cifra de R$ 21,868 bilhões, segundo os dados do Painel Dinâmico da ANP.