Leia artigo escrito em parceria por Francisco Gaetani (professor da Ebape-FGV) e Virgílio Almeida (diretor da ABC), publicado no Jornal Valor Econômico em 24/3. Almeida é professor emérito do Departamento de Ciência da Computação da UFMG, professor associado ao Berkman Klein Center da Universidade de Harvard e diretor da Academia Brasileira de Ciências.

A invasão da Ucrânia pela Rússia mudou o mundo. Não é uma guerra pautada pela alta tecnologia, pelo contrário. Nem pode ser. Dadas as características do conflito não há como abstrair o contexto histórico nem o futuro próximo. A Rússia não pode se engajar em uma guerra de destruição completa porque o custo de longo prazo é indefensável para um país vizinho, com o qual precisa conviver de forma cooperativa.

As tecnologias têm feito a diferença, menos no confronto armado em si, e mais na disputa das narrativas e na transmissão em tempo real da guerra em curso. A guerra de informação é uma dimensão crítica na guerra nestes tempos de mídia social, dominadas pela ascensão da “tudologia”, da multiplicação de realidades virtuais e da “aquiagorização” do mundo contemporâneo, que trazem questões complexas para as quais governos, empresas, sociedades e pessoas não estão equipados para lidar.

A guerra é na Europa. Isto traz o conflito para o quintal da União Europeia e uma novidade: é travada também no front das redes sociais, na internet. Para se avaliar o peso da guerra de informação na internet, basta lembrar que a grande mudança na Guerra do Vietnã ocorreu quando as imagens da guerra chegaram aos cidadãos americanos pela televisão.

Historicamente, a Rússia tem um registro de sofisticadas operações de influência, que disseminam informação para minar as resistências e forças dos adversários. Em 2008, a Rússia travou uma guerra de informação eficiente e eficaz por ocasião da invasão da Geórgia. Em 2014, Putin se engajou em uma guerra de informação mais sofisticada em duas frentes na Crimeia, usando o Facebook e o Twitter para orquestrar o fluxo de informações online. Um estudo de pesquisadores do MIT verificou que a campanha de desinformação na Crimeia foi responsável pelo maior pico de notícias parcialmente verdadeiras e parcialmente falsas na história do Twitter entre 2006 e 2017.

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A guerra de informação é fundamental para entender a evolução do conflito militar, pois as imagens da guerra influenciam o comportamento da resistência dos ucranianos, e estimulam apoios populares na Europa e EUA, que por sua vez pressionam seus governos a aumentarem o apoio a Ucrânia. Não se pode esquecer que as mídias sociais chegam também dentro da própria Rússia e alimentam a oposição e reações dentro da sociedade contra a guerra.

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Há dois tipos de demandas relacionadas à guerra dos governos. A Rússia pressiona as empresas para censurar cada vez mais postagens de mídia social e outros fluxos de informações dentro do país. Por outro lado, os governos do Ocidente querem o bloqueio da mídia e das propagandas estatais russas. “Precisamos do seu apoio”, disse o vice-primeiro-ministro da Ucrânia, Mykhailo Fedorov, ao presidente-executivo da Apple, Tim Cook.

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Embora exista desinformação dos dois lados, a estratégia de informação da Ucrânia é mais sintonizada com as mídias sociais. O presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, vestindo uma camiseta e suéter, olha diretamente para a câmera com a qualidade de um influencer amador. Seus vídeos viralizam e mostram Zelensky aparecendo através de seu celular andando pelas ruas de Kiev, ileso, em uma demonstração de “prova de vida” enfatizando sua vontade de ficar e lutar por seu país.

O contraste simbólico entre o presidente Zelensky caminhando pelas ruas devastadas pela guerra e Putin, sentado em seu escritório seguro longe da guerra, captura corações e mentes no apoio à Ucrânia.

A guerra de informação em andamento na Europa traz elementos que podem acabar sendo usados em outros conflitos e disputas políticas nacionais. A eleição de 2022 no Brasil pode vir a ser o cenário de uma guerra interna de informação, onde autoridades e big techs devem planejar medidas que evitem que suas plataformas se transformem em grandes campos de batalha que possam ameaçar o processo democrático. O caminho para o enfrentamento desta discussão passa pelo fortalecimento da Agência Nacional de Proteção de Dados e pelo urgente estabelecimento de protocolos que permitam uma atuação responsiva dos órgãos envolvidos a comportamentos inaceitáveis na rede.

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