Confira trechos do artigo de autoria de Virgílio Almeida, diretor da ABC, em conjunto com Francisco Gaetani, publicado no Valor Econômico em 18/01. O texto aborda a necessária transformação do Brasil em um país verdadeiramente digital.

Se fôssemos um país digital, as crianças e jovens não teriam ficado sem aulas, como aconteceu em 2020 e 2021, por falta de acesso à internet. Se fôssemos um país digital já teríamos todas escolas e centros de saúde integrados na internet, com serviços de qualidade, inclusive com um prontuário único de saúde para cada um. Se fôssemos um país digital, teríamos uma identidade digital única para todos cidadãos. Se fôssemos um país digital, teríamos voz ativa nas discussões internacionais sobre o estabelecimento das regras para a regulação – e talvez tributação? – – das plataformas globais. Se fôssemos um país digital teríamos lideranças políticas criando políticas e legislações para acelerar o avanço digital no Brasil.

Mas não somos um país digital. Fizemos avanços ali e acolá – curiosamente no gov.br -, mas não de uma maneira integrada para toda a sociedade, deixando setores e grupos fora do processo de transformação digital.

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Quais seriam as políticas públicas para que em 2023 o Brasil comece uma nova trajetória no mundo digital? A maioria dos países desenvolvidos elegeu a estratégia de transformação digital como uma de suas prioridades nacionais. Há uma corrida para o futuro em curso, da qual o Brasil parece ainda em dúvida sobre se lhe interessa – ou não – participar e sobre o que isso significa. É como se pudéssemos nos furtar a mais este vetor de pressão para que nos modernizássemos.

O Brasil também possui a sua estratégia digital – publicizada em 2018 e agora em processo de consulta pública para atualização. Entretanto, não faz parte das prioridades nacionais. As razões são três: a descoordenação do centro do governo federal, o desmanche das bases de dados nacionais e a incompreensão da importância da transformação digital para um desenvolvimento inclusivo.

No primeiro caso, a rotatividade dos ministros da Presidência da República sugere uma dificuldade muito grande do governo organizar-se e atuar de forma coordenada. Difícil discernir prioridades nas falas oficiais, confusas e contraditórias. No segundo caso o país caminha para um voo cego em função dos processos de desestruturação de instituições como o Inpe, Capes, CNPq, Inep, o Ibama e o próprio IBGE – oxalá o censo seja preservado. Some-se os problemas nas bases de dados como o Datasus – sem comentários. Finalmente há o “hackeamento’’ de bases de dados do Tesouro, Receita, Banco Central e… Ministério da Saúde, claro. No terceiro caso, há o desconhecimento generalizado da necessidade urgente de se trazer a transformação digital para o centro das decisões estratégicas.

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O segundo vetor aponta para a infraestrutura de dados do país. De apagão a apagão rumamos para uma escuridão que será tão longa quanto o tempo que se levar para trabalhar na direção oposta. “Big data” pressupõe disponibilidade de dados. O momento é de resistir ao apagamento da memória estatística nacional e de trabalhar em novas configurações de especificações destinadas a instrumentalizar um “building back better” em novas bases.

O terceiro é a mobilização nacional em torno da transformação digital. O país possui pelo menos três setores que podem ser a porta de entrada para este esforço: educação, saúde e transferências de renda. Em todos três o impacto da covid-19 funcionou como um propulsor brutal da digitalização de rotinas, processos e da produtividade de todos. A educação não apenas não será mais a mesma como também será potencializada de múltiplas maneiras, como se está observando pelo mundo todo. A telemedicina rompeu um dique de resistências e preconceitos que cimentou o corporativismo médico por décadas.

As possibilidades de inclusão financeira e redução da informalidade via programas de transferência condicionadas de renda por um sistema financeiro cada vez mais competitivo redefiniu os significados e os usos do dinheiro. As três iniciativas combinadas podem alinhar o país na direção de um salto que perpasse todos os setores da vida nacional. O alcance e a velocidade dependerão, naturalmente, da envergadura do esforço do país: atenção, recursos, priorização, etc. As consequências têm potencial profundamente transformador. Por que não?