Confira o artigo publicado pela diretora da Academia Brasileira de Ciências (ABC) Márcia Barbosa, publicado neste 11 de outubro no blog “Ciência & Matemática” do Jornal O Globo.

 

Michael Faraday apresentou para alguns políticos a sua descoberta científica. Após a explicação, um dos presentes perguntou ao cientista em tom inquisitório. Afinal de contas, para que serve isto? O físico inglês um pouco contrariado com a desvalorização do seu trabalho respondeu: há uma grande probabilidade de que algum dia o senhor coloque um imposto sobre este achado científico. Faraday foi o descobridor da eletricidade. Apesar de apresentada pela primeira vez em 1821, o uso doméstico da eletricidade ocorreu somente décadas depois.

Esta história relatada por W. E. H. Lecky em seu livro Democracia e Liberdade ilustra como muitos políticos não compreendem como o conhecimento é construído. Em particular, não percebem como a tecnologia de hoje nasce de um emaranhado complexo de relações interdisciplinares, de um processo redundante de tentativa e erro. Felizmente a classe política tem estadistas. Países que perceberam a necessidade de construir e de financiar uma estrutura de formação de recursos humanos e de apoio à pesquisa atingiram o desenvolvimento social e tecnológico. Afinal, para estes estadistas, ciência gera desenvolvimento. As nações que não o fizeram, estão fadadas à subserviência eterna.

O Brasil implementou algumas políticas de estado coerentes com a visão de um país que vê o conhecimento como um potencializador de desenvolvimento econômico e social. Exemplos são a criação do CNPq e da Capes. A primeira, uma instituição mais voltada para o fomento à pesquisa e a segunda mais direcionada à formação de recursos humanos. Como forma de organizar o fomento e de apoiar financeiramente programas e projetos prioritários de desenvolvimento científico e tecnológico nacionais foi criado o FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). A sustentabilidade do FNDCT foi estabelecida anos mais tarde com os fundos setoriais. Eles traziam recursos de diversas fontes inclusive royalties sobre a produção de petróleo ou gás natural, receitas das empresas de energia elétrica, da utilização de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e do faturamento bruto de empresas de informática e automação. Estes setores muito se beneficiaram ao longo do tempo da ciência e dos recursos humanos produzidos no Brasil. A ciência brasileira crescia.

Em 2016 ocorre o primeiro ato desta tragédia. O governo Temer estabelece o contingenciamento do uso dos recursos para a pesquisa. Isto tornou inviável o repasse da poupança existente nos fundos setoriais. Este congelamento cruel em tempos normais tornou-se mais dramático durante a pandemia, quando laboratórios tinham urgência em desenvolver pesquisas que direta ou indiretamente dariam apoio à solução dos problemas de saúde pública e da crise econômica que se estabelecia no país. Já neste primeiro ato, a inexistência de perspectiva para o desenvolvimento da pesquisa leva a uma primeira etapa na diáspora de cérebros não somente para atuar na pesquisa como no setor privado.

Depois de uma luta entre Ministério da Economia e a comunidade científica, o descontingenciamento desses recursos foi aprovado pelo Congresso. A notícia não poderia ser mais auspiciosa. Brasil paralisado enxergava uma luz no final do túnel.

Mas o Ministério da Economia como todo o vilão, não se dava por vencido. No início de Outubro de 2021 surge um segundo ato desta trama. Uma modificação no Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN16) que definia o uso dos recursos do FNDCT é feita pela Comissão Mista do Orçamento do Congresso Nacional. A comissão atendendo a um ofício enviado pelo Ministro da Economia retira 90% dos recursos destinados para a pesquisa. Este texto que afronta o desenvolvimento brasileiro é aprovado pelo Congresso. Sem os recursos usurpados da ciência será impossível manter o sistema que gera conhecimento vivo.

O vilão não se contenta em remover o financiamento para o conhecimento, tem que usá-lo para suas finalidades. Os recursos do FNDCT que foram alforriados pela mobilização de pesquisadores segundo o texto da PLN 16 não serão guardados para um uso futuro como no congelamento imposto por Temer, mas serão distribuídos entre os ministérios que poderão usar para fins não científicos, inclusive partidários.

A conclusão deste drama digno de uma tragédia grega é que Brasil tem alguns políticos que agem como um síndico que ao perceber que o prédio precisa de melhorias na infraestrutura para não desmoronar se recusa a usar o fundo de reserva para as reformas. Afinal, obras estruturais não promovem administrações. Quando forçado por alguns condôminos a agir, o síndico usa o fundo de reserva. Infelizmente o ardiloso síndico o faz não para garantir um futuro para o prédio, mas para promover melhorias cosméticas solicitadas por apoiadores.

Em não se revertendo as decisões do síndico e apoiadores ineptos, o prédio cairá. Se as medidas aprovadas pelo PLN 16 não forem revertidas, sim, o Brasil morre no final.