Os participantes do 46º Webinário da ABC.
No dia 28 de setembro, a 46ª edição dos Webinários da ABC abordou um tema de extrema relevância para a comunidade científica : a necessidade de as mulheres ocuparem posições de liderança científica. Nos últimos 50 anos, as mulheres cientistas têm oferecido contribuição de excelência em todas as áreas do conhecimento. Embora o número de pesquisadoras esteja aumentando consideravelmente, a desigualdade ainda permanece em determinadas áreas temáticas, em posições de autoridade e nos números de publicações.
Para esse debate sobre a busca de equidade na carreira científica, a ABC convidou Dante Cid, vice-presidente de Relações Acadêmicas para a América Latina da Elsevier, empresa editorial holandesa especializada em conteúdo científico que vêm apresentado recorrentes pesquisas sobre o número de mulheres na comunidade; a Acadêmica Vanderlan Bolzani, presidente da Academia de Ciências do Estado de São Paulo (Aciesp); e Alice Abreu, professora emérita da UFRJ e vice-presidente do Research Commitee 23 (Sociologia da Ciência e Tecnologia) da Associação Sociológica Internacional (ISA, na sigla em inglês). Marcia Barbosa, diretora da ABC, foi responsável pela organização do evento e mediação do debate.
Os dados não mentem: o caminho para a igualdade de gênero é longo
Dante Cid apresentou alguns dados atuais sobre a participação de mulheres na ciência, com base nos relatórios da Elsevier. Para conferir todos os gráficos com dados mencionados nesta matéria, assista ao vídeo no trecho entre 6’11” e 19′. Há algumas boas notícias: em todos os países analisados, o número de mulheres na ciência aumentou e estão cada vez mais próximos do equilíbrio. Argentina, Brasil, Reino Unido e Portugal são alguns dos países com maior índice de equidade. No entanto, Cid destaca que ainda há lacunas importantes a preencher.
Dentre os jovens pesquisadores, mulheres são detentoras de um maior índice de publicações. Ou seja, a maior parte das publicações analisadas, escritas por pesquisadores em início de carreira, são de autoria de mulheres. No entanto, ao longo da carreira, esse número decai. De uma forma geral, ao longo de sua carreira mulheres acabam tendo uma média de publicações menor que homens – um dado que, segundo Cid, não está associado à falta de produtividade e sim a outras questões, como a taxa de permanência de mulheres no ambiente de pesquisa.
Outros dados apresentados pelo palestrante dão o que pensar: a igualdade de gênero nas disciplinas das áreas de ciências exatas ainda é algo muito distante da realidade. No Brasil, há 30 autoras a cada 100 autores na área das engenharias. Já na medicina e na biociências, o número de mulheres para cada 100 homens é superior a 110.
Um dado que chama a atenção é que mulheres e homens tendem a colaborar mais com o próprio gênero, ou seja: homens colaboram mais com homens e muheres com mulheres. Esse fator é algo que Cid não apoia: “Isso não pode afetar os elementos da pesquisa”. Cid destacou o papel que a Elsevier está assumindo nessa luta: “Nós, como editora, buscamos incentivar ações entre autores, editores e revisores. Encorajamos a equidade por gênero, etnia e idade, e que todos esses fatores sejam levados em conta.”
Incentivo à ciência desde a infância
Para Vanderlan Bolzani, o sucesso na vida profissional é um legado da base de apoio na infância, fundamental para que as crianças tenham liberdade de escolha para traçar sua trajetória. Ao incentivar as práticas científicas e artísticas ainda na infância, a base de apoio torna-se responsável pela formação e solidez acadêmica do jovem. “Isso molda o que nós fazemos: trabalho em prol da sociedade. Nos torna úteis, cidadãos”, afirma a pesquisadora. “Nosso trabalho é passar nosso conhecimento para quem está na formação, no dia-a-dia. Por isso, a importância da sociedade, dos eventos, do contato.”
Com décadas de experiência na carreira científica, Bolzani afirma que ainda há muito o que trabalhar na representação feminina em cargos políticos e dentro das instituições de ciência. Ela destaca os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável para 2030, da ONU, e afirma que apesar de haver um objetivo exclusivo para a igualdade de gênero (o número 5), a maioria dos outros também estão diretamente ligados à qualidade de vida da mulher: “As mulheres têm atividade em todos os desafios da ODS. Erradicar a pobreza, a fome e democratizar a educação impactam diretamente na vida das mulheres, especialmente nas que enfrentam todas essas dificuldades para criar seus filhos sozinhas.”
Analisando os dados da Academia Brasileira de Ciências, apesar do número de mulheres ter aumentado consideravelmente, o caminho a ser percorrido ainda é longo. Ao longo dos 105 anos desde sua fundação, a ABC teve 26 presidentes, todos homens. Na atual diretoria, há quatro mulheres: Helena Nader na vice-presidência, Marcia Barbosa como diretora, Lucia Mendonça Previato como vice-presidente para a região do Rio de Janeiro e Susana Inés Cordoba de Torresi no conselho fiscal. De um total de 952 Acadêmicos, entre membros titulares, afiliados e correspondentes apenas 167 são mulheres.
Bolzani aponta a importância de iniciativas que explorem o potencial das cientistas, citando o Programa L’Oréal-Unesco-ABC para Mulheres na Ciência como exemplo. Para ela, é dever das Academias a criação de programas similares, voltados para a consolidação de mulheres no mercado científico.
“A cultura é muito importante para delinear o universo de mulheres bem sucedidas em qualquer profissão. Isso vale desde as políticas públicas até a designação de brinquedos para crianças. Brinquedos voltados a desenvolver o pensamento de crianças não têm que discriminar meninos de meninas. O ambiente é fundamental para estimular nossas meninas para a ciência”, defende a presidente da Aciesp. “Ousadia e sensibilidade são fundamentais para a ascensão de qualquer profissional, principalmente das mulheres.”
Gender Summit 20 e novas diretrizes para uma ciência igualitária no país
“O debate sobre equidade de gênero na política e na ciência vem sendo desenvolvido há mais de três décadas. Apesar de muitas conquistas ao longo desses anos, é inegável que ainda haja grandes desafios, como a coordenação de todas as iniciativas em um efetivo sistema de mudança”, observou Alice Reis, da UFRJ. A professora priorizou em sua palestra a apresentação do Gender Summit 20, “um evento completamente diferente dos outros congressos” por ser uma plataforma que preza pelo diálogo entre cientistas e tomadores de decisão. “Não é um evento disciplinar, tem uma missão clara: discutir e explicitar as formas de implementação de políticas que levam a evidências científicas sobre por que, onde e como as evidências biológicas e socioculturais entre homens e mulheres afetam os resultados e impactos da política científica”, explica a pesquisadora.
A 20ª edição do Gender Summit, realizada de forma virtual por conta da pandemia, foi comandada pelo Brasil, tendo ocorrido entre 15 e 23 de setembro de 2021. Foi a terceira edição do congresso que teve como organizador um país da América Latina. O GS20 contou com 11 plenárias que levantaram questões sobre a importância de políticas em instituições, as lideranças científicas femininas de altíssimo nível em países como Argentina e Chile, além da necessidade de mudanças transformadoras nas instituições. Todas as sessões foram gravadas e estarão disponíveis até outubro aqui.
“O que ficou claro foi a urgência, para o Brasil e os outros países da América Latina, de discutir e criar uma carta para equidade de gênero”, assinala a professora, mencionando como exemplo a Anthena Swan, que já existe há mais de 10 anos na Inglaterra. Abreu acredita que a ABC, em parceria com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), deveriam tomar frente nessa discussão, e em seguida, levá-la para as Fundações de Apoio à Pesquisa (FAPs) e instituições de fomento.
A Acadêmica Elisa Reis participou do debate e sugeriu ações que devem ser tomadas para uma política mais igualitária na ciência brasileira: “É preciso uma ação interna minuciosa sobre diversidade e questão de gênero, além de um compromisso com a implementação de políticas efetivas dentro das instituições. Só assim poderemos avançar dentro do contexto global.” Segundo ela, é importante que haja a contextualização da importância da presença das mulheres nos diversos setores de conhecimento e a adoção de políticas gender-blind (que não façam distinção entre gêneros), capazes de oferecer mudanças na carreira científica.