As participantes do 4º workshop “Desafios e realidades da comunicação pública da ciência na América Latina e no Caribe”

No dia 24 de setembro, sexta-feira, aconteceu o quarto e último workshop da série “Desafios e realidades da comunicação pública da ciência na América Latina e no Caribe”, oferecida pela Academia Joven de Argentina, em parceria com a Academia Brasileira de Ciências, o TWAS Lacrep (braço da The World Academy of Sciences para a América Latina e o Caribe) e a TWAS Young Affiliates. O tema da vez foi “Ciência por lentes violeta: contar o saber por uma perspectiva de gênero”.

De acordo com relatório publicado pela Unesco e ONU Mulheres em maio deste ano, as mulheres representam 45% dos pesquisadores da América Latina. Apesar de acima da média mundial (29%), esse número ainda reflete a desigualdade de gênero na região, sobretudo quando se leva em consideração a ocupação de cargos mais altos e executivos – apenas 18% dos reitores são mulheres.

Estes dados apontam para a necessidade de se discutir a igualdade sexual no campo científico. Para debater esse assunto, foram convidadas as seguintes representantes de iniciativas latinoamericanas que atuam pela igualdade de gênero: Gloria Bonder (Argentina), Adriana Páez Pino (Colombia), Lina Caballero Villalobos (Colombia) e Patricia Rodil (México). A moderadora foi a bióloga Daniela Garanzini (Argentina).

Ciência e tecnologia com e para a igualdade de gênero

A psicóloga e pesquisadora Gloria Bonder é coordenadora da Cátedra Regional da Unesco para Mulheres, Ciência e Tecnologia na América Latina. Ela conta que a cátedra foi idealizada a partir de uma simples pergunta: por que existem tão poucas mulheres em ciência e tecnologia?

A primeira tarefa da organização foi produzir dados estatísticos que quantificassem a desigualdade de gênero, dialogando com outros fatores como as inequidades raciais e de classe. “Para identificar as razões por trás dos números, foi preciso questionar os paradigmas vigentes na ciência dita ‘tradicional’ e os obstáculos que eram erguidos através das culturas institucionais, que perpetuavam estereótipos discriminantes”, relatou Bonder.

Além das atividades de pesquisa, a cátedra também atua na divulgação, organizando eventos, formando redes de pesquisadoras e pesquisadores interessados no tema, criando programas para orientação e capacitação de mulheres cientistas e assessorando instituições de C&T dispostas a trabalhar pela igualdade sexual em seus espaços. Bonder afirmou que o objetivo da Unesco é formar uma consciência de gênero nas próximas gerações de pesquisadores e educadores.

Mulheres nas engenharias

A engenheira e doutora em educação Adriana Páez Pino é diretora da Cátedra Aberta Latinoamericana “Matilda e as mulheres na engenharia”, espaço acadêmico voltado para promover a igualdade de gênero na área acadêmica e profissional das engenharias.

O nome da organização é uma homenagem a Matilda Joslyn Gage, líder feminista do século XIX, pioneira na abordagem da invisibilização das mulheres cientistas, que seria posteriormente conhecido como Efeito Matilda. Adriana Pino trouxe exemplos célebres desse fenômeno e alertou que ele ainda continua ocorrendo. “Ao longo da história, mulheres tiveram seus nomes silenciados e seus trabalhos atribuídos a homens, ocultando suas contribuições”, apontou a pesquisadora.

Pino abordou a desigualdade de gênero existente nas ciências matemáticas e destacou a necessidade de valorizar o trabalho feminino na área. “Precisamos contar a história das mulheres engenheiras, como fonte de inspiração para incentivar mais meninas a ingressarem na área”, enfatizou.

A Catédra Matilda tem como objetivo criar redes de apoio acadêmico e profissional, buscando soluções concretas, como igualdade salarial e de acesso a financiamento e flexibilidade nos modelos de trabalho, para que a maternidade não seja excludente. Para isso desenvolve atividades e publicações que visam desconstruir estereótipos sobre mulheres cientistas e dar visibilidade ao tema da igualdade de gênero.

Maternidade na ciência: de invisível a imprescindível

A bióloga Lina Caballero Villalobos é fundadora da sede colombiana do Parents in Science, grupo que surgiu no Brasil e visa apoiar pesquisadoras na difícil conciliação entre a vida profissional e a maternidade.

Villalobos explicou que o apoio a maternidade ainda é insuficiente na América Latina. Segundo ela, licenças maternidades pagas para pesquisadoras ainda são raras, assim como auxílios para creches e ambientes de lactação. “Não só o acesso, mas a permanência e o progresso profissional das mulheres dependem de uma melhor abordagem da questão da maternidade”.

A pesquisadora defendeu uma maior flexibilização dos horários de trabalho, a criação de programas de apoio psicológico e de estímulo ao reingresso. Também falou sobre a recorrência de preconceitos contra mães na carreira e a necessidade de que pais e mães atuem igualmente nos cuidados das crianças e da casa. “Corresponsabilidade é a palavra chave e é parte essencial das novas formas de convivência”, argumentou Villalobos. 

O movimento Parents in Science reivindica ações afirmativas concretas, como aumento da licença paternidade e inclusão das licenças em currículos e plataformas acadêmicas. Para além dessas reinvindicações, Villalobos deu exemplos também de como a exclusão das mães cientistas pode acontecer nas atividades mais corriqueiras. “É preciso ter empatia e promover ações que facilitem a vida de mães e pais com filhos pequenos, como ambientes infantis que cuidem das crianças durante congressos, por exemplo”.

Comunicação de ciência: o caso do Cientistas Mexicanas

Patricia Rodil é biotecnóloga e fundadora da comunidade Cientistas Mexicanas, que reúne mais de 17 mil mulheres atuantes em todas as áreas do conhecimento. O movimento luta pela igualdade de gênero na ciência ao mesmo tempo que realiza divulgação científica por uma ótica feminina.

A pesquisadora fez um panorama da atuação das mulheres cientistas no México e explicou que a organização atua divulgando e reconhecendo as contribuições de pesquisadoras, visando sobretudo o público jovem. “Trazemos visibilidade para as precursoras para que cultivem as sucessoras”.

Além da divulgação, o Cientistas Mexicanas também atua como rede de suporte para as reinvindicações das cientistas no país e oferece apoio para mulheres vítimas de violência de gênero em suas carreiras.

Por fim, Rodil alertou para a inequidade na presença de mulheres falando sobre a pandemia nos meios de comunicação e sumarizou a necessidade da igualdade de gênero. “Sem mulheres nas ciências estamos perdendo metade do talento humano”, argumentou.

Debate

Após as apresentações, o período final do evento foi dedicado a trocas entre as palestrantes e público.

Gloria Bonder falou de sua experiência atuando na elaboração de políticas públicas na Argentina, destacando o avanço que a igualdade de gênero alcançou nos últimos 20 anos. Ela ressaltou também o papel fundamental das mentorias e das atividades de orientação como forma de cooperação entre mulheres cientistas.

A importância das redes de apoio foi destacada durante todo o workshop e voltou a ser abordada no debate. Essas organizações unificam demandas e oferecem suporte para as mulheres cientistas. Lina Villalobos falou sobre a importância das pesquisas sobre desigualdades. “Para embasar qualquer ação, é preciso estar sempre atualizando dados, de forma a guiar os tomadores de decisão na hora de promover políticas públicas direcionadas”.

As participantes foram unânimes em reconhecer a importância de mais eventos do tipo, reunindo cientistas internacionais como forma de estreitar laços e avançar na luta por igualdade de gênero nos diferentes países da região.

Assista ao evento na íntegra no canal da Academia Joven de Argentina no YouTube.


Leia todas as matérias da ABC sobre o workshop “Desafios e realidades da comunicação pública da ciência na América Latina e no Caribe”:

03/setembro –  Workshop reúne pesquisadores latinos em debate sobre os desafios da comunicação científica

10/setembro – Workshop: o Direito à Ciência na América Latina e Caribe

17/setembro – Ressignificação da Relação entre Jornalismo e Ciência no Pós-Pandemia