João Pedro de Goes Novochadlo

Um brasileiro foi o grande vencedor do BRICS Young Innovator Prize (BRICS YIP) 2021. Em cerimônia virtual realizada durante o Fórum de Jovens Cientistas do bloco (BRICS YSF), o curitibano João Pedro Novochadlo recebeu o prêmio pelo desenvolvimento do aplicativo Veever, que auxilia a locomoção de pessoas com deficiência visual. A Academia Brasileira de Ciências (ABC) foi a responsável por selecionar os integrantes da delegação brasileira no BRICS YSF, assim como os candidatos ao BRICS YIP, estes em parceria com a Feira Brasileira de Ciências e Engenharia (Febrace).

A ferramenta utiliza tecnologia de microlocalização e inteligência artificial para orientar o usuário por meio de um assistente de voz. A informação é recebida pelo celular por meio de bluetooth, emitida por pequenos aparelhos, chamados beacons, que são instalados no ambiente que se deseja descrever. O objetivo é dar mais autonomia para que pessoas cegas desfrutem desses espaços sem auxílio de terceiros.

Novochadlo tem 29 anos e é graduado em Engenharia Elétrica pela Universidade Federal do Paraná (UFPR) e Comunicação Social/Publicidade e Propaganda pela Universidade Positivo. Atualmente mora em Los Angeles, nos EUA, onde faz mestrado em empreendedorismo social na Universidade do Sul da Califórnia, como bolsista da Fundação Lemann. Ele conversou sobre o prêmio com a ABC e deu mais detalhes sobre o projeto.

Importância do BRICS Young Innovator Prize

Essa não é a primeira vez que o Veever é reconhecida internacionalmente. Em 2018, a start-up já havia sido escolhida como uma das 40 mais promissoras entre 500 candidatos de uma competição organizada pela Harvard University e pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT). No BRICS YIP 2021, o projeto superou outras iniciativas de Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul e recebeu uma premiação no valor de US$ 25 mil.

Novochadlo falou sobre a importância do reconhecimento e das conexões que o evento possibilita. “É uma motivação a mais para continuarmos trabalhando. Além disso existe a questão da visibilidade, do relacionamento com o governo, MCTI, a Academia e outros países, o que é extremamente relevante para nós. Afinal, os problemas das pessoas com deficiência visual são parecidos em qualquer lugar do mundo”. Segundo ele, a premiação já deu bons frutos. “Por exemplo, recebi propostas para apresentar o Veever na África do Sul. Vi muitos trabalhos sobre inteligência artificial, conversei com outros cientistas e isso é muito valioso, porque eu não posso entender a realidade desses outros países sem esses contatos”.

Equipe Veever: João Pedro Novochadlo, Lohann Coutinho e Leonardo Custódio

Potencial econômico da acessibilidade

Para funcionar, o Veever requer cooperação e disposição de estabelecimentos interessados em investir nos equipamentos. O idealizador do projeto conta que muitos empresários ainda relutam em melhorar a acessibilidade de seus negócios por duvidarem do potencial de retorno, mas garante que esse é um nicho ainda pouco explorado.

“Estamos falando de um mercado que, em 2024, vai movimentar US$ 31 bilhões. Existe um potencial econômico não só de investimento, mas de consumo. As pessoas com deficiência estão dispostas a adquirir, utilizar e frequentar tudo que for feito de maneira inclusiva e acessível”.

Negociações com os setores público e privado

Novochadlo falou também sobre a busca por parceiros para implementar a tecnologia, sejam governos ou entes privados. Durante a conversa, também forneceu pistas sobre onde o Veever poderá estar presente no futuro.

“Quando negociamos com o setor público, muitas vezes travamos em questões burocráticas e de política. Por mais que governos queiram instalar, eles precisam agir de uma maneira muito minuciosa, o que torna o processo mais lento. O Veever surgiu numa hackathon organizada pela prefeitura de Curitiba, mas o prefeito da época acabou não se reelegendo. O novo prefeito de início teve outras prioridades, mas depois de um tempo apresentamos o projeto para ele e voltamos a avançar. No setor público temos um projeto de sucesso no Aeroporto de Guarapuava, o primeiro do mundo a ter essa tecnologia. Nesse caso nós doamos o equipamento, porque precisávamos testar esse ambiente para ver se funciona – e funcionou”.

Com relação à iniciativa privada, ele conta que as barreiras são outras. “Na teoria o setor privado deveria ser mais rápido, pois são menos canetas para assinar. No entanto, o diálogo é sempre travado por perguntas como ‘quanto essas pessoas vão gastar no meu estabelecimento?’. Essa infelizmente é uma abordagem errada, pois ignora o diferencial de mercado que a acessibilidade oferece, inclusive influenciando na escolha de pessoas sem deficiência”.

“Temos também experiências muito positivas. No Rock in Rio, por exemplo, percebemos que a tecnologia funciona para grandes festivais e estaremos de novo em 2022, tanto no Rio quanto em Lisboa. Estamos em negociação avançada com o maior ponto turístico do Brasil. Em Curitiba temos planos para instalar na Arena da Baixada e testar como funciona em ambientes esportivos. Temos que ir tateando para aprender onde devemos concentrar nossos esforços”.

Desenvolvimento da tecnologia

Para expandir, o Veever precisa estar sempre aprimorando sua tecnologia. Os beacons utilizados são fabricados na China e custam aos estabelecimentos interessados R$ 80,00 por aparelho, além de uma taxa mensal para mantê-los funcionando. Tornar essas peças acessíveis é parte fundamental do processo de difusão da ferramenta.

Novochadlo conta que existem fabricantes nacionais de beacons, mas pouco competitivos, até onde sabe. “Como temos uma parceria já consolidada para fornecimento, acabamos nos apegando a ela. Mas acredito que esses aparelhos se tornarão obsoletos com o tempo, pois muitos celulares hoje em dia já possuem a tecnologia de microlocalização espacial”.

Ele diz que a questão do lucro precisa ser considerada, sem impactar a questão social, que é a principal. “Outra questão é a visibilidade, precisamos falar para as pessoas que faz sentido criar acessibilidade. E a quarta questão é a própria tecnologia, que não podemos deixar que se torne ultrapassada”.

App em ação

Feedback de deficientes visuais

Ouvir a experiência de seus usuários é crucial para qualquer aplicativo que busque se consolidar. No caso do Veever, essa interação é ainda mais necessária, pois não basta que a tecnologia funcione: o conteúdo vinculado precisa estar adequado às necessidades dos deficientes visuais.

“Essas pessoas participam de maneira ativa da testagem. Por exemplo, se o aplicativo precisa descrever uma estátua, a descrição a ser feita é diferente do que seria para alguém que enxerga. Quem precisa validar isso são as pessoas cegas. Então, para além da testagem técnica, da qual elas também participam, é preciso que o conteúdo esteja adequado para que possamos realmente fornecer um serviço de qualidade”.

Descrever ambientes para cegos é uma tarefa que requer capacitação e dificilmente poderá ser deixada para pessoas sem experiência na área. Atualmente, tramita na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei 5.156/2013, que regula o exercício da profissão de audiodescritor.

Novochadlo conta que essa é uma questão pouco discutida, mas que tem um impacto social muito forte. “É uma nova economia, um mercado onde audiodescritores e consultores sejam remunerados para prestar esse serviço”.

Para isso, ele e sua equipe têm o projeto de criar uma plataforma que reúna esses profissionais. O primeiro objetivo é criar um catálogo de audiodescritores. “É importante destacar que existem diferentes profissionais para arte, transporte, comércio, entre outras coisas. Hoje em dia ainda é difícil encontrar esses serviços, então o primeiro passo é promovê-los. O segundo passo é investir na capacitação, para alavancar ainda mais o impacto social. Não adianta eu criar a plataforma e não dar atenção ao conteúdo, pois se as informações forem ruins a imagem do aplicativo será afetada e isso pode desestimular seu uso”.

Próximos passos

O Veever busca utilizar a tecnologia para promover inclusão social entre deficientes visuais, mas a tecnologia possui uma série de outras aplicações. Seu cofundador nos conta sobre essas possibilidades ainda não exploradas e que podem expandir a atuação da ferramenta futuramente.

“A mesma infraestrutura pode funcionar para outras pessoas. Nosso foco é a questão da acessibilidade e seguimos por esse caminho. Por exemplo, hoje em dia o Veever recebe a informação em texto, mas porque não receber também vídeos, ou descrições em libras? Isso pode ser útil para pessoas com deficiência auditiva. Poucos sabem, mas quase ninguém que nasce surdo é alfabetizado, então não adianta fornecer o conteúdo escrito, é preciso ter também em libras. Hoje ainda estamos refinando nossa IA, tornando-a mais fácil de instalar, mais precisa. Mas, futuramente, quem sabe a mesma tecnologia não possa gerar inclusão também para deficientes auditivos”.

Importância da inclusão

João Pedro Novochadlo teve a ideia do aplicativo a partir de experiências junto a pessoas cegas, acompanhando tarefas simples – pegar um ônibus, por exemplo – que são difíceis e dependem, muitas vezes, da boa vontade de estranhos. Reforçando sempre a necessidade da inclusão, ele destaca que as respostas mais importantes que recebe vêm, muitas vezes, pelas ações mais simples.

“O retorno que recebemos é de que mais importante do que ter uma solução pronta é estar fazendo alguma coisa. Às vezes os deficientes visuais não possuem nem essa perspectiva. Mais valioso para eles é o sentimento de pertencimento ao que está sendo construído, a satisfação de ter uma ideia sendo desenvolvida especialmente para eles e que beneficia suas vidas”.