Palestrantes e parte da audiência do primeiro encontro do workshop “Desafios e realidades da comunicação pública da ciência na América Latina e no Caribe”, incluindo María Eugenia Fazio, Margoth Mena-Young e Constanza Pedersoli.
No dia 3 de setembro, sexta-feira, pesquisadores e comunicadores latinoamericanos se reuniram para debater “O que é (e o que gostaríamos que fosse) a comunicação pública da ciência: desafios, obstáculos e realidades”. O workshop é o primeiro da série “Desafios e realidades da comunicação pública da ciência na América Latina e no Caribe”, organizada pela Academia Joven de Argentina, em parceria com a Academia Brasileira de Ciências, o TWAS Lacrep (braço da The World Academy of Sciences para a América Latina e o Caribe), a TWAS Young Affiliates. Os encontros ocorrerão todas as sextas-feiras de setembro.
O primeiro dia de encontro teve como palestrantes a brasileira Luisa Massarani (Fiocruz), a costarriquenha Margoth Mena-Young (Universidade da Costa Rica) e a argentina Constanza Pedersoli (Universidade Nacional de La Plata). A moderação ficou por conta de María Eugenia Fazio, pesquisadora em comunicação pública de ciência e tecnologia na Universidade Nacional de Quilmes (UNQ), em Bernal, Argentina.
Ciência nos países em desenvolvimento
Luisa Massarani apresentou a versão latinoamericana da plataforma SciDev.Net, onde atua como coordenadora. O projeto foca na divulgação de conteúdo científico produzido por países em desenvolvimento, em vez de privilegiar a Europa e os Estados Unidos, gerando engajamento entre as nações vizinhas. Em sua apresentação, ela destacou sua lista de desejos para divulgação da ciência e os desafios de colocá-los em prática.
A esfera da comunicação é muito mais ampla e complexa do que o modelo proposto em 1940, que consistia em periódicos, laboratórios e journals como fonte; mídia como canal e sociedade como receptores. Com os avanços da tecnologia e novos veículos de comunicação, novos mecanismos e atores surgiram, ampliando as possibilidades de interação. Ela destacou que, como o campo acadêmico da divulgação científica ainda é relativamente novo em um contexto global, ainda há muitas dificuldades e estratégias a serem exploradas.
Para Massarani, a relação entre ciência e política é estreita, especialmente no que diz respeito à divulgação. A prova disso está nas frequentes ações de cientistas para se contrapor às ações do governo negacionista. Ela diz que a suspensão de verbas para ciência fica nítida quando se olha para o número de vítimas da COVID-19: mais de 600 mil nos últimos 18 meses. “Sempre defendi que a ciência não é neutra, muito menos a divulgação científica. Devemos tomar posição na divulgação científica”, argumentou a coordenadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública de Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT). Como exemplos, ela mencionou as iniciativas dos cientistas brasileiros contra o tratamento precoce da COVID-19, no incentivo às vacinas e contra o retorno das aulas presenciais.
Os desejos da pesquisadora incluem instaurar uma comunicação capaz de induzir a mudança de comportamentos nocivos na sociedade, como a automedicação – algo muito recorrente na América Latina em geral; e cumprir com a missão de informar e estimular a ação, como aconteceu após a divulgação da existência de microminérios na Argentina, que gerou protestos.
Como dificuldades, Massarani listou a necessidade de analisar a percepção que está sendo construída no público e como é possível estabelecer um diálogo para evitar equívocos. Além disso, ela ressaltou a importância de mudar o “rosto da ciência”, que geralmente são homens brancos, de meia-idade, trajando jaleco. “É hora de investirmos em inclusão e diversidade, que é o que movimenta a ciência”, afirmou.
As ações da comunicação científica
“O primeiro passo para uma divulgação científica de qualidade é reconhecer os cientistas com pessoas que não sabem tudo, porque descobrem algo novo todos os dias”, definiu Margoth Mena-Young, professora de investigação e comunicação estratégica na Universidade da Costa Rica (UCR). Em sua apresentação, a costarriquenha falou sobre a ação, a interação e as relações que podem ser estabelecidas com a comunicação científica.
Segundo ela, a comunicação científica começa quando o cientista faz alguma movimentação que interaja com o público, seja através da publicação de um artigo ou da divulgação de uma imagem, por exemplo. A forma como essa mensagem é transmitida precisa ser trabalhada de acordo com o público-alvo e os objetivos, que demandam diferentes ações. “No fundo, queremos que as pessoas participem e desejem saber mais. Temos que provocar curiosidade, fazer com que a população se informe, se mobilize e chame seus conhecidos”, disse a professora.
Para atingir esse objetivo, é necessário atrair a atenção, o que pode ser feito de várias formas: através de fotografias, ilustrações ou criando histórias – ou mesmo misturando as alternativas. “A forma como as imagens e textos são construídos precisam dialogar entre si e com o público”, destacou Mena-Young.
Na Costa Rica, homens possuem mais destaque nos espaços da comunicação científica do que mulheres; cerca de 63,2% do conteúdo científico vinculado traz homens como fonte oficial de informação, enquanto as mulheres representam apenas 36,8%. Segundo Mena-Young, mulheres costumam aparecer apenas em datas específicas, como o Dia da Mulher. “Devemos passar a incluir outros grupos, como estudantes e membros da sociedade civil nesses conteúdos”, disse a professora.
Para Mena-Young, as relações entre a sociedade e a ciência são uma via de mão dupla, que deve ser fundamentada sobre quatro pilares: entendimento recíproco, confiança, compromisso e satisfação. Através da comunicação, é esperado que os cientistas expressem experiências e sentimentos (a união entre o saber e o sentir), estabeleçam conversas com base em evidências e a formação teórica-metodológica das audiências. “Ao prestar um serviço de qualidade, que cumpra com expectativas, solucione conflitos e satisfaça o público-alvo, o cientista pode conseguir estabelecer uma relação de proximidade com a audiência”, concluiu.
Os fundamentos para consolidação da divulgação científica
Constanza Pedersoli é pesquisadora da Universidade Nacional de La Plata, na Argentina, onde estuda a educação social em museus, a popularização da ciência e a cultura científica. Em sua fala, Pedersoli enumerou características e objetivos da divulgação científica.
Segundo a pesquisadora, o processo da comunicação científica começa nas escolas, com o objetivo de promover um acesso mais amplo ao conhecimento da ciência e da tecnologia. Ela destacou que a comunicação das ciências é um campo disciplinar específico, que depende de ações e linguagens diferentes do conteúdo voltado principalmente para acadêmicos. “As diferenças são percebidas primeiramente pelo público-alvo, que é mais extenso, incluindo crianças, jovens, adultos e comunidades heterogêneas”, apontou. As principais atividades recomendadas por Pedersoli são aquelas que tornam o aprendizado mais fácil e divertido, como feiras, workshops e aplicativos móveis. Os objetivos devem ser a formação e capacitação da sociedade para debater e posicionar-se sobre questões de saúde e meio ambiente.
Na Argentina, terra natal da pesquisadora, há diversos indícios de expansão da comunidade científica, como por exemplo o surgimento de plataformas similares à Plataforma Lattes, onde pesquisadores podem expor seus percursos acadêmicos e sua experiência. O surgimento de publicações nacionais especializadas, associado aos novos congressos e jornadas, além dos espaços institucionais de formação acadêmica e profissional comprovam a consolidação gradativa da ciência no país.
Em relação à esfera legal, Pedersoli afirma que é preciso “seguir trabalhando”. “É necessário que trabalhemos em parceria com outros países da América Latina, pois enfrentamos dificuldades similares. Um dos maiores desafios é o das políticas públicas: muitos ministérios, leis e políticas são estabelecidos e depois desaparecem. Nós precisamos da efetividade deles”, defendeu a pesquisadora.
Debate: mudanças e desafios
“Os desafios não param de aparecer. Estamos subindo a montanha, pouco a pouco”, observou María Eugenia Fazio, moderadora do evento. Durante o debate, as palestrantes abordaram divergências na divulgação científica e a emergência das ações de ciência social.
“É muito mais comum ver ações de divulgação científica em outras áreas que não nas ciências sociais”, comentou Massarani, assinalando que os cientistas sociais não são acostumados a produzir divulgação científica, muito também por conta de um histórico de pouco incentivo por conta das entidades. No entanto, esse cenário já está mudando no Brasil. “Recentemente a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais entrou em contato com a Fiocruz para propor um prêmio de divulgação científica na área de ciências sociais, justamente para estimular essa atividade.”
Mena-Young ressaltou que, para a elaboração de narrativas de comunicação científica, é preciso criar histórias de fácil compreensão, com testemunhos e metáforas cotidianos e personagens de fácil identificação. Dessa forma, o público irá lembrar da história em situações futuras. Ela defendeu a necessidade de uma estratégia de comunicação nas redes sociais – o que demanda tempo e experiência, o que muitos pesquisadores não têm. “É preciso haver um comunicador para ajudar nessa estratégia, para que possamos falar mais alto que os antivacina e negacionistas”, concluiu.
A gravação completa do evento pode ser conferida aqui.
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