Helena Nader durante conferência virtual.

Entre os dias 25 e 27 de agosto ocorreu o Ciclo de Debates sobre o Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação – Desafios e Dificuldades na Implementação, evento online organizado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A iniciativa visou reunir os principais agentes do sistema de ciência, tecnologia e informação para um debate sobre os desafios na aplicação efetiva do Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação (EC 85/2015, Lei 13.243/2016 e Decreto 9.283/2018).

O Marco Legal de CT&I foi sancionado em 7/2/2018 e alterou nove Leis com intuito de criar um ambiente mais favorável à pesquisa, desenvolvimento e inovação nas universidades, nos institutos públicos e nas empresas. As Leis são: Lei de Inovação, Lei das Fundações de Apoio, Lei de Licitações, Regime Diferenciado de Contratações Públicas, Lei do Magistério Federal, Lei do Estrangeiro, Lei de Importações de Bens para Pesquisa, Lei de Isenções de Importações e Lei das Contratações Temporárias.

Abrindo o primeiro dia de debates, o painel A mudança de paradigma instituída pelo novo Marco Legal de CT&I contou com a presença de Helena B. Nader, vice-presidente da ABC e presidente de honra da Sociedade Brasileira para Progresso da Ciência (SBPC). Nader, que também participará de outras mesas de debate, delimitou esta sua primeira apresentação em uma breve recordação do que levou a comunidade científica a buscar esse novo Marco Legal e como os outros atores foram se incorporando. 

Em outubro de 2008, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva visitou a sede da SBPC para conhecer os problemas da comunidade acadêmica, para fazer com que a ciência brasileira trouxesse retorno financeiro para o país. 

Em abril de 2010, 18 meses depois, representantes da ABC e da SBPC participaram da  4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia e plá produziram um documento assinado por todas as entidades científicas do país, delineando os grandes gargalos que diferenciavam a ciência brasileira da ciência de ponta produzida em outros países. O então presidente aderiu a algumas medidas imediatas, como o decreto que legalizou as fundações de apoio às universidades e institutos de ciência e tecnologia (ICTs), que estavam sendo questionadas.

Mas apenas isso não seria suficiente: “Chegamos a conclusão que o Brasil já tinha muitas legislações voltadas para essa área, mas elas precisavam de alguns ajustes. Primeiramente, precisávamos incluir a palavra “inovação” e, em seguida, uma nova emenda, que abordasse as novas necessidades”, comentou Helena, que participou da elaboração da emenda desta reivindicação desde o princípio.

Em seguida, a cientista mencionou a Lei 13.473 de 2017, que agrupou diferentes legislações já existentes em um corpo único, com intuito de “facilitar o diálogo daqueles que praticam a inovação e daqueles que olham e fiscalizam como ela está sendo feita” – o que, segundo Nader, não está dando certo. A lei, aprovada por Dilma Rousseff e regulamentada durante o governo Temer, sofreu diversos vetos que a deixaram “capenga”. Os vetos, que atingem consideravelmente o Plano Nacional de Educação (PNE), precisam ser revistos com urgência, uma vez que tratam de pontos relevantes para a consolidação de uma legislação moderna.

Já no ano seguinte, o Marco Legal de CT&I garantiu medidas de incentivo à inovação e à pesquisa científica e tecnológica, além de oferecer suporte para a educação, fundamental para a formação de recursos humanos e para o intercâmbio de pessoas. Nader afirma que a lei ainda não está sendo praticada da forma correta devido a insegurança dentro das procuradorias das ICTs. De acordo com ela, isso ocorre porque dentro das instituições ainda não é entendido o que o Marco significa e o que ele propõe à comunidade científica. 

A Acadêmica defendeu, ainda, uma maior flexibilidade no dispositivo orçamentário: “Muitas vezes, nos questionam se queremos romper com os leilões. Fazer ciência não é como comprar canetas. Os reagentes e equipamentos necessários para uma área são distintos dos que precisam em outra”, explicou. Nader contou que, em países mais desenvolvidos, o financiamento não explica se a verba se destinará para o pagamento de uma pessoa, de um equipamento ou de um reagente. Segundo ela, essa liberdade é fundamental, uma vez que a ciência não ocorre sempre conforme o planejado: “Se é para trazer o velho, não é ciência. O novo ainda vai ser investigado.”

Já nos últimos tópicos de sua apresentação, Helena Nader entrou em um dos mais relevantes tópicos da ciência atual: a Lei Complementar 135 de 2020, que estabeeceu que o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) não pode mais ser contingenciado – apesar de, na prática, isso não estar acontecendo. “Temos apenas cerca de 700 ou 800 milhões de reais disponíveis, enquanto o resto ainda continua preso. Para a ciência, esse ano, ainda não temos recurso. Esse é o menor orçamento em duas décadas”, apontou Nader, que está há mais 12 anos à frente da luta científica. 

“Estou muito animada com esse diálogo porque será muito importante mostrar aos nossos procuradores o que é fazer ciência. Não é como construir uma estrada. Uma estrada, um prédio, você pode parar a obra e depois retomar, embora não seja o recomendado. Se a ciência parar, porém, é irreversível – e nós já estamos perdendo gerações”, assertou Nader. “O não cumprimento da legislação, na minha visão, está levando ao fim da ciência, tecnologia e inovação no Brasil.  Nós lutamos para a criação de um Ministério de Ciência, Tecnologia e Informação e, agora, não podemos deixar que ele se extingua pelo não cumprimento de leis e pela falta de financiamento.”


 


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Helena Nader recorda a trajetória da luta científica nas últimas décadas em evento organizado pelo TCU

Ciclo de Debates sobre o novo Marco Legal de CT&I discute relações público-privadas

Evaldo Vilela debate os desafios da prestação de contas no ambiente científico

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