Confira trechos do artigo escrito pelo neurocientista Roberto Lent, membro titular da ABC, publicado no jornal O Globo nesta sexta-feira, 13 de agosto:

Roberto Lent, membro titular da ABC

O título parece uma manchete do “Sensacionalista”, mas é uma metáfora usada pelos neurocientistas muito real: temos de fato um segundo cérebro, embutido de alto a baixo em toda a parede das nossas vísceras digestórias. As últimas avaliações estimam que alcancem meio bilhão de neurônios e um tanto a mais de células gliais, as companheiras inseparáveis dos neurônios. Como acontece no “primeiro” cérebro, esses neurônios viscerais fazem contato uns com os outros e processam milhões de informações. Outra surpresa: o sistema nervoso entérico interage com o sistema nervoso central por meio da participação ativa das bactérias residentes nas vísceras, a maioria no intestino. Estima-se aqui um número que quase alcança 40 trilhões de bactérias em um homem de 70 kg. 

A importância desse eixo de comunicação entre as vísceras e o cérebro através da microbiota de bactérias residentes cresceu muito com as pesquisas mais recentes. Hoje se sabe que essa interação influi no surgimento e transcurso de doenças neurodegenerativas, como Parkinson e Alzheimer, e transtornos neuropsiquiátricos, como o espectro autista, ansiedade, estresse e até mesmo a esquizofrenia. 

Uma grande questão que se coloca para a neurociência é esclarecer como se dá essa conversa entre os nossos “dois cérebros”. Que sinais as bactérias enviam para os neurônios das vísceras, como estes se comunicam com o sistema nervoso central, que caminhos essa informação percorre dentro do “primeiro cérebro”, e como são então moduladas as funções corporais e neuropsicológicas? A resposta a essas perguntas poderá resultar em alternativas terapêuticas ou preventivas para as disfunções neuropsiquiátricas mencionadas. Alternativas que podem ser super simples, já que é possível alterar a presença e os tipos de bactérias intestinais apenas mexendo na alimentação que utilizamos no cotidiano. 

Um trabalho recente publicado por pesquisadores de Taiwan e da Califórnia dá conta dessa questão, usando camundongos manipulados geneticamente ou com antibióticos para se tornarem “germ-free”, isto é, completamente desprovidos de microrganismos no corpo. Comparando esses animais com outros dotados da microbiota normal, os pesquisadores puderam reconstruir detalhadamente os circuitos ativados em interações sociais, como o acasalamento e a autodefesa, e avaliar os transtornos causados nessas interações sociais pela interrupção da comunicação entre bactérias e neurônios. 

Mostraram que a microbiota modula a atividade neuronal dos dois cérebros em regiões específicas, regulando respostas ao estresse e os comportamentos sociais. Verificaram que os animais sem microbiota tinham comportamentos sociais desviantes, causados pela produção de níveis elevados de corticosterona, o hormônio do estresse, normalmente regulados por sinais químicos emitidos pelas bactérias e captados pelo sistema nervoso entérico, devidamente endereçados ao sistema nervoso central pelos neurônios viscerais. Na falta da mensagem das bactérias, as áreas cerebrais controladoras das glândulas endócrinas aumentavam drasticamente sua atividade, causando uma alta produção de corticosterona pela glândula suprarrenal. 

(…) 

Foi encontrado um culpado específico: uma bactéria que atende pelo nome gongórico de Enterococcus faecalis, cuja reposição no intestino dos camundongos recupera o comportamento social dos animais sem microbiota. Se os dados se confirmarem com estudos em humanos, está posta no horizonte uma alternativa simples e eficaz de mitigar os sintomas neuropsiquiátricos das várias doenças influenciadas pelas bactérias que conversam com o segundo cérebro. 

Leia a matéria na íntegra no blog em O Globo.