Os participantes da 41ª edição dos Webinários da ABC: Murilo Flores, Elibio Leopoldo Rech Filho, Alysson Paolinelli e Roberto Rodrigues

Na tarde do dia 3 de agosto foi realizada a 41ª edição dos Webinários da ABC e o tema da vez foi “Agricultura: gerando riqueza com base no conhecimento”. O evento contou com a presença dos ex-ministros da agricultura Alysson Paolinelli e Roberto Rodrigues, e do ex-presidente da Embrapa Murilo Flores. A mediação ficou a cargo de Elibio Leopoldo Rech Filho, pesquisador da Embrapa e diretor da Academia Brasileira de Ciências. 

Enquanto o tema da segurança alimentar volta a ganhar destaque com o aumento da demanda mundial, o desequilíbrio climático e os riscos à biodiversidade trazem à tona a necessidade de se tratar com mais seriedade a questão ambiental. Enfrentar essas duas problemáticas é o desafio atual da agropecuária brasileira, e a ciência e tecnologia tem papel central nesses esforços. 

Histórico da agropecuária brasileira 

O primeiro palestrante foi o ex-ministro Alysson Paolinelli, premiado com o World Food Prize em 2006 e recentemente indicado ao Prêmio Nobel da Paz de 2021. O agrônomo fez uma breve introdução histórica do abastecimento mundial de alimentos, contextualizando os fatores que inflacionaram os preços na década de 70, atingindo severamente o Brasil.  

“Naquela época o Brasil não possuía tecnologia para ser autossuficiente no setor. A resposta para a crise foi um alto investimento em pesquisas e tecnologia, com a criação da Embrapa [Empresa Brasileira de Pesquisas Agropecuárias] e a capacitação de uma nova geração de profissionais, além do desenvolvimento de infraestrutura e o estímulo a cooperação público-privada”, relatou Paolinelli.  

O país viu o número de instituições de pesquisa na área dobrarem e viabilizou grandes áreas de cerrado à produção agropecuária, equiparando sua produtividade a de grandes centros mundiais. “Foi espantoso para nós a velocidade da mudança, eu fiquei surpreso com o que ocorreu nos cinco anos em que o Cerrado foi trabalhado física, química e biologicamente”, destacou o ex-ministro. 

Números e desafios atuais do agronegócio

O  ex-ministro Roberto Rodrigues ressaltou o retorno da questão da segurança alimentar para o centro do debate no mundo. “Organizações internacionais estabeleceram metas para o tema que só podem ser cumpridas com uma ampla participação brasileira”, afirmou. Rodrigues destacou que o país pode e deve servir de espelho para o desenvolvimento agrícola de outras regiões tropicais e apresentou alguns números de resultados obtidos nas últimas décadas. 

O agrônomo exemplificou alguns dos esforços na melhora de produtividade e o aumento da participação do setor na economia brasileira, explicando as bases econômicas que permitiram esse progresso e afirmando que ainda existe potencial de crescimento. Com relação a questão ambiental, citou o que acredita serem os pontos fracos da legislação brasileira e enfatizou a necessidade de uma maior fiscalização, com atuação séria contra as ilegalidades que vêm se alastrando, sobretudo na região amazônica. 

Sobre o futuro do agronegócio, Rodrigues defendeu que é possível antever um cenário em que a pressão dos próprios consumidores por sustentabilidade molde as práticas produtivas. “É uma tendência que a iniciativa privada participe cada vez mais do processo e  isso demanda uma reestruturação institucional e legislativa”. declarou o ex-ministro, salientando a importância das cooperativas e de acordos internacionais de comércio. 

Papel das pesquisas públicas e privadas na agropecuária

Murilo Flores, ex-presidente da Embrapa, contextualizou os processos de transformação de terras improdutivas em produtivas que ocorreram no Brasil. O pesquisador citou mudanças que estão ocorrendo nos hábitos alimentares e prioridades dos consumidores, ressaltando a importância de se perseguir uma produção mais sustentável. 

Com relação à pesquisa, ele destacou a entrada maciça do capital privado nas pesquisas a partir da década de 90, estimulada sobretudo pela Lei de Patentes (1996) e pela Lei de Proteção de Cultivares (1997). Flores argumentou que essa tendência se mantém ainda hoje e que é necessário redefinir os modelos de participação pública e privada nos investimentos, definindo áreas estratégicas para participação do Estado. 

O palestrante destacou três grandes ativos brasileiros para o desenvolvimento do setor: uma robusta estrutura produtiva construída nos últimos 50 anos, uma rede de ciência e tecnologia cada vez mais ampla e diversificada e a enorme biodiversidade do país.  

Para finalizar, Flores trouxe uma questão importante que é pouco abordada, que são os trabalhadores rurais na periferia dessa economia. “Há uma grande interrogação: o que fazer com milhões de pequenos agricultores que estão à margem desse processo: Qual o encaminhamento que a sociedade pode dar a essa situação? Esse é um grande desafio para o desenvolvimento de nosso espaço rural”, concluiu. 

Debate 

O primeiro grande foco de debate foi a participação dos setores público e privado no desenvolvimento de ciência e tecnologia agrícola. O presidente da ABC Luiz Davidovich ilustrou a questão com exemplos internacionais de aplicação de recursos e perguntou sobre perspectivas futuras para o agronegócio brasileiro, tendo em vista novas tendências globais.  

Roberto Rodrigues respondeu que o interesse da iniciativa privada fica mais restrito a produtos muito visados como soja, algodão, café e milho. Segundo o ex-ministro, ainda existem poucos estudos em diversos outros mercados potenciais, destacando o papel que o Estado poderia cumprir investindo em pesquisas relacionadas a essas áreas. Nessa linha, Murilo Flores reiterou o que havia dito sobre investimentos públicos em áreas estratégicas, com ênfase em pesquisa de base. Apontou também que iniciativas deste tipo devem ser acompanhadas por uma maior permeabilidade para recursos privados nos setores de maior interesse econômico. 

Outro tema recorrente foi a questão ambiental. Os debatedores afirmaram que o Brasil ainda conhece pouco seus biomas e que avança devagar na criação de uma bioeconomia que sirva aos interesses das populações locais. A Acadêmica Mercedes Bustamante participou das discussões, contextualizando alguns dados fornecidos pelos participantes e argumentando que o setor agrário ainda dialoga pouco com as ciências ambientais. Os debatedores mantiveram críticas feitas a alguns pontos da legislação florestal. O presidente da ABC informou que a ABC tem estudos recentes e bastante aprofundados sobre estes temas e citou alguns, disponíveis gratuitamente no site da ABC: o documento sobre o Código Florestal (2011), construído junto com a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), alguns capítulos do Projeto de Ciência para o Brasil e o livreto Biomas e Agricultura (2019), produzido em parceria com a Fapemig. 

Com relação às crises climática e hídrica, cujos efeitos já são sentidos em vários segmentos agrícolas, foi destacada a urgência do tema, elencadas prioridades que devem ser estipuladas e áreas com potencial de desenvolvimento. Em particular, foi observado que a criação de peixes ainda é bastante subdesenvolvida para o país que possui as maiores bacias hidrográficas do mundo. 

Outro tópico debatido foi a utilização de inteligência artificial no aumento da produtividade. Rodrigues esclareceu que muita coisa já está em funcionamento, com agricultura de precisão e mecanização do campo, e apontou que a infraestrutura é muitas vezes insuficiente. “A falta de conectividade rural afeta de forma desigual os pequenos agricultores, que não conseguem ter cobertura de internet em todo seu território. Esse ponto ainda é um empecilho para o aumento de produtividade”, observou. Foi destacado o papel que as cooperativas podem desempenhar para solucionar essa questão de conctividade.

As atividades foram encerradas pelo presidente da ABC, que agradeceu aos participantes e ressaltou a importância do tema. 

Confira a íntegra do Webinário no YouTube da ABC.