Participantes do evento reunidos, inclusive Luiz Davidovich, Jorge Kalil, Rubens Belfort, Patricia Rocco e Marcelo Morales.
No dia 15 de julho foi realizado o webinário “COVID-19: Elaboração de diretrizes para desenvolvimento de vacinas e acompanhamento da população”, organizado em conjunto pela Academia Nacional de Medicina (ANM), a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a Rede Vírus MCTI. O evento ocorreu de forma remota, das 15h às 20h, com transmissão ao vivo nas redes sociais da ANM.
A programação contou com apresentações de diversos membros da ABC. Os dois primeiros blocos foram coordenados pela Acadêmica Patricia Rocco (UFRJ), membro das duas Academias, e pelo membro titular da ABC Manoel Barral Netto (Fiocruz), respectivamente. O Bloco III, “O futuro no desenvolvimento de novas vacinas” foi coordenado por Luiz Davidovich, presidente da ABC, e contou com apresentações dos membros titulares Jorge Elias Kalil Filho, Mauro Martins Teixeira e Marcelo Marcos Morales.
Confira a participação dos Acadêmicos filiados a ABC no evento:
Patogênese e tratamento
Patrícia Rocco abordou a variabilidade na resposta imune dos pacientes, com os casos mais graves associados a uma cascata inflamatória exacerbada. As diferenças nos padrões pulmonares de pacientes graves também levantaram dúvidas sobre serem causadas eventualmente por uma má aplicação da ventilação mecânica, o que foi argumentado em artigo recente.
Rocco relatou que, de início, acreditava-se que a doença estaria associada apenas ao trato respiratório. Porém, com o passar do tempo, se percebeu que outros órgãos também eram afetados. No caso do cérebro, as complicações podem ser acarretadas por vias imunológicas e não imunológicas, sendo que estratégias ventilatórias equivocadas podem também influenciar na piora do paciente, Coração e rins são outros órgãos afetados pela doença, que também está envolvida em distúrbios de coagulação, podendo causar trombose.
Com relação à evolução da doença, hoje já está estabelecido que o vírus pode acarretar sequelas neurológicas mesmo após o término da infecção, assim como se descobriu, recentemente, que fibroses pulmonares são induzidas em estágios anteriores ao que se pensava, podendo impactar a capacidade respiratória mesmo de pessoas que não desenvolveram a forma grave.
Foram sumarizados os estudos terapêuticos, ressaltando que a maioria das drogas inicialmente candidatas não obtiveram resultados clínicos significativos, exceção feita a dexametasona, cujo uso durante a ventilação mecânica foi verificado como efetivo por diversos estudos independentes.
Outra terapia sobre a qual há especulações envolve células-tronco. Rocco salientou que essa alternativa ainda está em fase inicial de testes clínicos. É sabido que essas células podem gerar uma resposta anti-inflamatória e que não possuem receptores para o vírus, o que traz esperança de que essa abordagem possa vir a ter resultados efetivos no futuro.
Rocco terminou sua apresentação com um alerta, “vacinar, usar máscaras e manter o distanciamento, isso é o correto e é isso que a ANM, a ABC e a Rede Vírus MCTI querem, o correto é seguir o que diz a ciência.”
Epidemiologia, vacinas e controle
O membro titular da ABC Mauricio Lima Barreto, epidemiologista, professor titular aposentado da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e pesquisador da Fiocruz-Bahia, começou sua apresentação falando sobre as origens da COVID-19. Ele explicou que todos os indícios apontam para um vírus que saltou de animais para humanos. Por se tratar de uma doença respiratória, a facilidade de infecção possibilitou que se tornasse uma pandemia, com a globalização contribuindo para que o patógeno se espalhasse muito rapidamente.
Outro fator agravante da doença é a desigualdade. “Ficou muito claro que existem diferenças de exposição, vulnerabilidade, acesso a tratamento e efetividade das medidas de controle em populações mais pobres” disse Barreto.
Entrando no tema de prevenção e vacinas, foi ressaltado o papel crucial das máscaras e do distanciamento social. Um ponto importante que muitas vezes não é exposto na mídia envolve evidências de que vacinas prévias, como para BTG e gripe, podem ter efeitos redutores para COVID-19. Entretanto, o acesso a vacinas ainda é muito desigual ao redor do mundo, o que contribuiu para o surgimento de novas variantes e o prolongamento da pandemia.
O Acadêmico discutiu ainda diferentes políticas de combate à pandemia, apresentando estudos que mostram que os países com menor mortalidade foram os que adotaram medidas rigorosas de eliminação da circulação viral e não apenas a mitigação de seus efeitos. “Vacinas são armas extremamente importantes na diminuição de mortes, mas existe a necessidade de manter medidas preventivas para controlar verdadeiramente o vírus”, finalizou.
Desafios atuais na produção de vacinas
Manoel Barral Netto, professor da Fiocruz e membro titular da ABC, coordenou o segundo bloco de apresentações, focado na questão da imunização. Em sua fala inicial o Acadêmico destacou dois pontos principais: a necessidade de uma vacina de mucosa e as dificuldades éticas na produção de novos imunizantes.
Vacinas impedidoras da replicação nas mucosas são importantes porque não apenas protegem os inoculados mas também evitam a transmissão, algo que não ocorre hoje com as vacinas existentes. Entretanto, a testagem de novos imunizantes está se tornando cada vez mais difícil, pois quanto maior o número de pessoas imunizadas na população, menor a possibilidade de se obter grupos de controle significativos.
Novas vacinas nacionais para COVID-19
Jorge Kalil iniciou sua fala abordando a questão da politização das vacinas, acentuada pela rixa entre o governador de São Paulo eo presidente da República. Segundo o pesquisador, essa situação atrapalha o debate científico, uma vez que torna impossível falar de vacina sem falar de política.
O Acadêmico apresentou um gráfico mostrando o aumento do número de casos de COVID-19 em diversos países após o início da vacinação. Esse aumento pode ser compreendido, dado o fato de que muitos países relaxaram as medidas restritivas após começarem a vacinar. As variantes também contribuíram para o aumento do número de casos, uma vez que os primeiros imunizantes a serem desenvolvidos tomaram como base a cepa de Wuhan. Já imunizantes mais atuais, como a norteamericana Novavax, foram testadas durante a circulação de todas as cepas já existentes.
Gráfico apresentado pelo professor Jorge Kalil sobre países com maior índice de vacinação.
O intuito da vacinação é que haja a criação de anticorpos e estimulação de uma resposta celular – o que está relacionado ao sangue. Como a COVID-19 é uma doença que se desenvolve nas mucosas, o exame de sangue nem sempre traduz exatamente o que está acontecendo nas células afetadas.
O Acadêmico explicou a diferença entre as composições das vacinas em desenvolvimento e as existentes no mercado atualmente – as de vírus inativado, como no caso da Coronavac; as de vetor viral recombinante, como Janssen, AstraZeneca e Sputnik V; as que utilizam RNA, como a da Pfizer e Moderna; e a tecnologia de subunidade recombinante, também chamada de vacina de nanopartículas, utilizada pela Novavax.
O aumento do número de casos no Chile, mesmo com grande número de vacinados com Coronavac, pode ser atribuído à baixa cobertura da vacina de vírus inativado (50%) mesmo após as duas doses. Kalil destacou a necessidade de uma terceira dose em indivíduos mais velhos, mas ressaltou o bom desempenho da vacina na prevenção de mortes (86%).
Kalil faz parte do grupo de pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) que está atuando no desenvolvimento de uma vacina em formato de spray nasal e em dose única. Segundo o pesquisador, esse tipo de vacina será mais efetivo, já que muitos vacinados permanecem com o vírus na mucosa do nariz e continuam transmitindo. O objetivo do imunizante é aumentar a resposta das células T (localizadas nas vias aéreas) e dos anticorpos IgA (imunoglobulina A), com produção totalmente nacional e de baixo custo.
Immunobridging
O vice-presidente da ABC para a Região Minas Gerais & Centro-Oeste Mauro Teixeira apresentou o conceito de immunobridging – ou ponte imunológica -, que é o fator determinante de uma resposta imunológica protetora em uma vacina. Ele pode ser utilizado como marcador (ou correlato de proteção) para medir a eficácia de um novo candidato vacinal e leva em conta as comparações entre resposta imune e proteção viral.
Os correlatos de proteção não são algo novo, uma vez que são frequentemente utilizados no desenvolvimento de vacinas para influenza. O estabelecimento de tais níveis podem ajudar na compreensão de mecanismos da imunidade anti-viral e a entender a perda da imunidade após meses de vacinação ou contaminação pelo vírus. Esse material pode ser útil no aprimoramento das vacinas já existentes para as novas variantes, novas faixas etárias e doses de reforço.
Os dados de análise de soro convalescente demonstram a importância dos anticorpos na proteção contra a infecção. Os anticorpos podem ser formados de duas maneiras: através da infecção natural ou da vacinação. Quem já foi infectado pela COVID-19 tem 80% menos chances de se infectar novamente – “não está completamente imune, mas possui uma proteção robusta”, explicou o Acadêmico. “Mesmo na ausência de anticorpos, se você é capaz de montar uma resposta imune, graças à memória imunológica, você consegue diminuir o impacto da doença no seu organismo – mas a transmissão continua”, explicou o Acadêmico.
Outra questão levantada por Teixeira foi sobre o tempo de duração da imunização. Pesquisas recentes indicam que a resposta imune humoral diminui com o passar dos primeiros meses – o que mostra que o conceito de imunidade de rebanho não é possível e que uma dose de reforço será necessária em breve. No entanto, o Acadêmico destaca que resposta imune não é uma questão de “sim ou não”: existem inúmeras possibilidades após uma infecção prévia ou vacinação. O efeito sobre os casos graves é, aparentemente, mais evidente do que sobre o risco de infecção.
O contexto do surgimento de novas vacinas é somado a fatores como o surgimento das novas variantes, a falta de vacinas em nível global e a dificuldade de produzir estudos no atual estágio de pandemia. Teixeira afirmou que desenvolver novas vacinas dentro das plataformas já existentes não será tão difícil quanto o surgimento de novas plataformas. “Há riscos de estabelecimentos de correlatos de proteção incorretos, que não tragam comparações adequadas entre resposta imune e proteção vacinal”, destacou o Acadêmico.
Ações do MCTI e da Redevírus
O Acadêmico Marcelo Marcos Morales apresentou as diretrizes seguidas pelo Ministério da Ciência, Tecnologia e Informação (MCTI), em especial o núcleo Rede Vírus, durante a pandemia. Entre as estratégias de Pesquisa, Desenvolvimento e Informação (PD&I), estão: a Rede Corona-ômica, para identificação de fatores associados à dispersão e severidade da epidemia; práticas de vigilância epidemiológica em animais silvestres e em águas residuais; e ensaios clínicos como uso de plasma convalescente, soro equino e heparina para tratamento de COVID-19.
Morales destacou a necessidade de investir em vacinas nacionais, principalmente pelo fato de não depender de negociações com países estrangeiros para aquisição de doses e também pelo uso da tecnologia nacional, que poderá ser aprimorada pelos próprios pesquisadores brasileiros. Ele destacou que a Versamune, vacina desenvolvida com apoio do MCTI e com cooperação internacional, tem grandes chances de estar aprovada até o fim do ano ou no início de 2022. É esperado que a Versamune produza uma imunidade de até 12 anos no organismo, conforme apresentou o Acadêmico Celio Lopes Silva no Webinário 34 da ABC. Saiba mais sobre as vacinas para COVID-19 desenvolvidas no Brasil na matéria sobre o evento.
A Academia Brasileira de Ciências seguirá apoiando e participando de eventos que promovam o debate científico sobre a vacinação e as formas de controle da COVID-19. Em parceria com entidades parceiras, procuramos trazer atualizações de primeira mão sobre a produção de vacinas nacionais e soluções científicas desenvolvidas para controle da pandemia. Fique atento ao nosso site para não perder as datas dos encontros e conferir as matérias de cobertura. Use máscara e, se puder, fique em casa!