A moderadora Claudia Figueiredo.

 

Em 25 de junho, ocorreu mais uma edição do Programa de Mentorias da ABC, organizada pelos membros afiliados. A sessão sobre Open Science foi organizada pela Acadêmica Jaqueline Mesquita (eleita para o período 2018-2022) e reuniu os pesquisadores Concepta Margaret McManus (Univerisade de Brasília, UnB), João Batista Teixeira da Rocha (Universidade Federal de Santa Maria, UFSM) e Roberto Moraes Barros (Universidade Federal de São Paulo, Unifesp) em um debate sobre ciência aberta. A pesquisadora Cláudia Figueiredo (Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ), afiliada da ABC no período 2015-19, será a mediadora. 

O evento, voltado para membros e ex-membros afiliados da ABC, ocorre mensalmente, sempre na última sexta-feira, e tem como objetivo contribuir para o progresso profissional dos Acadêmicos através do debate de diversos aspectos da vida científica com profissionais renomados.

 

Ciência aberta: apenas vantagens?

Claudia Figueiredo, mediadora do evento, deu início ao debate apresentando o conceito de open science, tema da semana. Apesar de aparentar ser um tópico que só traz vantagens, até que ponto a ciência aberta é positiva para todos os atores da ciência mundial?

“Essa é uma discussão complexa, sobre a qual ainda não há um consenso, principalmente sobre como será o custeamento desse tipo de pesquisa diante das divergências do financiamento científico em diversos países”, esclareceu Figueiredo.

A discussão sobre acesso aberto à conteúdo científico surgiu com o avanço da globalização e a expansão da cobertura de internet. Os principais fatores que tornaram esse assunto algo muito desejado pelos cientistas, incluem: disponibilidade, imediatismo, acesso à uma infinidade de artigos, compartilhamento de banco de dados, gratuidade e acesso remoto.

O aumento do preço de publicação em periódicos científicos – especialmente em tempos em que revistas físicas não existem mais – foi outro agravante. O preço, que pode ultrapassar os 10 mil reais é inviável para muitos cientistas, não apenas do Brasil, mas de todo o mundo. Grandes revistas costumam não pagar revisores/editores, sobre pretexto de que o autor terá mais citações.

No Brasil, o open access ainda não é uma realidade – a base aqui é o sistema de paywall, no qual apenas assinantes tem acesso ao conteúdo completo. Anualmente, milhões do orçamento da Capes é destinado ao pagamento da assinatura de periódicos das editoras Elsevier, Springer-Nature, entre outros. A mais recente política de open access aderida pela Nature afirma que qualquer um pode acessar ou publicar livremente, desde que pague 9500 euros (quantia próxima a 50 mil reais).

Claudia apresentou o Plano S, movimento coordenado por uma aliança europeia para estabelecer e incentivar políticas de ciência aberta. O Plano S entrou em vigor em 1º de janeiro de 2021, mantendo o mesmo objetivo de 2018: se uma pesquisa é financiada com dinheiro público – no caso, com recursos de uma das agências signatárias–, os seus resultados deverão ser divulgados em revistas científicas ou em plataformas na internet às quais qualquer pessoa tenha acesso sem precisar pagar por isso. O Plano tenta equilibrar interesses de instituições, pesquisadores e editoras, mas ainda está enfrentando incertezas sobre seu alcance.

Apesar dos avanços, ainda há dúvidas se a ciência aberta veio para ficar: a maior delas é se a iniciativa só é debatida por conta política monetária ou se a maioria dos cientistas de fato usa. Na União Europeia, há diversas políticas públicas e discussões sobre o assunto, enquanto no resto do mundo, a comunidade científica ainda não avançou tanto no debate. O open science vem progredindo de maneira desigual, principalmente em função dos embargos impostos pelas publicações. Segundo Figueiredo, é momento de iniciar um grande debate sobre o assunto: “Precisamos discutir essa prática, como ela irá ocorrer, para que ela possa ser esclarecida. Será que o mundo está discutindo isso porque é melhor para a ciência ou porque tem surgido meios de ter acesso a esses artigos?”

 

Preprints: do estigma ao respeito

Roberto Rudge de Moraes traçou uma cronologia acerca dos modelos de publicação de artigos antes de explicar a origem do recente preprint. Sua apresentação com a inserção do conceito de peer review, ou revisão por pares, que foi o modelo antecessor ao preprint. O modelo de revisão por pares é um método que permite a avaliação de manuscritos submetidos às revistas científicas por especialistas independentes. O resultado é o fornecimento de um feedback para os autores, sugerindo melhorias e orientando os editores das revistas científicas sobre a relevância do manuscrito submetido. Esse modelo, surgido em 19xx, possui seus problemas: a revisão pode demorar semanas, meses e até anos, dependendo da área; e principalmente, como e onde encontrar revisores de confiança, que sejam éticos na revisão do trabalho, escolhendo os melhores e não aqueles escritos por amigos. Além disso, uma dúvida que sempre perseguiu pesquisadores é o porquê de as primeiras três pessoas leram o artigo serem capazes de dizer se ele é bom ou não.

Os preprints surgiram em 1990, sucedendo os Information Exchange Groups (IEG) grupos onde a troca de informações ajudou a acelerar o progresso científico. Apesar de as editoras pressionarem pelo fim dos IEGs, com a chegada da internet, tornou-se impossível controlar o desejo do pesquisador de divulgar o seu trabalho o mais rápido possível.

Em 1991, a chegada da plataforma arXiv, da Universidade Cornell, revolucionou a forma como eram feitas as publicações nos campos da matemática, física e ciências econômicas. Com o surgimento da plataforma de pré-publicações, caiu também o preconceito de que se o trabalho não tivesse sido revisado, ele não seria bom. A credibilidade desse tipo de publicação cresceu tanto que, desde 2017 passou a ser válida para pedido de financiamento para o NIH (National Institutes of Health, conglomerado de centros de pesquisa que formam a agência governamental de pesquisa biomédica do departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos).

De 2013 até os dias de hoje, surgiram inúmeras plataformas de preprints, como a bioRxiv e a medRXiv, voltada para as áreas de biologia e medicina, respectivamente. Durante a pandemia, a importância desses bancos de arquivo se tornaram essenciais: quando somadas, as plataformas atingem o montante de 17 mil artigos sobre COVID-19. No entanto, esse número ainda poderia ser maior: de acordo com Rudge de Moraes, ainda é preciso que haja novas formas de convencer cientistas a aderirem aos preprints, principalmente na área biológica e de clínica médica.

Outra coisa que o pesquisador menciona que deve ser controlada inclui formas de evitar que conclusões erradas ou preliminares de preprints cheguem ao público em geral e acabe prejudicando a população, tal como aconteceu com estudos sobre uso de hidroxicloroquina no tratamento de COVID-19 no início da pandemia.

 

Debate

João Batista da Rocha, membro titular da ABC.

De acordo com o João Batista da Rocha, que comentou as duas apresentações, o problema em relação aos altos gastos do país com o pagamento de periódicos internacionais é de origem econômica e cultural, inclusive, com a ausência de periódicos nacionais de relevância. “Não temos uma revista forte porque não temos ciência forte, não temos uma cultura científica forte”, disparou o professor. Ele assinalou que a Capes precisa de um mecanismo melhor de negociação, que não comprometa uma parte tão grande de seu orçamento, e que permita maior flexibilidade na publicação dos artigos.

No entanto, as tão almejadas publicações em grandes periódicos não deveriam ser tão estimadas pelos pesquisadores. Batista destaca que, há pessoas que publicaram em periódicos menores e obtiveram sucesso do mesmo jeito, realizaram grandes descobertas: “Se a gente tem certeza de que aquilo que fazemos é importante, pouco importa se o impacto do periódico é 4 ou 50.”

Quanto ao uso do preprint, o professor da UFSM destaca que a ciência sempre é propícia a erros: “O erro faz parte da ciência. O problema não é o preprint em si, mas sim na forma como nós iremos interpretar o preprint. O acesso do público em geral também tem seus riscos, mas é inevitável.”

Claudia destacou outra problemática do uso de preprints que é a utilização de dados incompletos para conseguir financiamento: “Usar as preprints como vitrine deixou a mídia sem parâmetros durante a pandemia. No início, era difícil dizer qual informação sobre COVID-19 era correta e merecia a devida divulgação.”

A palestrante e membro titular da ABC Concepta McManus.

Concepta McManus disse que é o momento de deixar a comunidade dar valor ao preprint, e de não distorcer o valor da ciência desta ciência que está sendo produzida.

Em relação ao corte de gastos, ela afirmou que, entre cortar bolsas e cortar acesso a revistas científicas, o “o óbvio é cortar os portais e usar o Sci-Hub”. Ela também destacou que, o não-pagamento dos periódicos também não faria com que a empresa de financiamento destinasse a verba para as APCs (Article Processing Charge, taxa cobrada dos autores para disponibilizar um trabalho em acesso aberto em um periódico).

McManus ressalta que o lado bom das relações internacionais é que, ao publicar um artigo em conjunto, parte dos seus coautores ajudam no financiamento da publicação – uma sorte que nem todos têm, já que nem sempre fazem publicações em conjunto.

A Acadêmica Andreza de Bem.

A Acadêmica Andreza de Bem questionou McManus sobre o valor anual do pagamento dos periódicos em comparação com o orçamento total. 420 milhões dos 4 bilhões de orçamento da Capes são destinados ao pagamento de periódicos, vendidos em forma de pacotes, ou seja: o valor engloba revistas muito utilizadas, mas também outras específicas ou pouco utilizadas. Ainda não há nada que a instituição possa fazer para controlar esse gasto, já que não tem como retirar esses materiais menos utilizados do pacote. “A intenção é que haja uma melhoria na relação portal x usuário. Se apenas 5% do corpo de pesquisadores usa, deveria ser negociado um valor para que essa assinatura valesse apenas para eles”, defendeu McManus.

Yralma Cordeiro e Félix Soares destacaram a importância de saber peneirar dados importantes dentro dessas grandes plataformas de preprints, incluindo melhorias nas ferramentas de busca dentro do próprio biorXiv. Soares comentou a pressão imposta aos pesquisadores pelas agências de fomento, que esperam publicações em revistas de grande impacto.

João comentou a teoria de que o preprint serve para “marcar território”: “é um ponto positivo, mas quem vai levar a fama histórica é quem tem a publicação numa revista revisada por pares”, comentou.

Ainda sobre o uso de preprints durante a COVID-19, o professor destacou que países como Dinamarca e Noruega souberam fazer uso do conhecimento científico para controlar um problema real. Ambos os países possuem um desempenho em educação e ciência excelentes. O mesmo não aconteceu no Brasil, que possui uma produção científica muito numerosa, mas pouco relevante globalmente. Além de a ausência de investimento em conhecimento científico, outros agravantes incluem a desigualdade social e o sistema público de educação precário.

Willian Barela Costa levantou o debate sobre o lugar de autoridade, olhar crítico científico e a necessidade de avaliar se alguns pesquisadores estão levando informação de fato correta ou apenas disseminando informações provenientes de uma “bolha de informações falsas” que o favoreça. “O open access talvez seja importante para as pessoas verem o que existe e se interessarem sobre isso, para descobrir mais sobre o assunto científico em questão.”

Abílio Baeta Neves, membro titular da ABC.

Abílio Baeta Neves, ex-presidente da Capes (1995-2002), disse que a solução do acesso aos portais  é importante, mas parcial. Ele destacou que hoje, o Brasil possui uma ciência volumosa, mas não tão importante. Em um momento como esse, é fundamental que a Capes reavalie sua forma de negociação. “É preciso encontrar a nossa própria forma de negociar. Talvez cooperação internacional, negociando com parceiros estrangeiros.”

 

 

O debate seguiu por cerca de uma hora, transitando por questões políticas e éticas sobre a abertura da ciência e o uso de preprints. Muitos dos Acadêmicos que acompanhavam a sessão integraram o bate-papo.