No dia 2 de março, seis ex-ministros da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) participaram de evento on-line para o lançamento do manifesto “Em defesa da Educação, Ciência, Tecnologia e Inovação no País”. O encontro teve foco em mobilizar a sociedade e o Congresso Nacional em prol da luta pela ciência e contra os atos do governo que, por meio do corte de investimentos e de políticas negacionistas, colocam em risco as instituições públicas ligadas ao Sistema Nacional de Ciência Tecnologia e Inovação (SNCTI).
Participaram do debate os ex-ministros Luiz Carlos Bresser Pereira, Roberto Amaral, Sergio Rezende (membro titular da ABC), Aloizio Mercadante, Clélio Campolina e Celso Pansera. O ato também contou com a presença dos presidentes e vices da ABC, Luiz Davidovich e Helena Nader, e da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu Moreira e Fernanda Sobral. Participou também o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), Edward Moreira.
O manifesto, assinado por 11 ex-ministros, foi criado em decorrência dos “graves cortes orçamentários propostos para 2021, com descontinuidade de programas estratégicos e risco de colapso de instituições do Sistema Nacional de CT&I”. Com o intuito de alertar a sociedade acerca do grave desmonte que vem ocorrendo nas instituições públicas no país e pressionar parlamentares, os ex-ministros declararam que o Estado vem sofrendo uma redução na sua capacidade em enfrentar crises e culpa o atual governo pelo retrocesso sem precedentes na história do país.
O documento, que foi lido no ato pelo Acadêmico Sergio Rezende, afirma que “enquanto países desenvolvidos reforçam suas políticas de CT&I, em face da contribuição essencial destas para retomada do crescimento sustentável e equânime, caminhamos a passos largos na direção do obscurantismo – mediante a negação da ciência, recuo na formação de recursos humanos e declínio da inovação no setor produtivo”, dizem os ex-ministros.
De acordo com o manifesto, o principal ministério atingido pela redução dos investimentos públicos é o de CTI, com decréscimo de 26% em relação a 2020. “A proposta orçamentária para 2021 revela a face do atual governo, com redução dos investimentos públicos de R$ 75 bilhões em 2014 para R$ 25,1 bi (a preços de 2020)”, sinalizam os ex-ministros. As universidade e os institutos federais, que já vêm sendo atingidos pelos cortes nos últimos anos, “acumulam uma queda progressiva em seus recursos discricionários”. Além disso, “a perda na Capes é drástica, os recursos orçamentários despencaram de R$ 7,7 bilhões em 2015 para R$ 2,9 bi em 2021”, acrescentaram.
Segundo o presidente da ABC, o Brasil está indo na contramão do que os países desenvolvidos e em desenvolvimento estão realizando. Davidovich explicou que a situação nem sempre foi essa, citando que nos anos 1980 o Brasil produzia cerca de 55% dos insumos farmacêuticos consumidos no país e hoje esse percentual caiu para 5%. “Esses números são fruto de uma forte desindustrialização em decorrência da falta de incentivo à indústria, da falta de projeto nacional e da predominância, na política econômica, do neoliberalismo”, apontou.
O ex-ministro Luiz Carlos Bresser Pereira reiterou a fala do presidente da ABC, afirmando ser “fundamental que essa comunidade de ciência e tecnologia lute também na área econômica, a favor de uma visão desenvolvimentista ao invés de liberal, que defenda claramente a necessidade de uma intervenção moderada, mas clara, do Estado na economia e que defenda uma posição nacionalista no plano econômico”, para que esse atraso seja minimamente reduzido.
“A tragédia está na política neoliberal:se nós recuperarmos nossos recursos, nada poderemos fazer, porque continuaremos sob a égide de um governo dedicado à destruição do projeto de construção de uma sociedade sadia e com menos desigualdade. Precisamos conquistar a sociedade para a defesa da ciência e tecnologia como um dos instrumentos de construção nacional”, apontou o ex-ministro Roberto Amaral.
Foi levantada pelo grupo, também, a questão fundamental dos vetos presidenciais ao PLP 135/2020, aprovado e sancionado como Lei Complementar nº 177/2021. A lei garantiria a manutenção do SNCTI e a estabilidade da cadeia de saúde mas, no entanto, teve seus efeitos anulados pelos vetos. O manifesto cobra ao Congresso Nacional que não aceite esses vetos, visto que ocorreria o contingenciamento de 90% do FNDCT e a redução de seus recursos de R$ 5,3 bilhões para apenas R$ 500 milhões.
No cenário mundial, face à crise sanitária em consequência da COVID-19, Clélio Campolina destaca que o Brasil está perdendo uma grande oportunidade diante da “maior corrida científica e tecnológica da história, nunca havendo tanto recurso em ciência e tecnologia”. Com mais de 250 mil vidas perdidas para o SARS-CoV-2, os ex-ministros elogiaram a atuação do Sistema Público de Saúde (SUS), da comunidade científica e do incansável serviço dos profissionais de saúde no combate ao vírus. No entanto, questionaram a displicência e insensibilidade do governo perante a situação.
“A época de crise é a época de investimento, é o período em que nós devemos investir em ciência e tecnologia. E o Brasil está fazendo justamente o contrário”, reiterou Davidovich. “E a única maneira de nós tentarmos mudar esse futuro, ainda que parcialmente, é que a sociedade e a comunidade científica se mobilizem, conversando com os parlamentares, fazendo pressão sobre o Parlamento, para derrubar os vetos presidenciais e para mudar esse orçamento, de modo a privilegiar os investimentos. É o que vai servir para aumentar a participação da indústria na economia nacional, aumentar a inovação e permitir que a gente vislumbre um novo futuro para o país”.