Em um cenário global de recessão econômica e crise sanitária causadas pela pandemia de COVID-19, a economia brasileira enfrenta problemas. O Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil, a soma de todas as riquezas do país, registrou uma queda histórica durante o ano. Somado a isso o país vive outros desafios econômicos históricos, como a desindustrialização e a dependência em exportação de commodities.

“Desafios para o futuro da economia: Brasil na encruzilhada” foi o tema da 29ª edição da série de webinários da Academia Brasileira de Ciências (ABC), realizada no dia 24/11, em parceria com a Accademia Nazionale dei Lincei. O evento contou com a participação de Luiz Carlos Bresser-Pereira, Daniela Magalhães Prates e Carmem Feijo para um debate sobre os paradigmas da economia brasileira pós-COVID.

Dando as boas-vindas aos participantes, o presidente da ABC, Luiz Davidovich, e o presidente da Accademia Nazionale dei Lincei, Giorgio Parisi, iniciaram o evento. Maria Cristina Marcuzzo, membro da academia de ciências italiana e professora de economia na Universidade de Roma “La Sapienza”, foi a moderadora do encontro.

O crescimento brasileiro e o asiático

Luiz Carlos Bresser-Pereira, professor emérito da Fundação Getúlio Vargas e ex-ministro da Fazenda, em 1987, e da Administração Federal e Reforma do Estado, entre 1995 e 1998, lembrou das causas históricas dos problemas econômicos do Brasil. Segundo ele, os anos de 1980 foram decisivos para separar a economia brasileira do comparativo crescimento da economia asiática. Até os anos 80, as duas economias estavam em expansão. Apesar de políticas econômicas semelhantes, as economias brasileira e asiática diferiam em políticas públicas.

Enquanto países asiáticos contavam com maior investimento em educação, reforma agrária e cortes em “populismo fiscal”, houve uma mudança no regime de desenvolvimento brasileiro. “Tínhamos uma educação pobre e sem investimentos, instituições frágeis. O que aconteceu foi uma armadilha de um estágio econômico liberal que nos levou ao desastre”, disse Bresser-Pereira. “Houve uma submissão do Brasil às reformas neoliberais dos EUA durante os anos 90”.

O economista acredita que já naquele momento havia projetos de países e regiões diferentes. Essa realidade de décadas passadas se reflete hoje, por exemplo, no investimento do Estado em ciência, tecnologia e inovação. Para o economista, ao invés de investir em sua própria ciência, o Brasil exporta bens manufaturados e continua alimentando um regime neoliberal. “Outra razão para o crescimento dos países asiáticos foi a redução da desigualdade para aumentar o crescimento. Aqui ainda temos uma desigualdade cada vez maior”, afirmou.

A crise de COVID na economia brasileira

Para a economista Daniela Magalhães Prates, a pandemia de COVID-19 provocou uma crise maior do que a recessão econômica de 1929 e uma depressão econômica ainda maior do que as dos anos recentes. Oficial Sênior de Assuntos Econômicos na Divisão de Financiamento de Desenvolvimento e Dívida da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), Prates pesquisa as áreas de economia internacional e macroeconomia com foco em questões monetárias e financeiras. “Dependemos do capital e do investimento estrangeiro e isso nos deixa ainda mais vulneráveis a choques externos”, disse.

O ciclo econômico de exportação de commodities e dependência econômica de turismo acaba atrelando países como o Brasil às políticas econômicas adotadas por outros países. “Durante a pandemia, pudemos notar que o Brasil foi mais afetado do que outras economias”, afirmou Prates. Segundo a pesquisadora, a economia vivenciou quedas no mercado de combustíveis, teve sua moeda depreciada, foi impactada pela queda no turismo e teve perdas nas vendas de commodities.

“A crise provocada pela pandemia poderia ter sido ainda pior se não tivéssemos adotado medidas como o auxílio emergencial e outros benefícios para a manutenção do emprego”, disse a economista. Diante dos maus resultados de um projeto econômico dependente, Prates acredita que o país deva construir suas próprias tecnologias. “Se não investirmos em ciência e tecnologia ficaremos cada vez mais defasados”, ressaltou.

Ciência não é gasto, é investimento

“A pandemia atingiu o país em um momento em que estávamos nos recuperando de um período de recessão, quando não há crescimento econômico”, lembrou Carmem Feijo, professora titular da Universidade Federal Fluminense (UFF) e coordenadora do Grupo de Estudos em Finanças e Desenvolvimento da universidade.

Em um período de grandes impactos sobre os empregos e a vida da população, Feijo chamou atenção para as medidas que deverão ser adotadas pós-pandemia. “A austeridade é a única medida apresentada até o momento e vira um argumento contra o aumento ou manutenção de gastos públicos”, disse a pesquisadora. Em um período de austeridade fiscal, o Governo pode adotar medidas rígidas de controle de gastos e cortes de despesas. “Há um medo de que o endividamento público aumente no futuro, atrapalhe o crescimento econômico e afete as próximas gerações”, explicou.

Em meio a esse cenário, Feijo  alertou para a importância do investimento em ciência. Segundo ela, não há justificativas para que o país faça cortes nas áreas científicas e tecnológicas. “Uma vez que a vacina contra o novo coronavírus esteja disponível, devemos esperar uma recuperação econômica que não destrua nossas instituições e nossa estrutura científica”.