A Academia Brasileira de Ciências (ABC) promoveu a 23ª edição de sua série “O Mundo a partir do Coronavírus”, dentro dos webinários Conhecer para Entender, no dia 8/9, sobre o tema “Desafios da Educação Básica”. O Acadêmico Roberto Lent foi o mediador do encontro.

A educação brasileira vive, durante a pandemia, um contexto marcado por desigualdades, alunos sem acesso a aulas e atividades paralisadas por diversas escolas públicas pelo país. A falta deste direito básico previsto pela Constituição Federal compromete a vida e a aprendizagem de muitos jovens brasileiros. Para conversar sobre a conjuntura da educação no Brasil e perspectivas pós-pandemia, foram convidados Daniel Cara, Priscila Cruz e Mozart Neves Ramos, três representantes expressivos da luta pela melhoria do acesso à educação.

“É preciso dar à ciência e à educação o espaço que elas merecem”

Daniel Cara é doutor em educação pela Universidade de São Paulo (USP), onde trabalha atualmente, e coordena a Campanha Nacional pelo Direito à Educação (CNDE). “Nosso país tem a capacidade de se desenvolver se acreditar no investimento em ciência, tecnologia e educação”, afirmou ele.

“Vivemos uma situação dramática nessa pandemia, pois partimos para um isolamento social mal planejado e, agora, convivemos com políticas irresponsáveis de retorno às aulas”, disse Daniel. A volta às atividades presenciais em escolas públicas já foi discutida por secretarias de educação de alguns Estados, como no Rio de Janeiro e em São Paulo, e também foi alvo de proibições da justiça. “Essa pressão pelo retorno às aulas é irresponsável em termos de saúde pública e ignora a posição de educadores”, alertou Cara.

“Tivemos, neste ano, uma conquista com o Fundeb, mas ainda temos que enfrentar a política de teto de gastos para a educação, que também afeta a ciência e a saúde”, lembrou. Esse alerta de Daniel Cara se refere à Emenda Constitucional 95, aprovada em 2016, que instituiu um regime fiscal válido por 20 anos capaz de limitar os investimentos públicos sociais, com o objetivo de retomar o crescimento econômico do país. “Precisamos acabar com esse subfinanciamento no Brasil”, disse Cara.

Na visão do palestrante, é preciso entregar a educação aos educadores, além de dar à educação e à ciência o espaço que elas merecem. “Nesse contexto, a luta que travamos durante a pandemia tem que ganhar força e a Academia Brasileira de Ciências tem um papel fundamental de fortalecer a agenda de investimentos em ciência e educação”, destacou Daniel. Dentre as contribuições que a ABC promoveu ao longo dos últimos anos pela melhoria da educação, estão publicações organizadas por Acadêmicos, como “Desafios da Educação Técnico-Científica no Ensino Médio” (2018), “Repensar a Educação Superior no Brasil” (2018), “Aprendizagem Infantil” (2011) e “O Ensino de Ciências e a Educação Básica: Propostas para superar a crise” (2007).

Mais compromisso com a educação

Para Priscila Cruz, a educação brasileira vive um processo recorrente de desvalorização, muitas vezes distante das vozes populares pela demanda de direitos educacionais. Com a pandemia, novos desafios de aprendizagem foram colocados, como o enfrentamento das desigualdades vivenciadas por muitos estudantes e professores brasileiros. Priscila é presidente-executiva do Todos Pela Educação, uma organização sem fins lucrativos que tem por propósito melhorar a educação básica no Brasil.

“Com a pandemia, vemos crescer um potencial aumento da evasão escolar, além de problemas relacionados ao estresse tóxico, violência doméstica e sexual, aumento da gravidez precoce”, disse Priscila. Segundo ela, a escola representa um distanciamento de realidades precárias na vida de muitos estudantes. “Apesar disso, temos que planejar e nos preparar antes de uma volta às aulas, para saber como recuperar a defasagem de aprendizagem entres os estudantes. Nossa preocupação é com os alunos mais pobres”, afirmou.

“Precisamos trabalhar sobre a valorização, profissionalização e o acolhimento de professores após a pandemia e pedir um compromisso ainda maior da gestão pública”, disse Priscila, que tem mestrado em administração pública pela Harvard Kennedy School of Government. Com apenas 32% de escolas brasileiras com esgoto e 54% com água tratada, segundo dados apresentados por ela, a demanda por infraestrutura deve preceder a volta às atividades presenciais da educação no Brasil. “Essas crianças não podem voltar para a escola sem esses direitos. Não podemos deixar a pandemia passar para colocarmos em prática todas essas demandas”, disse ao lembrar que o atual Governo Federal ainda oferece pouco apoio à educação brasileira. 

Desigualdades educacionais 

Membro do Conselho Nacional de Educação, Mozart Ramos acumula experiências no campo educacional, como gestor, professor e por seu histórico na luta por melhores condições de acesso e pela promoção da educação. Segundo ele, a pandemia impactou os estudos de cerca de um bilhão de jovens e crianças em todo o mundo. No Brasil, além da crise sanitária que se instalou, a ausência de coordenação política nacional piorou a realidade educacional do país.

“A COVID-19 escancarou as desigualdades educacionais”, disse Mozart. Alunos sem acesso à internet, computadores e ambientes adequados à aprendizagem ou sem qualquer iniciativa de amparo a atividades educativas marcaram, até o momento, o período da pandemia. “Essas questões já poderiam ter sido estudadas por governos anteriores, com investimentos maciços em tecnologia e formação de professores em ensino online”, afirmou.

Diante de tantas dificuldades, Mozart lembrou que exemplos de avanços educacionais no país, como o que ocorreu no Estado do Ceará, não podem ser esquecidos e devem servir de aprendizado para o pós-pandemia. “Muitos jovens serão pressionados para abandonarem a escola e ajudar a compor a renda familiar, terão dificuldade para voltar à escola”, alertou. Projetos de acolhimento socioemocional e de desenvolvimento pessoal e tecnológico serão, para Mozart, alguns dos principais aliados para a reestruturação da educação brasileira.

A defesa da educação pública e de qualidade no Brasil está intrinsecamente ligada à história da própria Academia Brasileira de Ciências. Já na década de 1920, a ABC ajudava a criar a Associação Brasileira de Educação. Depois, apoiou marcos de referência na história da educação brasileira e ajudou na implementação de diversas universidades pelo Brasil por meio da atuação de Acadêmicos. Além disso, a Academia é comprometida com o avanço do ensino de ciências, dentre outros fins, para o desenvolvimento nacional.

Antes iniciar este webinário, o presidente da ABC, Luiz Davidovich, lembrou o centenário da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), completado no dia 7 de setembro. A UFRJ foi a primeira universidade brasileira e luta pela ampliação do acesso à educação superior pública e de qualidade. As comemorações dos 100 anos da UFRJ foram compartilhadas num evento virtual realizado pelo Fórum de Ciência e Cultura da universidade, no YouTube.