Nos dias 21 e 22 de novembro, em Riad (Arábia Saudita), será realizada a 15ª Reunião de Cúpula do G20. Trata-se de um encontro dos Chefes de Estado do Grupo dos 20 (G20), composto pelas 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia.
Na ocasião, eles receberão um documento com recomendações sobre temas de interesse de todos os países do planeta atualmente, elaborado pelas Academias de Ciências dos países do G20, que formam um grupo chamado Science 20 (S20). Este foi um trabalho desenvolvido de forma intensa ao longo dos últimos meses e cujos resultados parciais foram apresentados num workshop internacional virtual, realizado nos dias 10 e 11 de agosto.
Em torno de 160 participantes estão envolvidos no processo de elaboração do documento, inclusive o presidente da ABC, Luiz Davidovich, a vice-presidente Helena B. Nader, o diretor Virgilio Almeida, o membro titular José Galizia Tundisi e Marcos Cortesão (secretário executivo de Relações Internacionais da ABC).
Pano de fundo
O grupo de Academias, o S20, foi estruturado em 2017 para atuar como grupo de engajamento do G20 para a área de ciência e tecnologia. Outros grupos também operam no escopo do G20: o Business 20 (empresários), Civil 20 (sociedade civil), Think 20 (think tanks), Women 20 (mulheres), Youth 20 (juventude) e a G20 Young Entrepreneurs Alliance (jovens empreendedores).
Desde as primeiras reuniões, a ABC participa ativamente no S20, tendo sido representada em forças-tarefa anteriores pelos Acadêmicos Protásio Lemos da Luz (2017, Alemanha – Melhorando a Saúde Humana), Evaldo Ferreira Vilela (2018, Argentina – Segurança Alimentar e Nutricional) e Luiz Drude de Lacerda (2019, Japão – Ameaças aos Ecossistemas Marinhos e Costeiros).
Trabalho pesado em meio à pandemia
Na edição de 2020, as atividades são coordenadas pela Arábia Saudita, país sede da reunião deste ano, e forças-tarefa foram montadas em torno de quatro temas, cada uma contando com a participação de um Acadêmico: Futuro da Saúde (Helena B. Nader), Economia Circular (José G. Tundisi), Revolução Digital (Virgilio Almeida) e Ligando os Pontos (Luiz Davidovich). Essa última tem por objetivo construir uma síntese, amarrando as interconectividades entre os tópicos anteriores.
A primeira reunião envolvendo os representantes das Academias ocorreu virtualmente em 23 de abril, com todos os participantes das quatro forças-tarefa. Em seguida, cada uma delas realizou encontros de trabalho bilaterais (entre os coordenadores árabes e os representantes de cada país) e multilaterais (reunindo os representantes de todos os países na força-tarefa). Cada participante respondeu a um longo questionário, que buscou extrair visões e recomendações de cada país para os temas em discussão.
Após dois meses de trabalho intenso, que mobilizou pesquisadores convidados a colaborar em cada uma das forças-tarefa, cada uma delas gerou um documento, todos apresentados nos dois dias de workshop.
Força-tarefa 1: O Futuro da Saúde
A representação brasileira no grupo que discutiu o futuro da saúde foi exercida por Helena B. Nader, vice-presidente da ABC, que também assumiu, atendendo a convite dos organizadores árabes, a co-coordenação da força-tarefa.
Para a elaboração da contribuição brasileira para este tema, foi mobilizado um time de pesquisadores que realizou duas reuniões virtuais, em 12 e 24 de junho. A discussão travada nestes encontros foi fundamental para alicerçar a contribuição da ABC para esse tema.
Participaram destas reuniões os seguintes pesquisadores: Carlos Gadelha (Fiocruz), Cesar Victora (ABC, UFPel), Iscia Lopes-Cendes (ABC, Unicamp), Jair Mari (Unifesp), João Batista Calixto (ABC, UFSC), Jorge Kalil (ABC, USP), Marcello Barcinski (ABC, ANM, UFRJ), Marcelo Bozza (ABC, UFRJ), Marcus Lacerda (FMT-HVD), Mauricio Barreto (ABC, UFBA), Mauro Teixeira (ABC, UFMG), Patrícia Rocco (ABC, ANM, UFRJ), Paulo Buss (ANM, Fiocruz), Pedro Vasconcelos (ABC, IEC), Selma Jerônimo (UFRN) e Sérgio Pena (ABC, UFMG).
Uma das contribuições importantes da ABC para o tema O Futuro da Saúde foi incorporar ao documento da força-tarefa o conceito de One Health, adotado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que compreende a saúde de forma holística. Além da saúde humana, são consideradas a saúde animal e ambiental, ou seja, a saúde planetária.
Outra contribuição relevante foi a incorporação da saúde mental como uma das áreas a merecer atenção. Tal percepção surgiu a partir de um dos webinários promovidos pela ABC, em que foram destacados danos humanos, econômicos e sociais sem precedentes que a pandemia vem causando, gerando uma condição particular de estresse que impacta nossas mentes, desorganiza as economias e aumenta o risco de desenvolvimento de transtornos mentais.
Segundo Nader, “foi uma satisfação poder contribuir para esse processo, na qualidade de co-coordenadora da força-tarefa. A intervenção da ABC foi fundamental para trazer temas importantes para a discussão e fazer ajustes no rumo do documento”.
A vice-presidente da ABC relatou que na primeira versão do documento, não era feita nenhuma referência ao sistema público de saúde: pelo contrário, apontava-se para o fortalecimento da saúde privada. Embora seja inegável a relevância deste setor, a experiência da pandemia destacou a importância fundamental de um sistema público de saúde, sem o qual amplas parcelas da população ficariam desassistidas.
“Foi a partir de nosso contraponto que se mudou o eixo do documento, ressaltando a necessidade do fortalecimento dos sistemas públicos e da articulação de ações globais, desenvolvidas em consonância com a Organização Mundial da Saúde”, ressaltou Nader.
Força-tarefa 2: Economia Circular
Já a participação brasileira na força-tarefa sobre economia circular foi liderada pelo Acadêmico José Galizia Tundisi. Para desenvolver o trabalho, ele convidou os pesquisadores Paulo Estevão Cruvinel (Embrapa Instrumentação Agropecuária), Silvio Crestana (Embrapa Instrumentação Agropecuária), Edson Cezar Wendland (USP – São Carlos) e Aldo Ometto (Escola de Engenharia de São Carlos).
Conforme destacado pela equipe, é muito importante que o S20 dedique atenção ao tema de economia circular, gerando recomendações para os chefes de Estado, de forma a nortear a transição das economias dos países para modelos mais sustentáveis de desenvolvimento. Esforços que busquem alternativas mais amigáveis ao meio ambiente são fundamentais para o futuro da humanidade, permitindo uma relação mais saudável entre o homem e o planeta.
De acordo com Tundisi, “os países precisam revisitar suas matrizes energéticas, a forma como se relacionam com os recursos hídricos e como produzem alimentos, por exemplo’, avaliou o cientista. É determinante, segundo ele, que haja uma relação menos predatória com a natureza e que o nível de desperdício seja drasticamente reduzido. Para tanto, “é essencial que redimensionemos a compreensão do que entendemos como lixo e adotemos uma visão mais contínua e cíclica da produção, na qual insumos, ao invés de serem utilizados e descartados, passam a ser reaproveitados em um novo ciclo”, acentuou o Acadêmico.
Nesse sentido, Tundisi destacou que uma atenção especial deve ser dedicada à educação, que é uma componente fundamental para que a sociedade possa compreender e abraçar novas formas de se relacionar com o planeta em que vivemos.
Tundisi destacou ainda outro aspecto fundamental: a preocupação com a biodiversidade. Países como o Brasil, Colômbia, Argentina, Costa Rica e diversas nações africanas e asiáticas podem se beneficiar muito de modelos de desenvolvimento que busquem gerar cadeias produtivas calcadas no aproveitamento sustentável de seus biomas. “Não compreender isso e não buscar mecanismos que permitam a exploração sustentável de novas oportunidades e novos horizontes de produção representa um desperdício de potencial, do qual os países com essa possibilidade não devem abrir mão”, reforçou o cientista.
Força-tarefa 3: Revolução Digital
Na força-tarefa dedicada à revolução digital, a ABC foi representada pelo Acadêmico Virgilio Almeida. Nas discussões realizadas, reconheceu-se que as tecnologias digitais estão impulsionando profundas modificações na sociedade e na economia global. Embora a revolução digital esteja apenas começando, os avanços nas tecnologias existentes estão evoluindo aceleradamente. Segundo Almeida, espera-se que novas tecnologias que irão emergir deem novos impulsos, alavancando e retroalimentando transformações disruptivas.
Neste contexto, foram várias as recomendações elaboradas. “Na nossa visão é necessário que as políticas tecnológicas tenham um caráter inclusivo, que contribuam para reduzir as desigualdades, principalmente nos países em desenvolvimento’’, apontou Almeida. Destacou-se a necessidade de se eliminar o fosso digital emergente, a partir de políticas e ações que garantam que, independentemente da localização, todas as pessoas no planeta tenham acesso às tecnologias digitais e à internet. Também foi ressaltada a relevância de ações voltadas para se evitar a disseminação da desinformação em plataformas digitais.
Almeida relatou que ficou evidente a importância do avanço digital para a saúde e para a economia circular, principalmente na questão do compartilhamento de dados. “Também é claro o papel chave do mundo digital e da necessidade de se criar políticas para aumentar a segurança e resiliência das estruturas digitais, como ainda de se propor ações que busquem reduzir a divisão digital, que exclui uma grande parcela da população global”, comentou o especialista.
Força-tarefa 4: Ligando os Pontos
Por fim, esta força-tarefa – que teve como representante da ABC o seu presidente, Luiz Davidovich –, buscou discutir como consolidar as contribuições das outras três, visando construir o documento final que será encaminhado à Reunião de Cúpula do G-20. Nas discussões realizadas nesta esfera, enfatizou-se a necessidade de governos, setor privado e instituições em geral buscarem sofisticar suas capacidades de análise, de forma a aprimorar seus modelos de planejamento estratégico.
Conforme ressaltado nos debates deste grupo, vivemos numa era de enorme e crescente complexidade, interconectividade e interdependência entre os sistemas sociais, econômicos, ambientais e políticos. Tal cenário exige uma melhor capacidade de análise, que pode ser refinada a partir do uso de novas ferramentas de coleta e processamento de dados.
A força-tarefa Ligando os Pontos terá agora a responsabilidade de gerar um documento síntese que abarque o conjunto das recomendações oriundas dos outros grupos. Na opinião de Davidovich, “o exercício desenvolvido por mais de uma centena de pesquisadores das Academias do G20, a partir de um extenso trabalho, produziu uma série de recomendações fundamentais que podem ajudar os países a olharem para o futuro, planejando a economia e a vida para além da pandemia”.
Próximos passos
A partir da consolidação do documento final, este será apresentado e discutido pelas Academias do G20 num Encontro de Cúpula do S20, que será realizado em 25 e 26 de setembro, e terá como foco Ciência para se Navegar em Transições Críticas.