Em 26 de julho de 2020 comemora-se o centenário do Acadêmico Celso Furtado, membro falecido da Academia Brasileira de Ciências (ABC) e também membro da Academia Brasileira de Letras (ABL), cujas ideias sobre o desenvolvimento econômico e o subdesenvolvimento enfatizavam o papel do Estado na economia.
Ele tomou posse na ABC no ano de 2003 e foi convidado a discursar em nome dos novos Acadêmicos.
Em seu discurso, disponível na íntegra mais abaixo, Furtado elogia o trabalho do historiador José Murilo de Carvalho e do cientista político e seu ex-aluno, Paulo Sérgio Pinheiro, também eleitos para a ABC na categoria de cientistas sociais. Observa que ambos “souberam nos revelar os desvãos do inconsciente de nossa cultura, na qual o mito do ‘homem cordial’ encobre formas perversas de repressão social.”
Relatou que suas ideias de que o povo brasileiro merecia um destino melhor levaram-no a ser cassado de direitos políticos e a partir para o exílio. “Mas vinte anos como professor em universidades da Europa e dos Estados Unidos permitiram-me reconhecer a importância do trabalho intelectual realizado no Brasil, mesmo nos anos em que foi mais duro o exercício da liberdade.”
Em seu ponto de vista, apresentado no discurso, “as ciências evoluem graças a agentes que são capazes de atingir e ultrapassar certos limites. Não basta armar-se de instrumentos eficazes. O valor de um cientista resulta da combinação de dois ingredientes: imaginação e coragem. Em muitos casos, cabe-lhe também atuar de forma consistente no plano político, portanto assumir a responsabilidade de interferir no processo histórico. Não devemos esquecer que a ciência está condicionada pelos valores da sociedade onde é gerada.”
Furtado destaca que as ciências sociais, talvez mais que outras, são sujeitas a influências ideológicas que refletem o espírito de uma época. Ressaltou a relevância de que prevaleçam na sociedade compromissos éticos, dado que no campo das ciências sociais o objeto de estudo nem sempre é algo perfeitamente definido e sim algo em formação, criado pela vida dos homens em sociedade.
“Disso me dei conta cedo, ao me debruçar sobre os problemas do desenvolvimento econômico. Com efeito, o próprio conceito de desenvolvimento já nos obriga a perceber que o homem é um fator de transformação, agindo tanto sobre o contexto social e ecológico como sobre si mesmo. Nesse sentido, a reflexão sobre o desenvolvimento traz em si uma teoria do ser humano, uma antropologia filosófica.”
Referindo-se ao fenômeno da globalização, Furtado observa que “o que vai acontecer em cada país dependerá em parte substancial do comportamento de seu povo e de seu governo”. Apontou o esforço europeu para a redução das desigualdades socioeconômicas das populações e ressaltou o papel dos Estados Unidos em, ao contrário, buscar reforçar a situação de dominação sobre os povos da América Latina.
“Com efeito, caso aceite firmar o acordo que acena com uma suposta integração entre iguais [referido-se à Área de Livre Comércio das Américas -ALCA ], o Brasil estará na realidade firmando um compromisso entre desiguais, pois quem lidera esse projeto é nada menos do que a maior potência mundial em termos econômicos, políticos e militares”, reforça Furtado.
Em trecho seguinte, destaca que os acordos do Brasil com os EUA acarretariam “a clara perda de soberania para o Brasil, que teria de renunciar a um projeto próprio de desenvolvimento, abdicar de uma política tecnológica independente e esfacelar o seu já fragilizado sistema industrial.”
Esperançoso, Furtado vai chegando ao fim do discurso afirmando que faz essas reflexões “para enfatizar a responsabilidade que nos advém coletivamente na construção de um Brasil melhor. Somos uma força transformadora deste mundo. Cabe-nos, a nós, intelectuais e cientistas aqui presentes, balizar os caminhos que percorrerão as gerações futuras.”
Por fim, afirma: “Quero concluir estas palavras lembrando que a história é um processo aberto e o homem é alimentado por um gênio criativo que sempre nos surpreenderá. De instituições culturais como esta Academia espera-se que velem para que essa chama criativa se mantenha acesa e ilumine as áreas mais nobres do espírito humano.”
Leia seu discurso de posse na ABC, em 2003, na íntegra.
Semana Celso Furtado
O Centro Internacional Celso Furtado de Políticas para o Desenvolvimento organizou uma homenagem ao centenário de nascimento do economista. Haverá webinários diários às 15h, de 26 a 31 de julho, com professores de todo o Brasil. A transmissão será pelo YouTube.
Além dos webinários, serão lançados livros e revistas com novas interpretações e o resgate de seu pensamento. Veja a programação.