“Desafios da educação superior na pandemia” foi o tema da 11ª edição da série de webinários “Conhecer para Entender” da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que aconteceu no dia 16/6. A série de webinários da ABC reúne semanalmente especialistas em diversos assuntos para debater sobre as novas realidades impostas pela pandemia.
Desde fevereiro, com a suspensão de atividades e aulas presenciais, muitas universidades brasileiras adotaram o ensino emergencial a distância para dar continuidade ao período letivo. Entre as universidades federais, apenas seis das 69 em todo o país aderiram ao modelo de ensino, com a autorização do Ministério da Educação (MEC), que estendeu as atividades remotas no ensino superior até o fim de 2020.
Para conversar sobre esse novo panorama para o ensino superior no Brasil, a ABC convidou o reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) João Carlos Salles; o presidente da Associação de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Abruem), professor de física e reitor da Universidade de Campinas (Unicamp) Marcelo Knobel; e Carlos Eduardo Bielschowsky, professor de química da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e ex-presidente do Centro de Ciências e Educação Superior a Distância do Estado do Rio de Janeiro (Fundação Cecierj). O presidente da ABC, Luiz Davidovich, iniciou o ciclo de palestras e apresentou a mediadora do evento, a Acadêmica Débora Foguel.
Um cenário que exige cuidados
“Quando iniciamos a suspensão das atividades nas universidades federais, não imaginávamos um cenário tão dilatado e imprevisível”, disse o reitor da UFBA, João Carlos Salles, ao iniciar a primeira fala do webinário. Para ele, as universidades públicas oferecem um espaço de convívio, trocas e diálogos que as tornam lugares de relacionamentos essencialmente presenciais. O filósofo avaliou a escolha entre o ensino emergencial a distância e suas consequências e a suspensão das atividades universitárias neste momento de pandemia.
“Sabemos que um ensino à distância de qualidade só se dá com universidades presenciais de qualidade e que realizam ensino, pesquisa e extensão”, afirmou Salles. Segundo ele, este momento de suspensão de atividades ou de continuidade do ensino pela tecnologia proporcionou reflexões em relação à didática inadequada que já vinha sendo adotada por muitos professores em universidades. “As atividades presenciais poderiam se enriquecer com os novos recursos remotos apresentados. Há professores que não conseguem ter um comportamento didático adequado, com aulas monótonas, chatas, indevidas, mal preparadas”, afirmou ele, que também é professor universitário e conhece bem essa realidade.
Um aspecto fundamental a ser considerado no contexto da pandemia, levantado por João Carlos, é a dificuldade que muitos alunos de universidades públicas teriam para acessar as aulas. “Dentro da realidade de nossos estudantes, há um déficit de acesso a tecnologias digitais que afetaria também a vida universitária. Atividades remotas, nesses casos, nos levariam a excluir ainda mais os já excluídos”, disse.
Além disso, a capacitação dos docentes das universidades também é básica para lidar com a nova forma de ensino. “Há docentes com um letramento digital incipiente e com uma cegueira acerca de estratégicas didáticas. Temos um cenário que exige muito cuidado neste momento”, lembrou o professor. “Talvez um dos legados da pandemia seja pensar um novo modo de promover ações nos próximos anos. É preciso reorganizar a maneira como a excelência acadêmica se manifesta e restabelecer, com o auxílio de ações remotas, os laços essenciais entre pesquisa, ensino e extensão”, afirmou Salles,
O papel que as universidades públicas desempenham na sociedade também foi destacado pelo reitor da UFBA. “As instituições de ensino superior e seus modelos de autonomia, um direito garantido pela constituição às universidades, que mantém regras próprias de administração, finanças e produção de conhecimento independentes de governos, incomodam as gestões políticas atuais do país”, apontou Salles, que é membro titular fundador da Academia de Ciências da Bahia e membro da Academia de Letras da Bahia.
O enfrentamento da pandemia pela educação
Marcelo Knobel é professor do Instituto de Física da Unicamp desde 1995. Foi eleito reitor em 2017, depois de ter atuado como pró-reitor de Graduação de 2009 a 2013, sendo responsável, entre outras ações, pela implantação do Programa Interdisciplinar de Educação Superior (ProFIS), que alia inclusão social com formação geral. Dedica-se também à divulgação científica, colaborando com as atividades do Laboratório de Estudos Avançados em Jornalismo (Labjor) e do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri), desde 2000.
A Unicamp foi uma das universidades estaduais que deu continuidade ao período letivo por meio do ensino emergencial remoto. Segundo Knobel, o contexto imposto pela pandemia estimulou a universidade, os alunos e professores a buscarem soluções para a crise por meio da solidariedade, sem negar as dificuldades que as instituições de ensino superior já vinham enfrentando no país.
“Temos o pior cenário possível em um país que passa por uma crise política bastante complexa”, disse Knobel. Ele ressaltou as dificuldades com os cortes de recursos para as universidades públicas e a redução de bolsas de pesquisa pelo Governo nos últimos anos e em especial no início da pandemia.
Para ele, paralisar as atividades universitárias, afetando o vestibular e o aproveitamento acadêmico, neste momento, seria um “tiro no pé” das universidades, porque elas teriam sua importância questionada. “A realidade se impôs, não poderíamos suspender as atividades até tudo se regularizar, seria danoso para a universidade e para a sociedade”, disse Knobel.
Apesar da adoção de um modelo de ensino remoto, Marcelo Knobel entende que não se trata de educação a distância propriamente dita, mas de um “ensino emergencial remoto”. “Adaptamos 97% das disciplinas da Unicamp e as atividades que exigem a presença de estudantes serão retomadas quando for possível”, disse.
Para possibilitar esse novo estilo de vida universitária, a Unicamp promoveu mutirões de doações de notebooks, tablets e conseguiu arrecadar, segundo o reitor, cerca de 15 milhões de reais para a compra de computadores, tablets, contratação de pacote de internet (chips) a um custo baixo, EPIs, e insumos para testes na área de saúde. “Flexibilizamos as avaliações e conteúdos das disciplinas e criamos turmas com atividades de voluntariado para ajudar a distribuir cestas básicas e remédios”, contou Knobel. “Isso é algo que tem potencial imenso de permanecer, algo positivo em meio a toda essa situação que estamos vivendo”, completou.
“Precisamos usar a criatividade para buscar alternativas nesse contexto que estamos vivemos”, apontou o reitor. Knobel referiu-se ao próprio webinário da Academia Brasileira de Ciências, que contou com mais de 500 espectadores em diferentes plataformas digitais, de diferentes lugares do país e até de outros países de língua portuguesa. “A gente deve aproveitar possibilidades como essa, que a ABC está promovendo, para romper a rigidez das universidades e organizarmos disciplinas em conjunto com outras instituições de ensino”, disse.
Hoje, em sua avaliação “vivemos uma virada na percepção pública sobre a ciência e sobre a tecnologia, com a presença das universidades apoiando a sociedade no combate a essa pandemia”, afirmou.
As divergências sobre a EaD
Fruto de uma parceria entre o Governo e sete instituições públicas de ensino superior atuantes no Estado, o Cederj foi fundado em janeiro de 2000 com o objetivo de desenvolver projetos nas áreas de educação superior a distância no Estado do Rio de Janeiro. Atuante na área da educação há 30 anos, o professor Carlos Eduardo Bielschowsky ajudou a coordenar a criação do consórcio Cederj, além de ter sido seu presidente.
A tecnologia de EaD, que ganhou ainda mais importância na pandemia, já havia sido implementada pelo Cederj há 20 anos e permitiu o acesso à educação a muitas pessoas que foram excluídas do ensino superior público, muitas vezes, por morarem longe ou por não poderem estar presentes nos horários tradicionais de aula. “Hoje, temos 40 mil alunos em 17 carreiras, com resultados excelentes”, disse Bielschowsky.
Segundo ele, para promover a adaptação de todos os envolvidos no ensino online, há muitos aspectos que devem ser considerados, como promover acesso para os alunos, flexibilizar os currículos e o tempo das aulas. “A questão da cultura dos docentes é um dos gargalos principais. Por isso, é necessário também que as universidades conectem seu sistema acadêmico aos sistemas online de aprendizagem”, afirmou. “O que eu advogo é que devemos ter um outro olhar sobre isso”, disse o especialista.
Dividir o semestre em módulos para facilitar a compreensão dos alunos, fazer uma introdução adequada do curso, estimular os alunos com atividades semanais são algumas das recomendações de Bielschowsky. “O difícil é fazer o aluno ficar conectado. Para ele, há muitas coisas boas na internet. É importante estimular os professores a entrar nesse mundo com esses novos recursos e mais capacitação”, afirmou.
Mas a dificuldade inicial é o preconceito ainda existente em relação ao modelo do ensino de educação à distância no Brasil. Para Bielschowsky, esse é um preconceito com fundamento, já que estima-se que em 2020 quase 50% dos alunos que ingressaram na educação superior, o fizeram em cursos de EaD de instituições privadas, boa parte destes avaliados com conceitos 1 ou 2 no Enade (Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes), indicadores da baixa qualidade dos cursos, além das altas taxas de evasão. Apenas um desses grupos privados tinha, em 2018, cerca de 463 mil alunos de EaD em cursos com conceitos baixos.
A conclusão dos participantes foi na direção de defender, portanto, que a sobrevivência e a manutenção de direitos, como o acesso à educação, sejam priorizadas por meio de projetos de estímulo e auxílio a estudantes e professores. As desigualdades socioeconômicas, que se refletem na evasão escolar e na precarização do ensino público de modo geral, devem ser levadas em conta e mitigadas de todas as formas possíveis, dentro da realidade das diferentes redes de instituições públicas. E a parceria interinstitucional é uma delas.
Confira o vídeo com os principais destaques desta edição.
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