A terceira edição da série de webinários “Conhecer para Entender”, promovida pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), que ocorreu no dia 21/4, teve como tema “Trabalho e Diversidade”. Os webinários são encontros semanais organizados pela ABC com o objetivo de provocar reflexões sobre o mundo a partir da pandemia provocada pelo novo coronavírus.

Nesta edição, a socióloga e Acadêmica Nadya Araújo Guimarães (USP), a jornalista Sabine Righetti (Unicamp) e Márcia Barbosa, diretora da ABC, debateram questões relacionadas ao trabalho remoto, à diversidade, à divisão de tarefas, à representatividade de mulheres em posições de liderança e à atuação de cientistas mulheres durante a pandemia.

“O domicílio virou um pandemônio”

As diferentes dimensões do trabalho durante as novas realidades impostas pela pandemia tiveram destaque na fala da socióloga Nadya Guimarães, professora titular do Departamento de Sociologia da USP. Os trabalhos remoto, domiciliar e do cuidado se modificaram intensamente desde quando a sociedade passou a experimentar a nova realidade social provocada pela chegada do novo coronavírus.

Um dos estudos apresentados pela Acadêmica demonstra que o trabalho em domicílio é atravessado por questões ligadas ao gênero e à cor, uma realidade ainda mais evidenciada pela pandemia. “O domicílio virou, na pandemia, um pandemônio, o lugar onde formas de trabalho múltiplas e intensas se sobrepõem e são realizadas de maneira desigual. As mulheres têm uma carga muito maior nesse tipo de trabalho sujo, repetitivo, desagradável, especialmente as mulheres negras” afirmou Nadya.

Segundo uma pesquisa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no contexto da pandemia a taxa de desemprego no país subiu consideravelmente, com 12,8 milhões de pessoas afetadas pela crise. Nadya Guimarães acrescentou que muitas pessoas que mantiveram seus empregos durante a crise enfrentam uma sobrecarga em seus trabalhos. “Há duas vulnerabilidades em vigor: uma pela perda de trabalho e renda e outra pelas condições de exercício do trabalho”, destacou a socióloga.

Em relação às pessoas desassistidas pelo Governo e que perderam seus empregos, Nadya viu surgir um “negacionismo programático” em relação às condições em que vivem essas pessoas. “Não temos 50 milhões de invisíveis [as pessoas que precisam receber o auxílio emergencial, mas não estavam cadastradas nos sistemas de assistência social do Governo]. Na verdade, não estamos usando a ferramenta que nos permite chegar a esses indivíduos, como o Cadastro Único. É como se dissessem ‘o que não está dentro do meu programa de governo, não existe nem nunca existiu”, criticou a Acadêmica.

Já para os trabalhadores que tiveram que se adaptar ao trabalho em condição remota, houve um adensamento ligado a diferentes tipos de atividades, como aponta Nadya. “O trabalho visível, produtivo, que se faz no mercado, se soma ao trabalho invisível, tido como improdutivo, que se faz dentro de casa”, disse.

Um novo paradigma para a ciência e para a comunicação

Sabine Righetti trabalhou por um longo período cobrindo notícias de ciência em um grande jornal de São Paulo. Um pouco antes da confirmação dos primeiros casos de COVID-19 no Brasil, ela lançou a Agência Bori, um banco de fontes e dados reunidos para auxiliar o trabalho de divulgação científica de diversos jornalistas no país, com 823 profissionais cadastrados até aquele momento. Segundo ela, a comunicação e a ciência, áreas bem conhecidas pela jornalista, mudaram de maneira irreversível após a pandemia.

“A ciência virou o principal assunto em todo noticiário. Em geral, a manchete, desde o início do ano, é uma matéria de ciência ou um estudo novo”, afirmou Sabine. Ela diz que os cientistas também têm se incluído no cenário da comunicação ao participarem de programas, entrevistas e debates. “Do lado da imprensa, praticamente todos os jornalistas começaram a cobrir ciência com a pandemia, mesmo sem preparo”, pontuou.

Como ela ajuda a coordenar as publicações na Agência Bori, Sabine viu o ritmo de produção científica crescer desde o fim do ano passado, um indício do aparecimento do novo coronavírus, um mistério para os cientistas. “Tivemos, até o data de realização deste webinário, mais de 1.500 estudos publicados no mundo sobre COVID-19 e sobre o novo coronavírus, seria um estudo novo a cada uma hora e meia [Atualização: em 3/6 o número já está em SEIS estudos por hora]. A ciência ganhou um ritmo nunca antes visto na história”, disse. “Em uma fase difícil para a humanidade, a ciência e o jornalismo se fortalecem. A sociedade está entendendo que a solução está na ciência”, completou.

Apesar desses dados, Sabine alertou para a baixa participação de mulheres cientistas na mídia. Segundo ela, até aquele momento, a Agência Bori contava com cerca de 200 cientistas cadastrados com fontes para os jornalistas, dos quais apenas um terço eram mulheres. “Temos dificuldade para conseguirmos fontes femininas em nosso banco de dados. Normalmente, quando procuramos uma cientista para falar com a imprensa sobre máscara caseira ou sobre o uso de álcool em gel, ela passa o contato para um cientista homem”, disse. De acordo com a jornalista, uma pesquisa realizada antes da criação da Agência Bori apontava que muitas cientistas sentiam medo de cometerem algum erro ao transmitir uma informação à imprensa e correrem algum risco em suas carreiras.

Panoramas da desigualdade

Na sociedade, na ciência, em cargos governamentais, a Acadêmica Marcia Barbosa, diretora da ABC e professora titular do Departamento de Física da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), destacou que as mulheres são pouco representadas. Segundo ela, isso é um reflexo da estrutura social que rege a participação feminina no mundo do trabalho e na busca por diversos direitos. Neste momento de isolamento social, elas serão um grupo social muito afetado pela pandemia.

Márcia destacou a atuação de mulheres na ciência e os desafios para terem seus trabalhos valorizados, além do acúmulo de atividades domiciliares, questões evidenciadas pela pandemia. Um reflexo disso pode ser notado por meio da análise de produção de artigos científicos. “Em algumas revistas de ciência, o percentual de artigos submetidos por autoria única de mulheres caiu, embora a publicação científica mundial tenha aumentado. Isso é um efeito provável da distribuição de trabalho doméstico entre os gêneros”, disse Márcia. “O isolamento social vai sobrecarregar muito mais as famílias, em especial as mulheres com filhos em idade escolar. Quando nós voltarmos disso, vai haver uma diferença grande de gênero na produção cientifica”, disse.

E os jovens também estão na mira. Durante o novo contexto de isolamento social, muitos estudantes foram afetados com o cancelamento de aulas ou tiveram de se adaptar às aulas remotas. Segundo a diretora da ABC, 50% desses estudantes não tem infraestrutura para realizarem essas aulas. Para ela, essa é uma realidade desconhecida pelo poder público. “Quem faz política não faz parte desse grupo, porque tem internet rápida e um bom computador em sua casa, além de um escritório adequado. Temos que incluir as pessoas para desenhar uma nova política”, defendeu.

Os casos de violência doméstica, a propagação do racismo nas redes sociais e os problemas relacionados à saúde mental em meio à pandemia aumentaram consideravelmente. O confinamento pode produzir prejuízos ao avanço às conquistas de direitos das minorias sociais, como a inserção de pessoas de diferentes etnias na sociedade, a equidade entre os gêneros e o acesso aos cuidados de saúde. A pandemia provocada pelo novo coronavírus evidencia questões estruturais vigentes no Brasil e pode prejudicar o avanço das políticas públicas e dos direitos humanos. Os riscos, portanto, são interdisciplinares, não se restringem à saúde.

 

Confira o vídeo com os principais destaques desta edição.


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