Leia artigo da diretora da ABC Marcia Barbosa, professora titular da UFRGS, e Fernanda Stanisçuaski, professora do Departamento de Biologia Molecular e Biotecnologia da UFRGS, publicado no O Globo, em 13/4:

Marcia acorda, faz a sua aeróbica dentro do apartamento (coitados dos vizinhos), toma banho, coloca a roupa que usaria para ir para a universidade, toma uma xícara de café e está preparada para começar o dia que envolve pelo menos cinco reuniões on line com estudantes e colaboradores, uma gravação de aula ou entrevista e uma atividade mais solitária como retocar um artigo científico, preparar uma resposta para referee ou corrigir um cálculo de aluno. Na hora do almoço esquenta um prato de comida e volta à rotina. Termina o dia com a leitura e releitura do livro da Heloísa Buarque de Holanda, a Explosão Feminista. Apesar de sentir falta das aulas presenciais e palestras que envolvem o seu dia a dia, a pandemia não afetou a sua produtividade acadêmica. Afinal, como é física teórica, pode fazer quase tudo remotamente.

Fernanda é acordada pelo filho do meio, escalando sua cama e que, ao cair para o outro lado, acorda o mais novo, que ocupa agora o lugar do pai na cama. Em tempos de pandemia, levantar várias vezes para amamentar durante a noite não faz parte dos planos de Fernanda. Todos vão para a sala, onde está o filho mais velho assistindo ao jornal da manhã com o pai.

Café tomado, a Fernanda profissional emerge. É hora de responder aos e-mails, de pijama ainda, enquanto o pai fica com os três. O tempo voa e já é hora de preparar o almoço que, com o progredir da pandemia, nem sempre conta com as cinco cores diferentes no prato. Às vezes é monocromático, dependendo do sabor da pizza que sobrou da noite anterior. Acabado o almoço, hora da soneca do bebê, enquanto os mais velhos se ocupam com alguma atividade na sala. Segundo round de trabalho para Fernanda, que pode agora tentar submeter o artigo que está parado já faz algumas semanas. Mas, aparentemente, bebês têm dispositivos ultrassensíveis para detectar a necessidade de trabalhar da mãe e acordam dez minutos depois que ela senta no computador. O artigo continua intocado.

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Diferentemente dos estudantes de Marcia que podem fazer o trabalho remoto, a maioria das áreas científicas se alicerçam na realização de experimentos, entrevistas e testes. Todas estas atividades, frente ao confinamento, foram canceladas. Como esperar produção científica destes estudantes sem os meios para produzir?

Parece lógico que, neste momento crítico, não podemos esperar que todos dentro de suas diversidades de responsabilidades e características de suas atividades, tenham a mesma produtividade. As instituições estão se confrontando com o problema de como avaliar o trabalho remoto de diferentes profissionais. Seria um absurdo punir um(a) profissional por não manter a ritmo agora, pois cada um tem uma demanda familiar diversa. No entanto, quando na ausência de crise, é justamente isto que as instituições fazem: usam a mesma régua de avaliação de produtividade para todo mundo.

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Neste sentido, vamos aproveitar este momento de confinamento para pensar em estratégias institucionais para que não voltemos simplesmente a um mundo normal discriminatório com salários e avaliações que excluem mulheres e, em particular mulheres com filhos. Seria oportuno usarmos este tempo para planejar um mundo onde a diversidade seja contemplada nas avaliações e na divisão do trabalho profissional. Que a pandemia que para muitas pessoas se transformou em um pandemônio dê origem a um mundo com maior diversidade. O amanhã será plural.

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