Durante a tarde da segunda edição dos “Diálogos pelo Brasil”, os palestrantes discutiram como a inovação e as humanidades podem auxiliar na redução das desigualdades. Realizado no Teatro SESI do Rio Vermelho, em Salvador (BA), no dia 23 de outubro, o encontro fez parte de uma série de eventos que visa contribuir para a concretização de uma agenda nacional de desenvolvimento, alicerçada na ciência, na tecnologia, na inovação e na educação de qualidade para todos.

A edição de Salvador foi coordenada pelo Acadêmico Jailson Bittencourt de Andrade e a programação foi dividida em quatro grandes temas: saúde, ciências, inovação e humanidades. Pela manhã, os palestrantes dialogaram sobre ciências e saúde, em sessões compostas por palestras e discussões. O primeiro encontro da série foi realizado em Porto Alegre (RS), no dia 18 de outubro, e o próximo já está marcado para 12 de novembro, em São Paulo (SP).

Terceiro Grande Tema: Inovação

Elisa Reis, Luiz Roberto Liza Curi, Leone Peter Correia e a relatora Lilian Lefol

Atuação da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI) na redução das desigualdades 

Entre 2009 e 2017, a indústria brasileira encolheu de 15,3% para 12,2% do PIB e o país caiu 19 posições em nove anos na avaliação do Índice Global de Inovação (IGI). A doutora em sociologia e membro da diretoria de inovação da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Zil Miranda, fala sobre o papel da tecnologia no desafio da redução das desigualdades.

Diante disso, foi criada a Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI) para articular as empresas, o governo e a academia, “com o propósito de ampliar a efetividade das políticas públicas ​e aumentar a competitividade das empresas, por meio da inovação”, afirma Miranda.

A pesquisadora explica que a estimativa é que 133 milhões de postos de trabalho sejam criados com a automação e, devido a esse novo cenário, é preciso elevar a qualidade do ensino. De acordo com dados do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), o Brasil regrediu nas três áreas do conhecimento (matemática, leitura e ciências) e mais de 50% dos estudantes não têm o nível básico de proficiência​. Um outro desafio é ampliar a proporção de jovens com ensino superior: atualmente, cerca de 20% das pessoas entre 25 e 34 anos atingiu esse nível educacional. “A situação da educação é dramática no Brasil”, alerta a doutora em sociologia.

Para melhorar esse cenário, a MEI construiu um grupo de trabalho de recomendação para o fortalecimento e modernização do ensino de engenharia no Brasil. O documento sugere algumas diretrizes curriculares e metodologias de ensino, a capacitação e promoção docente, além da avaliação dos cursos. “Nós temos uma preocupação em propor diretrizes para nossas escolas ​muito mais alinhadas com o que estamos vendo no mercado”, pontua.

A Inovação e o Desafio da Redução das Desigualdades

Nos últimos anos, o Brasil cresceu como um todo, mas as desigualdades persistem. Isso fica nítido ao verificar-se que a distribuição geográfica das empresas inovadoras está concentrada no Sul e no Sudeste e, consequentemente, as exportações de produtos de alta tecnologia estão focadas nas mesmas regiões. O doutor pelo Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e reitor do Senai Cimatec, Leone Peter, fala sobre a inovação e o desafio da redução das desigualdades. “Ciência, tecnologia e inovação articuladas são um fator de desenvolvimento regional e de redução das desigualdades”, afirma.

Uma das iniciativas do Centro Universitário Senai Cimatec para melhorar o cenário baiano é a formação de “engenheiros do futuro”, com perfil empreendedor, inovador, com habilidades de liderança e comunicação, entre outras características. “Vamos dar mais fundamentos científicos, alguma tecnologia e soft skills (competências relacionadas à personalidade e comportamento do profissional) e com isso o estudante ganha sua própria vara para pescar seu peixe”, reforça o reitor. A instituição também distribui bolsas de estudo, investe em formação avançada para inovação, na atração e fixação de pessoal qualificado e na interiorização da educação.

Um dos avanços regionais mais recentes é o fato de a Bahia ter assumido o primeiro lugar em número de startups no Nordeste, que são empresas que surgem de uma ideia, sem grandes estruturas físicas, e que apostam na tecnologia para se consolidarem. “Inovação é desenvolvimento e, portanto, redução de desigualdades”, conclui.

O cenário da educação brasileira e a necessidade de inovação

O número de ingressos, em cursos de graduação a distância (EAD), tem crescido substancialmente nos últimos anos, dobrando sua participação, no total de ingressantes, de 20% em 2008 para 40% em 2018. Nos últimos 5 anos, os ingressos, nos cursos de graduação presenciais, diminuíram 13%.​ Diante desse cenário, o presidente do Conselho Nacional de Educação (CNE), Luiz Roberto Curi apresenta o panorama da educação superior brasileira, com números cada vez maiores de desistência e de cursos EAD.

Para ele, a educação à distância é muito importante no contexto brasileiro, considerando que o número de matrículas é desigual entre as regiões. Contudo, o modelo é implantado de forma incorreta: embala-se o currículo tradicional, que transforma-se em eletrônico, assim como a sala de aula. “A EAD é feita para a reprodução de matrículas e o aprendizado cai”, afirma o pesquisador.

Um outro desafio enfrentado pela educação brasileira é a taxa de desistência dos estudantes: entre 2010 e 2016 o percentual passou de 10,6% para 56,8%. Para Curi, a evasão no Brasil é curricular. “Há ausência de currículos adequados, o que leva a universidade, inclusive a pública, a perder a capacidade de convocação da sociedade, e sua relevância para formação em cursos, por exemplo, onde a visibilidade do mercado é opaca”, explica.

Nesse cenário, ele ressalta a importância de rever as formas de avaliação dos cursos e as políticas institucionais das universidades, incluindo a estruturação da educação à distância e dos currículos. “É fundamental que nós tenhamos a noção de que as coisas não mudam sozinhas, então se nós não mudarmos o processo avaliativo e se não colocarmos convergências que gerem políticas institucionais, dificilmente teremos nesse país consequências positivas para a economia e para a sociedade”, completa.

Quarto Grande Tema: Humanidades

As Ciências Sociais e os Desafios do Presente

De acordo com a doutora em ciência política, Elisa Reis, “a desigualdade social é o maior perigo que o mundo enfrenta no momento”. Para ela, entender os desafios do presente passa pela compreensão da trajetória histórica anterior a eles. Na época do pós-guerra, por exemplo, as grandes questões eram o desenvolvimento, a industrialização​, a urbanização, a consolidação democrática, entre outros.

Atualmente, há algumas transformações culturais em processo, como a nova percepção da interação entre os humanos e a natureza​. “Os primitivos pensavam em se proteger da natureza, os modernos iniciais pensaram em conquistá-la e agora nós sabemos que precisamos nos alinhar a ela e preservar”, explica a Acadêmica. Também estão em jogo outras concepções sobre as relações entre igualdade e diferença​ e novas formas de entender os estados nacionais.

A pesquisadora afirma que qualquer progresso enfrenta reações e, no caso brasileiro, um neotradicionalismo ganhou força nos últimos tempos, pautado na negação da diversidade, na intolerância, no neonacionalismo, populismo, e anticientificismo​. “As reações ao progresso não são uma novidade, porque é assim que funciona a sociedade civil, há avanços e reações defensivas”.

Para ela, considerando os frutos já produzidos pela ciência e pela tecnologia, os cientistas devem estar engajados na luta para reduzir a desigualdade.​ Diante disso, é necessária uma agenda que envolva o resgate e a valorização da ciência, o diálogo com a sociedade, interpretações da crise atual e a identificação de alternativas. “As questões formuladas no presente informam a visão do futuro​. As escolhas que fazemos conformam o futuro​”, completa.

 


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