Entre os coordenadores do SImpósio, Paulo Artaxo e Pedro Leite Dias da Silva,  presidente da ABC, Luiz Davidovich, afirmou que  é preciso reagir ao movimento anticiência mundial com ciência e consciência do prejuízo que o obscurantismo pode causar

Mitigação e redução de danos vinham sendo as palavras de ordem dos cientistas, quando o tema era o aquecimento global. No entanto, claramente este plano não está funcionando. E será que temos um plano B?

Esta foi a pergunta colocada logo de início pelo Acadêmico Paulo Artaxo, co-coordenador do Simpósio Internacional sobre Geoengenharia Climática promovido pela ABC em sua sede, nos dias 10 e 11 de junho.

Professor titular de física ambiental da Universidade de São Paulo (USP), Artaxo explicou que um pequeno grupo de cientistas no mundo se ocupa do plano B, que seria a geoengenharia climática. Esta área da ciência se propõe a desenvolver técnicas de intervenção deliberada no ambiente planetário em larga escala, de modo a controlar o aquecimento global.

Artaxo mostrou que a composição da atmosfera terrestre está sendo modificada pela ação humana, com impacto sobre os oceanos e ecossistemas terrestres, alterando inclusive a frequência de eventos extremos.  “Os impactos estão ficando cada vez mais evidentes. As emissões de CO2 não só não foram reduzidas nem estabilizadas, como continuam aumentando”, afirmou. As evidências envolvem a elevação do nível do mar, encolhimento dos lençóis de gelo, recuo de geleiras, cobertura de neve diminuindo, acidificação dos oceanos e outros dados.

Outro coordenador do evento, o Acadêmico Pedro Leite da Silva Dias, diretor e professor do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG / USP), reafirmou que apesar do Protocolo de Kioto e do Acordo de Paris, as coisas não vão bem. “Nenhum país vai conseguir atingir as metas do Acordo de Paris. O que está sendo feito não é suficiente”. E reconhece que interferir no sistema biogeoquímico do planeta é perigoso. “Pode melhorar a situação, ou piorá-la muito. Precisamos de mais pesquisa”, afirmou.

A geoengenharia climática, hoje, trabalha em duas linhas: na remoção do CO2 da atmosfera e/ou na mudança do balanço de radiação do sistema terrestre.

Atualmente, a única forma conhecida de retirar CO2 da atmosfera é a fotossíntese. “Teríamos que plantar muitos hectares de árvores para compensar as toneladas de CO2 que produzimos. E não há terra disponível para isso”, apontou Artaxo.

Alan Robock

Para mudar o balanço de radiação, o professor de ciência climática Alan Robock, da Universidade Rutgers, nos EUA, citou a colocação de espelhos na estratosfera para refletir a luz do sol, a injeção de sal marinho nas nuvens para aumentar a condensação e obtermos mais nuvens e a injeção de aerossóis de sulfato na estratosfera, de forma a reduzir a insolação na Terra. Porém, o sulfato tem efeitos colaterais, como a destruição da camada de ozônio e o fato de provocar mudanças na dinâmica estratosférica. “Não sabemos as consequências disso em longo prazo. Cientistas estão tentando entender melhor esse processo e precisamos desses resultados antes de começar a interferir no clima com este método”, disse Robock.

Outros materiais estão sendo pesquisados que não tenham os efeitos colaterais do sulfato, como a calcita (Ca CO3. “Ela é comum no ambiente, não é tóxica e é alcalina, neutralizando a acidez”, destacou o cientista.

A ideia da aplicação de aerossóis é que ela seja feita na estratosfera tropical, onde os aerossóis serão espalhados pelo vento em volta do mundo o que produzirá um resfriamento global. Outra proposta é injetá-los em latitudes altas, no Ártico, onde impedirão o gelo do mar de derreter e os possíveis efeitos negativos não atingirão muita gente.

Ele apresentou o Geoengineering Model Intercomparison Project (GeoMIP), liderado por ele e Ben Kravitz. O projeto constatou a redução das temperaturas do ar. Dentre os riscos, além dos já citados o GeoMIP apontou para a perspectiva de seca na África e na Ásia e o rápido aquecimento se o processo é interrompido.

Frank Keutsch

 

Professor de engenharia e ciência atmosférica na Universidade de Harvard, nos EUA, Frank Keutsch combina em sua pesquisa experimentos em campo e no laboratório com desenvolvimento de instrumentos para investigar os mecanismos fundamentais da influência antropogênica na composição atmosférica. “Modelos servem para fazer predições. Temos que fazer observações em campo e estudos em laboratório para conferir com os modelos”, explicou.

Ele avalia que retirar CO2 da atmosfera leva muito tempo e não provocará um resfriamento muito rápido, e que o manejo da radiação também não resolve o problema. “É rápido, barato, imperfeito e incerto”, alertou Keutsch. Mas concordou que é o método mais viável que há no momento.

Marcio Murad

 

O pesquisador do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC) Marcio Murad apresentou novas alternativas para o armazenamento de CO2 em reservatórios de pré-sal. Os modelos ainda estão em discussão, mas já integram alguns projetos no exterior. “No Brasil não temos discussões científicas sobre isso. Temos apenas algumas iniciativas de empresas”.

Outra técnica de geoengenharia discutida mundialmente é a fertilização de oceanos, de acordo com a Hipótese do Ferro, do cientista John Martin. O professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP) Frederico Brandini apresentou experimentos para refletir sobre a eficácia da fertilização de ferro no oceano para controlar o aquecimento global. Ele indicou que para reduzir o fenômeno, os experimentos teriam que ser muito maiores em termos de espaço (milhares de km²) e tempo de fertilização (décadas).

 

Frederico Brandini

A questão da governança foi apontada por Artaxo como extremamente importante, para determinar quem vai controlar o processo de implementação das técnicas. E há uma preocupação com a ausência do Brasil nos fóruns internacionais sobre o tema. “Imagina se os EUA ou a China decidem sozinhos mudar o clima do planeta”, alerta o Acadêmicos.

Keutsch observa que nações diferentes terão sempre objetivos diferentes, o que reforça a importância da governança. “Quem fará as perguntas? E quem avaliará as respostas? Quem avaliará quais as perguntas que faltam ser feitas? Quem definirá as etapas de interferência no clima?” Ele apontou a necessidade de que os atores envolvidos criem um comitê consultivo independente.

De todo modo, Robock afirmou que a geoengenharia apenas trata os sintomas. “Para tratar a doença, teríamos que realmente diminuir as emissões de CO2 e o consumo de energia”, explicou. Ele publicou um artigo intitulado “20 motivos porque a geoengenharia pode ser uma má ideia”, no qual destaca o que afirmou no evento da ABC:  “É preciso quantificar benefícios e riscos, para que a sociedade tome decisões bem fundamentadas”.