No dia 22 de março, Dia Mundial da Água, a prefeitura de São Carlos (SP) promoveu um simpósio sobre o tema, no Paço Municipal de São Carlos. O evento foi organizado em parceria entre a Secretaria Municipal de Meio Ambiente, Ciência Tecnologia e Inovação (SMACTI), a Academia Brasileira de Ciências (ABC), o Instituto de Estudos Avançados da USP-São Carlos (IEA) e o Serviço Autônomo de Água e Esgoto de São Carlos (SAAE).

O foco foi em problemas, soluções e perspectivas na gestão de águas urbanas, questões abordadas por pesquisadores, gestores e administradores públicos. A cidade de São Carlos foi tomada como exemplo de problemas e soluções referentes aos principais ciclos de água em áreas urbanas, tratamento de esgoto, reuso de água, monitoramento e impactos.

A abertura contou com o secretário da SMACTI e Acadêmico José Galizia Tundisi, o presidente do SAAE Benedito Marchezin e o coordenador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo – Pólo São Carlos (IEA/USP-SCarlos), Prof. Valtencir Zucolotto.

José Tundisi, Benedito Marchezin e Valtencir Zucolotto

Tundisi ressaltou que a ideia do evento era comemorar com interação. “A gestão da água tem que ser olhada com uma visão técnica, científica e política”, afirmou.

Marchezin apontou a preocupação de pensar São Carlos em 2050. “A cidade hoje está no limite. Em 2050 haverá água? Como manter a sustentabilidade? Essa discussão local serve como referência para outras cidades”, ressaltou.

Já Zucolotto esclareceu que o IEA quer ampliar a relação com a Prefeitura de modo a contribuir de forma efetiva, buscando apresentar soluções para grandes problemas. “Nos oferecemos para contribuir com ciência, tecnologia e inovação para enfrentar as dificuldades que se apresentam”.

O presidente do SAAE abordou a missão do Serviço, que envolve captação, tratamento e distribuição de água potável, além de coleta, afastamento e tratamento do esgoto doméstico. Marchezin apresentou dados numéricos e introduziu as palestras que vieram a seguir, que trataram da gestão das águas de São Carlos.

Tratamento de esgoto

A gerente de operações de Tratamento de Água e Esgoto, Leila Jorge Patrizzi, falou sobre produção e tratamento de água, monitoramento da qualidade da água tratada, operações envolvidas no tratamento de esgoto do município de São Carlos,

Ela explicou que a primeira etapa da limpeza do esgoto utiliza grades grossas e finas, reatores aeróbios e anaeróbios, e só na última fase são utilizados produtos químicos. “São Carlos trata 98% do esgoto e, agora, o desafio é o reuso deste esgoto tratado”, destacou. Para tanto, Patrizzi relatou que estão sendo estudados os contaminantes emergentes, como antibióticos, fármacos, hormônios e surfactantes, que precisam ser retirados com novas tecnologias, para possibilitar o reuso.

Esta etapa requer parcerias com universidades, com objetivo de buscar melhorias economicamente viáveis e ambientalmente sustentáveis. O professor do Departamento de Hidráulica da Escola de Engenharia da USP-S.Carlos, Luiz Antonio Daniel, afirmou que a universidade pode fazer pesquisa aplicada que possa beneficiar a cidade, o estado e o país. “Nosso país é dependente de tecnologia e isso tem que mudar”, ressaltou.

Preparados para a incerteza: resiliência é a meta

Para o professor da mesma Escola, Eduardo Mendiondo, o ideal seria tornar a população do município “hidroresiliente”. “Ser resiliente é estar preparado para lidar com a incerteza: a poluição, um efluente que escapa, um desastre. Quanto tempo vai levar para recuperar o ecossistema das regiões aferradas pelos rompimentos das barragens em Mariana e Brumadinho?”

Segundo ele, o Brasil tem mais de 60 milhões de habitantes morando em aproximadamente 40.000 áreas de alto risco. Nestas áreas há pouca ou nenhuma resiliência comunitária às enchentes, enxurradas, deslizamentos, secas, poluição e marginalização social. O palestrante observou que uma cidade resiliente e sustentável precisa priorizar sistemas inteligentes de monitoramento integrado (SIMI) e observatórios dos objetivos do desenvolvimento sustentável, além de modernizar os serviços de saneamento. “Isto tem um retorno altíssimo, aberto às parcerias público-privadas, e mais vantajoso e solidário para as gerações vindouras”, observou Mendiondo.

Drenagem urbana

Ex-presidente do Conselho Estadual de Recursos Hídricos, o professor da Coppe/UFRJ Paulo Canedo de Magalhães remeteu-se à palestra anterior, falando sobre resiliência em relação à drenagem urbana. Explicou que o problema das inundações não é a chuva: é a água que a chuva deixou no chão, um solo que pode dar ou não vazão, fator que vai mudando de acordo como o modo como o ser humano vai urbanizando e reduzindo esta possibilidade.

Todo projeto de drenagem tem um custo de implantação e operação, e o plano tem que ser avaliado em função do risco, apontou Canedo. “Este risco pode ser baixo, tolerável ou elevado”.  E para tudo há que haver um plano de contingência, que também tem que ser desenhado considerando o custo – não só o custo de implantação, mas o custo de manutenção e o custo das contingências. “Tudo isso tem que ser submetido ao formulador de decisões.  Sabemos que não é simples. No fim, não é o hidrólogo que decide, quem decide é o urbanista. E há sempre inúmeras pressões de todo tipo em volta.”

Fomento aos serviços ambientais hidrológicos

A professora Denise Taffarello, doutora em engenharia hidráulica e saneamento pela USP, explicou que serviços ambientais são as atividades que favorecem a preservação, proteção, conservação, manutenção, recuperação ou melhoria de serviços ecossistêmicos, que são os benefícios que as pessoas obtêm da natureza para sustentar a vida no planeta.

Estes serviços ambientais podem envolver a proteção às bacias hidrográficas, proteção à biodiversidade, proteção paisagística e sequestro de carbono.

Taffarello defendeu o pagamento por serviços ambientais (PSA) como uma iniciativa que deve estar integrada a uma estratégia de proteção da água e do meio ambiente. “O objetivo é utilizar os recursos oriundos destes pagamentos para incentivar a conservação e a recuperação de florestas nativas, tanto em áreas rurais quanto urbanas”, explicou. Ela relatou que proprietários de terras – não só rurais, mas também urbanas – recebem incentivos por praticarem ações de conservação da água, solo e vegetação e que ações de restauração florestal também podem ser subsidiadas no escopo das iniciativas de PSA.

Os elementos essenciais para a construção de uma política pública, segundo a especialista, concentram-se na definição dos objetivos ambientais do pagamento por serviços, associados ao arranjo institucional e de governança. “Estes arranjos envolvem o planejamento, a implantação e o monitoramento do sistema; o arcabouço técnico, incluindo aí a definição dos serviços ambientais, dos provedores e dos beneficiários. Naturalmente, para tudo isso há que serem consideradas as fontes de recursos”, completou Taffarello.

Filippo Ghiglieno, José Tundisi e Paulo Canedo

Novas tecnologias para um monitoramento e gerenciamento inteligente de recursos hídricos

O professor Filippo Ghiglieno, do Laboratório de Óptica, Laser e Fotônica (ÓLAF) do Departamento de Física da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), intitulou sua palestra de “Água 4.0”, relacionando-a a indústria 4.0 e à revolução digital. Ele explicou que os princípios desta indústria envolvem a habilidade dos sistemas ciber-físicos, dos humanos e das fábricas inteligentes de conexão e comunicação entre si através da internet e da computação em nuvem, a operação em tempo real, plantas virtuais e modelos de simulação com dados interconectados e oferecimento de serviços moduláveis.

Seu foco foi no estudo de caso do pH da água, sobre o qual o Ministério da Saúde recomenda que seja mantido na faixa de 6,0 a 9,5 no sistema de distribuição. Seu laboratório desenvolveu um sistema ciber-físico de baixo custo para medição de pH e temperatura. Utiliza, para tanto, um sistema embarcado, sensores baratos e comunicação de dados via Bluetooth que faz a medição do pH em tempo real e envia os dados em tempo real, pela rede wifi, para o servidor de uma empresa norte-americanaque faz o armazenamento. A equipe desenvolveu também uma plataforma de software para análise dos dados e gerenciamento inteligente.

“Esta experiência mostrou que podemos fazer sensoriamento inteligente dos recursos hídricos residenciais, mostrando o consumo por meio de um aplicativo no celular, por exemplo”, apontou Ghiglieno.  Para tanto, ele aponta que serão necessários esforços dos gestores e dos clientes, para implementar essa nova abordagem no gerenciamento e monitoramento da rede hídrica de distribuição.

Confira a palestra do Prof. José Galizia Tundisi no evento:

Recursos hídricos: segurança hídrica, acessibilidade e qualidade da água