Alguns dos maiores nomes da ciência brasileira se reuniram esta quarta (07) no Congresso Nacional para debater a crise nas universidades públicas e a situação econômica da área de ciência e tecnologia no contexto do orçamento de 2019. Nenhum membro da equipe de transição de governo se manifestou durante a audiência pública, que ocorreu em um dos plenários da Câmara dos Deputados. Após o evento realizado pela Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, o Presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, falou ao GLOBO sobre as inseguranças e demandas da comunidade científica brasileira em relação a 2019.
O cientista classifica a promessa de campanha do presidente eleito Jair Bolsonaro, de aumentar os investimentos em pesquisa e desenvolvimento para até 3% do PIB, como “ambiciosa” e diz estar curioso para saber como será tirada do papel. Também estiveram presentes na reunião membros da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), da Financiadora de Inovação e Pesquisa (Finep), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes).
Qual a conclusão da audiência de hoje?
Uma sensação que tive, e falei sobre isso durante a reunião, é que algumas pessoas ainda ficam pensando em subsistência do sistema, como se fosse cabível comemorar que será possível o CNPQ manter o mesmo número de bolsas de pós-graduação para o ano que vem. E isso é ruim. O Brasil não vai para frente assim. Não podemos pensar que temos de manter o sistema porque temos uma crise econômica, é o contrário. É exatamente porque temos uma crise que temos de investir em ciência e tecnologia, foi assim que muitos outros países saíram de crises anteriores. Falta ambição, e aqui me refiro inclusive à própria comunidade acadêmica. Temos muitos desafios pela frente.
Havia representantes da equipe de transição na reunião?
Não identifiquei ninguém dessa equipe de transição na reunião.
O senhor fala que é pouco comemorar a manutenção das bolsas, mas é possível comemorar a segurança das bolsas para o ano que vem?
Infelizmente, não. Para manter o número de bolsas que temos hoje até o fim do ano que vem, o CNPQ precisaria de mais R$ 300 milhões. O orçamento previsto para o ano que vem é de R$ 1 bilhão, o que significa que só está garantido até setembro do ano que vem. Esse é um dos nossos maiores temores.
E quais os outros temores?
Em primeiro lugar, ainda com o CNPQ, é evidente que, se o pagamento das bolsas está difícil, o investimento está desprezível. Investimento significa recursos para projetos e pesquisas. Isso cria uma situação paradoxal: o CNPQ pode conseguir pagar as bolsas, mas os pesquisadores podem não ter recursos para realizar as pesquisas.
Esse quadro é agravado pela situação calamitosa de várias fundações de amparo à pesquisa, em particular a FAPERJ (do Rio de Janeiro), que devido a situação do estado está com recursos muito limitados.
Cito a FAPERJ, mas não é só no Rio. Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Bahia, só para citar alguns, também estão com problemas. As fundações estão passando por muitos cortes. E mesmo entre os pesquisadores de São Paulo, onde a FAPESP consegue segurar as pontas, eles também dependem do CNPQ.
Que tipos de impactos essa falta de insumos pode trazer para a sociedade, como um todo?
O que significa falta de recursos para insumos e equipamentos? Esse insumos são usados, por exemplo, para testar os malefícios que o vírus da zika pode causar no ser humano. Para esse teste, você precisa de camundongos geneticamente modificados.
A falta de insumos prejudica essas pesquisas e, por consequência, limita a possibilidade de termos uma ação preventiva contra epidemias
Há exemplos positivos do impacto da ciência. Por exemplo, a ciência tem dado contribuições importantíssimas à agricultura brasileira. A Johanna Döbereiner (1924-2000), trabalhou em Seropédica no laboratório da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) em colaboração com a UFRRJ (Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro). Ela descobriu um método de introduzir nitrogênio no solo com bactérias, um método de fertilização que substituiu fertilizantes sintéticos e que permitiu produzir quatro vezes mais soja que antes. O Brasil economiza praticamente três vezes o orçamento da Embrapa, ao ano, com essa economia. Isso mostra o que a ciência faz pelo país.
Com a mudança das universidades para o Ministério da Ciência e Tecnologia perde-se orçamento?
Fiquei sabendo desse anúncio pela imprensa, nem sei ainda como isso será determinado.
Fica difícil opinar sobre, porque tudo é insólito. Mas é importante preservar CNPQ e CAPES, porque em time que está ganhando não se mexe. A CAPES tem um programa de mestrado profissional para professores que é incrível. O Profmat e o Profis (programas de especialização de professores do ensino básico em matemática e física) são experiências de conexão com a educação básica que dão muito certo. É importante que isso seja mantido e aperfeiçoado.
Acha viável a promessa de aumentar os investimentos em pesquisa para 3% do PIB?
Primeiro é necessária uma constatação: você manter, simplesmente, o sistema como está já é uma derrota para o país. Os outros países que estão se desenvolvendo, eles não estão mantendo o que têm, estão investindo de maneira cada vez mais forte em ciência, tecnologia e informação. Ficar parado é prejudicar o país em um cenário internacional.
O Brasil está atrasado, temos que correr mais que os outros.
Agora, se fala em chegar a 3% do PIB. Isso significa basicamente aumentar o investimento de empresas em inovação. A questão é saber como se faz isso.
Se olhar para a Coreia (do Sul), que está em torno de 4% do PIB, três quartos dos investimentos são associados a empresas e um quarto ao governo. No Brasil, o Estado e as empresas privadas são responsáveis por aproximadamente 50%, cada, pelos investimentos em pesquisa e desenvolvimento.
E como se faz isso?
Essa é a pergunta que deve ser feita. O que que impede as empresas de se dedicar à inovação aqui como estão fazendo em outros países? Se estão investindo em pesquisa na China, o que está pegando aqui no Brasil?
Já se falou da importância dos juros altos, que fazem com que os empresários pensem duas vezes antes de tomar dinheiro emprestado para fazer um investimento que envolve riscos. Outro elemento é a falta de uma agenda nacional. O Brasil precisa de uma agenda nacional de desenvolvimento, enumerar quais são as prioridades.
Aproveitando que o futuro ministro é um astronauta: o Kennedy uma vez disse “na próxima década colocaremos um ser humano na Lua”. Eles mudaram a educação básica com experimentos fáceis das crianças realizarem, para despertar o interesse em ciência; introduziram nas escolas uma série de livros baseados na experimentação; mudou o perfil industrial dos Estados Unidos e, em 9 anos, colocaram um homem na Lua. Isso que está faltando.
Qual a “Lua” brasileira?
Temos candidatos fortes. O Brasil possui 20% da biodiversidade mundial e acredita-se que só conheçamos 5%. Essa biodiversidade pode ser a base de uma fantástica biotecnologia que pode produzir fármacos, que farão bem para a saúde brasileira e que podem mudar nosso portfólio de exportação de commodities para produtos de alta tecnologia. Mas isso requer encomendas de estado, como as encomendas de estado que desenvolveram a indústria nos Estados Unidos.
Outro exemplo: energias renováveis. O Brasil deveria ser o primeiro no mundo nisso.
Onde estão as empresas de pesquisa em células voltaicas, uma área de pesquisas de materiais importantes? Temos que entrar nisso. A China e a Coreia do Sul estão nisso há algum tempo, já.
Em um exemplo mais próximo, até pouquíssimo tempo atrás chamavam o pré-sal de “uma aventura”. Hoje é parte da nossa realidade. Não foi mágica, foi ciência, com laboratórios de norte a sul do país investindo nisso. Esse é um exemplo que envolveu muita gente: empresas privadas e universidades públicas, inclusive. E as pessoas dizem que as universidades reagem mal à ideia de colaborar com empresas. Tanto não é verdade que o pré-sal é um exemplo de colaborações intensas. E com a aprovação do novo Marco Legal, vai facilitar ainda mais essas relações.
Algum membro da equipe de transição chegou a procurar a comunidade científica para entender as necessidades?
O Marcos Pontes está querendo um contato com a comunidade científica. Ele está mandando mensagens e nós estamos prontos para debater com ele. Acho que vai ser muito útil para o próximo governo nos reunirmos o mais breve o possível. O que queremos é que o próximo governo tenha competência nessa área e que consulte a comunidade para garantir o desenvolvimento. E que explique como vai chegar aos resultados prometidos. É uma proposta audaciosa, mas tem que ver como que faz. Para chegar aos prometidos 3% é preciso começar agora. E quando digo agora é até o dia 31 de dezembro, porque até lá o orçamento do ano que vem será decidido. E para chegar a 3% não basta ficar pensando na subsistência do sistema. Isso é pensar pequeno. O Brasil precisa estar à frente, deve ser muito maior que isso.