7

RIO – Uma semana depois de a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) alertar o governo que pode ficar sem dinheiro para pagar quase 200 mil bolsistas a partir de agosto do ano que vem devido aos cortes previstos para seu orçamento de 2019, nesta quinta-feira foi a vez do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) avisarem que a também prevista redução no repasse de recursos para ambas em 2019 ameaça os investimentos em pesquisas no país.

Em carta aberta divulgada nesta quinta, o presidente do CNPq, Mario Neto Borges, diz que se em 2018, mesmo com cortes, o conselho pôde contar com um orçamento da ordem de R$ 1,2 bilhão, para 2019 a previsão é de apenas R$ 800 milhões, um terço a menos, o que “poderá limitar ações diversas como o lançamento de editais de pesquisa, contratações de novos projetos e outras iniciativas”. “Cada real que se destina à pesquisa científica e cada minuto que se permite à inteligência e criatividade brasileiras exercitarem a busca por soluções, nos mais diferentes campos, vão sempre render frutos e benefícios para o país”, lembra ele no documento, intitulado “A ciência brasileira está em risco”.

Em entrevista ao GLOBO, Borges confirmou a perda de cerca de R$ 400 milhões em recursos para o ano que vem caso a proposta orçamentária atual do governo federal seja mantida e aprovada, com graves consequências para os cerca de 80 mil bolsistas dos mais de 5 mil projetos apoiados pelo conselho atualmente.

– Além da sobrevivência dos pesquisadores, essas bolsas são fundamentais para a formação de jovens cientistas e projetos que estão na base da pirâmide da ciência brasileira – destaca. – Se o corte for mantido, teremos um estrago irreversível, pois pesquisas não podem parar no meio do caminho. Pesquisas científicas não são como uma construção, em que você pode parar e retomar depois. Numa pesquisa, se você parar, o trabalho está todo perdido.

Vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC), o CNPq já passou por aperto parecido no ano passado. Em agosto de 2017, o conselho alertou que os cortes em seu orçamento ameaçavam deixar sem pagamento cerca de 100 mil bolsas de estudantes e pesquisadores a partir do mês seguinte. Em março, o governo federal havia anunciado um corte de 44% nos valores previstos para 2017 do MCTIC, o que se traduziu em uma redução de R$ 572 milhões nos repasses de R$ 1,3 bilhão esperados pelo CNPq para o ano passado. Então, o MCTIC conseguiu mais recursos, o que permitiu ao CNPq dar continuidade aos pagamentos, num esforço reconhecido por Borges na carta aberta desta quinta que Borges espera ver repetido após o alerta desta quinta.

– Estamos na expectativa de que este alerta seja respondido com mudanças no orçamento previsto – afirma. – Se o governo federal não tiver essa sensibilidade, vamos tentar convencer o Congresso no processo de votação da lei orçamentária.

Os programas e projetos ameaçados pelos cortes no orçamento do CNPq abrangem praticamente todas as áreas de conhecimento, desde as ciências humanas, como sociologia, antropologia e história, até exatas, como matemática e física, passando por agronomia, medicina, zoologia e educação, entre outras. Entre eles estão, por exemplo, estudo coordenado pelo virologista Amilcar Tanuri, do Laboratório de Virologia Molecular do Instituto de Biologia da UFRJ, que busca fatores de risco associados ao desenvolvimento de microcefalia em neonatos expostos à infecção por zika durante a gestação.

Ainda só com relação ao vírus da zika, os projetos em risco incluem estudo de coorte conduzido pela médica Adriana Suely de Oliveira Melo, que primeiro observou a relação da doença em gestantes com a microcefalia nos filhos, sobre a frequência e evolução destes casos em Campina Grande, na Paraíba, ou o coordenado por Jerson Lima Silva, do Instituto de Bioquímica Médica da UFRJ, que pretende fazer uma caracterização estrutural do vírus e sua interação com o hospedeiro em busca de novas abordagens terapêuticas e de prevenção da infecção.

Já na área de zoologia, está em risco projeto do paleontólogo e atual diretor do Museu Nacional, Alexander Kellner, que estuda a evolução dos répteis voadores – pterossauros – analisa e compara as faunas destes animais extintos cujos fósseis foram encontrados na América do Sul e China e que rendeu descobertas como o “ninho coletivo” com centenas de ovos numa área no Noroeste da China que está expandindo enormemente o conhecimento sobre eles. Ou, ainda, pesquisa coordenada por Douglas Galante, do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais, sobre a resiliência de biomoléculas e micro-organismos à ambientes simulados de superfícies planetárias que pode ajudar na identificação de ambientes extraterrestres capazes de sustentar vida.

Mas não são só o CNPq e a Capes que estão vendo ameaçados seus compromissos para o ano que vem com os cortes em seus orçamentos. A Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), empresa pública também vinculada ao MCTIC com a missão de fomentar a ciência no país, tem compromissos com iniciativas e projetos já aprovados e em curso para o ano que vem da ordem de R$ 1,6 bilhão, mas o orçamento proposto para 2019 para atender a esta parte de sua atuação, as chamadas “atividades não reembolsáveis”, é de menos da metade disso, R$ 746 milhões.

– Isso é uma absoluta falta de discernimento do que é estratégico para o país – afirma Marcos Cintra, presidente da Finep. – Com isso, a previsão da Finep é, em 2019, fazer apenas um desembolso dos compromissos já assumidos (tradicionalmente a Finep faz dois desembolsos para projetos aprovados). Isso significa que será atendida menos da metade do necessário, e o espaço para novas atividades será zero.

Para Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), em nome da austeridade econômica o governo está promovendo uma “política de terra arrasada” na ciência, com o Brasil virando um mercado de cérebros que investiu muito para formar e agora vê indo trabalhar ou fazer pesquisas no exterior.

– A situação este ano já está péssima, e a que está se configurando para o ano que vem é desastrosa – diz ele, que classifica o momento da ciência brasileira como “assustador”. – A crise atual explica porque tantos jovens brilhantes estão deixando o país. E isso para mim não é uma coisa abstrata, mas uma realidade. Dois pesquisadores do Instituto de Física da UFRJ (onde ele é professor titular) estão saindo de lá agora, um para a Austrália e outro para a Holanda.

Pior ainda, diz Davidovich, é a contradição da própria liderança do governo quando o assunto é ciência, tecnologia e inovação. Segundo ele, em reunião do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT) na semana passada o presidente Michel Temer falou da importância da área para o desenvolvimento do país, lembrando que o assunto dominou recente encontro do BRICS – grupo que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – que participou no fim de julho em Joanesburgo, África do Sul.

– Saí de lá e fui direto para a reunião do Conselho Superior da Capes (do qual ele também participa) e fui informado dos cortes que levariam ao corte no pagamento de bolsas a partir de agosto do ano que vem. Fiquei abismado com a contradição entre discurso e prática em tão pouco tempo – lembra, destacando que no caso da Capes, apesar das garantias verbais já dadas pelo próprio presidente Temer ao ministro da Educação, Rossieli Soares, na sexta passada, a questão “ainda não está resolvida”.

Em nota, o MCTIC reforçou que “tem atuado junto à equipe econômica do governo federal para maior disponibilização de recursos para seu orçamento, que são prontamente repassados a seus institutos e unidades de pesquisas”. Segundo o ministério, “no cenário de restrições orçamentárias” a pasta tem mantido “permanente diálogo com os gestores de suas entidades vinculadas para que os recursos sejam otimizados, minimizando o impacto em suas atividades”.

E assim como na carta aberta de Borges, o ministério também “reafirma o papel imprescindível da pesquisa científica para o desenvolvimento econômico e social de qualquer país”. “O Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) é uma peça fundamental do sistema brasileiro de ciência, tecnologia e inovação, que está unido ao MCTIC no esforço de maximizar os recursos para a atividade científica nos próximos anos”, conclui a nota.