Beijerinckia fluminensis está fazendo 60 anos em 2018. Ao mesmo tempo estranho e familiar, o nome descreve uma bactéria descoberta em 1958 por Johanna Döbereiner, cientista tcheca radicada no Brasil, morta em 2000. “Em seu laboratório, lá no interior do estado do Rio, ela teve uma ideia”, conta o presidente da ABC (Academia Brasileira de Ciências), Luiz Davidovich. A agrônoma começava ali uma pesquisa de mais de 20 anos sobre bactérias que fixam nitrogênio em solos agrícolas. “[Nascida] no seu laboratoriozinho, não sei quanto custou, uma quantia talvez reduzida de recursos, essa ideia está economizando para o Brasil, anualmente, US$ 13 bilhões, porque não temos que importar adubo nitrogenado”, afirma Davidovich, que costuma usar esta história para “desenhar” a importância da ciência para o desenvolvimento do país.

O apoio estatal à pesquisa e à inovação foi um tema recorrente no último encontro anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), encerrado no sábado em Maceió (AL). Uma mesa-redonda foi dedicada ao assunto, e o ministro da Ciência, Tecnologia e Comunicações, Gilberto Kassab, foi confrontado na abertura do evento pelo físico [e membro titular da ABC] Sérgio Mascarenhas, ex-presidente da SBPC. “Vossa Excelência falou que a inovação está crescendo no país, mas ela está sendo destruída por esse governo”, disse o cientista a Kassab, que não respondeu. O próprio ministro, porém, tem reconhecido o problema. “A conjuntura econômica é muito difícil. O orçamento de todas as pastas, é público, está extremamente reduzido, contingenciado”, disse Kassab em uma audiência na Câmara, em maio deste ano.

O contingenciamento tem sido a dor de cabeça dos gestores da pesquisa e inovação no Brasil. Em 2018, por exemplo, o orçamento para o MCTIC era de R$ 4,6 bilhões, mas a pasta sofreu um corte de R$ 477 milhões em fevereiro e os recursos restantes ainda são divididos, desde a fusão ministerial de 2016, com Comunicações, que recebeu R$ 700 milhões.

Nos últimos 10 anos o ministério teve seu ápice em 2010: foram R$ 8,62 bilhões de limite de empenho, ou seja, o que se autorizou a gastar após os cortes. O valor que resta à área, após os cortes e excluída a fatia da comunicação, é menos da metade.

Houve um novo ano de bonança em 2013, com liberações semelhantes a 2010, e desde então há uma queda contínua. “Sempre que a SBPC coloca demanda de recursos, a gente pede pelo menos ao nível de 2010”, conta a socióloga Fernanda Sobral, conselheira da entidade.

O secretário-executivo do MCTIC, Elton Zacarias, diz que o ministério ainda tenta corrigir “anomalias” decorrentes da fusão com Comunicações, que drenam recursos da pasta. E exemplifica: “As indústrias nucleares brasileiras existem, hoje, praticamente só para fornecer combustível para a Eletronuclear. E a Eletronuclear não remunera todo o custo das indústrias, o que onera o orçamento do ministério em mais ou menos R$ 800 milhões por ano”, alegou o secretário ao Congresso em maio.

Para Davidovich, da ABC, as consequências dos cortes devem ser vistas em cadeia. “[Este recurso financia] infraestrutura nas instituições de ciência e tecnologia, que vai proporcionar os grandes projetos científicos, que vão produzir conhecimento, que vai colocar para frente empresas inovadoras no Brasil.”

Fundo independe do MCTIC, mas não escapa de tesouradas

Uma das prioridades das entidades científicas, atualmente, é defender a integridade financeira do FNDCT (Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Criado em 1969 e remodelado ao longo do tempo, o fundo é alimentado por receitas diversas – determinadas por mais de 30 legislações – e independentes do MCTIC, mas não está livre de cortes: em 2016 o fundo arrecadou R$ 2,7 bilhões, mas só conseguiu usar R$ 1 bilhão, ou seja, menos da metade. O dado é do Senado, onde tramita um projeto de lei que proíbe contingenciamentos no fundo. De autoria do senador Otto Alencar (PSD-BA), o texto que impede estes cortes está parado na CCT (Comissão de Ciência e Tecnologia) da Casa desde fevereiro.

“Você tem recursos financeiros. O que se não tem é limite para fazer isso”, avaliou Carlos Américo Pacheco, dirigente da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), em audiência pública no Senado em junho.

Fundações estaduais

A Fapesp é uma das entidades de apoio à ciência de âmbito estadual, outra frente de batalha dos pesquisadores. Todos os estados e o Distrito Federal – com exceção de Roraima, segundo o Confap, órgão que congrega todas – têm a sua, mas a saúde financeira e a importância dada a cada uma pelos governos estaduais variam muito de local para local, segundo explicou a presidente do Confap, Maria Zaira Turchi, no encontro anual da SBPC na semana passada.

“Há dificuldade de liberar recursos. Os governos estão vivendo essa dificuldade. A gente tem que continuar conversando com os governos, falando da importância, é um diálogo permanente”, disse a professora.