A situação política atual do País e a falta de recursos para a área de Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) foram duramente criticadas pelos participantes na sessão de abertura da 70ª Reunião Anual da SBPC, no Centro Cultural e de Exposições Ruth Cardoso, em Maceió (AL), neste domingo (22). O evento reuniu mais de 1000 pessoas no local e foi transmitido para cerca de 20 mil pessoas ao vivo, pelo Facebook e YouTube da SBPC.

A cerimônia, que teve transmissão direta ao vivo, iniciou com a apresentação cultural “Coisas de Alagoas”, com concepção e direção do maestro Almir Madeiros. O Hino Nacional Brasileiro foi executado por Mila do Acordeão e Chau do Pife. Com o tema “Ciência, Responsabilidade Social e Soberania”, a Reunião Anual, que é o maior festival de ciência e tecnologia da América Latina, acontece durante toda a semana, até o dia 28 de julho, no campus da Universidade Federal de Alagoas (Ufal).

Os participantes da mesa de abertura reconheceram a atuação dos cientistas na ciência e como atores sociais em períodos decisivos da história recente do País e ressaltaram a disposição de lutar contra os retrocessos políticos e pela defesa dos princípios constitucionais que garantem o Estado Democrático de Direito, a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a livre iniciativa e a liberdade de pesquisa científica.

O presidente da SBPC, Ildeu de Castro Moreira, abriu seu discurso falando da história e do papel da SBPC durante esses 70 anos, uma entidade que participou da criação de instituições importantes do Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, como o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico), a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), e que vem lutando ativamente, ao longo dessas sete décadas, pela democracia e pelo desenvolvimento científico e social do País.

Moreira também falou da necessidade de recuperação de recursos e priorização das áreas de educação, ciência e tecnologia no País. “Os cortes orçamentários na área de CT&I e educação são insustentáveis. Estamos vivendo um momento de crise, de redução drástica de recursos. O quadro é dramático”, lamentou.

O presidente da SBPC ressaltou que, particularmente neste ano de eleições, a SBPC organizou no primeiro semestre do ano uma série de seminários temáticos para discutir propostas de políticas públicas em diversas áreas, como CT&I, saúde, educação básica, ensino superior e pós-graduação,  meio ambiente, direitos humanos. Os debates foram reunidos em uma publicação, “Políticas Públicas para o Brasil que queremos” que será distribuída hoje, na cerimônia de comemoração dos 70 anos SBPC, e servirá de base para discussões a serem levadas aos candidatos ao Executivo e ao Legislativo. “Somos uma sociedade apartidária, mas não somos apolíticos”, afirmou, enfatizando que é necessário discutir e defender a construção de políticas públicas mais adequadas para o País.

Dirigindo-se aos pesquisadores, Moreira enfatizou a necessidade da comunidade refletir sobre sua colaboração e impacto na sociedade. “Temos feito algumas mobilizações, mas não temos uma grande adesão da comunidade cientifica. Nossos pesquisadores devem continuar fazendo pesquisa de qualidade. Mas também precisam ter responsabilidade social. E nesse momento é fundamental que a comunidade científica faça ouvir sua voz de maneira mais intensa”, disse.

O vice-reitor da Universidade Federal de Alagoas, José Vieira Cruz, coordenador local do evento saudou os participantes e agradeceu aos servidores e monitores que contribuíram para o evento científico. “Em particular, gostaria de lembrar o momento atual do País. Tempos de incertezas, indefinições e crises de valores. Tempos igualmente desafiadores para aqueles que se aventuram no fazer científico, pedagógico e cultural”, destacou Vieira.

A reitora da Ufal Valéria Correia também alertou em seu discurso sobre as ameaças à liberdade de cátedra e os riscos do avanço do conservadorismo. “Desde a chamada Escola Sem Partido, que expressa a tentativa de amordaçar o livre debate, a essência do processo de aprendizagem e retira o contraditório, extinguindo inclusive a possibilidade da Ciência quando não se problematiza o conhecimento estabelecido”, disse a reitora.

Valéria Correia lembrou os processos de criminalização da Ciência, expressos na acusação de apologia às drogas contra o professor Elisaldo Carlini [membro titular da ABC], professor emérito da Unifesp e um dos homenageados da noite. Carlini, de 87 anos, foi intimado a depor numa Delegacia de Polícia Civil em São Paulo, em fevereiro deste ano. Ela ainda citou as conduções coercitivas de dois reitores, em 2017, e destacou o caso ocorrido com Luiz Carlos Cancellier, reitor da UFSC. “Ele acabou sendo levado ao suicídio pela humilhação pública”, lamentou a reitora, mas destacou, que “apesar de tudo, a Ciência não se curva ao obscurantismo”.

Cortes orçamentários

Neste cenário atual de perdas de recursos, a comunidade científica tem tido que se esforçar para assegurar pequenas conquistas, como a inclusão de emendas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para impedir novos cortes em Educação e Saúde em 2019. “Precisamos lutar para que essas emendas persistam”, alertou o presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Luiz Davidovich, criticando a prática dos contingenciamentos pelo Governo Federal, que tem bloqueado sucessivamente as verbas que fomentam a ciência. “Quem faz cortes lineares em todos os ministérios está confessando que não sabe definir o que é prioridade.”

O ministro da Educação, Rossieli Soares, defendeu a manutenção das emendas que, além de definirem que o orçamento da Educação em 2019 não pode ser menor do que o de 2018, impedem que os recursos obtidos pelas universidades em convênios classificados como ‘arrecadação própria’ sejam capturados pelo Tesouro Nacional. “Essa medida traz dinheiro para as universidades”, afirmou.

Soares lembrou que, a partir de 2020, o Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) passará a incluir provas para verificar a qualidade do ensino de ciência, além dos tradicionais testes em língua portuguesa e matemática. “Considero isso um grande avanço e convido a SBPC a participar disso junto ao Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira)”, comemorou o ministro, que acredita que o diagnóstico ajudará a combater a redução de verbas na Educação. “Se o Brasil quer fazer cortes, que faça em outras áreas. Não dá para cortar em Educação.”

Na área da Saúde, esses movimentos também dão uma pequena esperança de que os avanços obtidos pelo País até agora não serão perdidos pela falta de dinheiro. “Minha convicção é de que a ciência é um pilar do desenvolvimento do País”, declarou o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, Marco Antônio de Araújo Fireman. “Basta ver que, com pouco recurso, com pouco investimento, (ainda assim) nós temos pesquisa que orgulha o mundo”, acrescentou. Para o secretário, além da recuperação dos investimentos, é necessário reduzir as disparidades no sistema de saúde e corrigir o modelo excessivamente burocrático existente no País.

Esta também é a opinião do presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Mario Neto Borges. “Sem recursos e com muita burocracia nós não vamos fazer o País andar”, lamentou.

Para o deputado e ex-ministro de Ciência e Tecnologia Celso Pansera (PT/RJ), que representou a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática (CCTCI) da Câmara dos Deputados, o setor tem avançado no trabalho político junto ao Congresso Nacional, mas ainda é preciso sensibilizar mais os parlamentares sobre os desafios da ciência brasileira. “Não é uma tarefa fácil. Enquanto não tivermos uma bancada da ciência e da inovação o desafio será grande”, comentou o deputado, incentivando que o setor entre efetivamente na política, indicando nomes para concorrer ao Congresso com a pauta da defesa do setor.

Apesar dos desafios, Pansera ressaltou a importância das articulações recentes para a construção de uma pauta positiva do setor no Parlamento, especialmente em torno de dois projetos prioritários: o PL n° 5.876/16, de autoria do próprio deputado, que destina 25% do Fundo Social do Pré-Sal para o FNDCT; e o PLP 358/2017, do deputado Daniel Vilela (MDB/GO) que proíbe o contingenciamento do FNDCT e o transforma em fundo financeiro, mantendo dentro da Finep os ganhos obtidos com o pagamento dos empréstimos feitos pela financiadora. “É uma batalha incessante e meio insana”, desabafou o deputado. Projetos como o do Fundo Social poderão aportar R$ 6,5 bilhões a mais no setor até 2030, mostrando que, apesar os problemas atuais, essas medidas podem garantir um futuro mais tranquilo para a ciência. “É dinheiro novo que vai para a ciência, para a educação.”

A presidente da ANPG, Flávia Calé, ressaltou que o desenvolvimento do País só poderá ser retomado com investimentos na área de ciência e tecnologia depois de removermos os empecilhos que embaraçam o progresso da ciência.  Ela criticou as privatizações de empresas em áreas importantes para a soberania nacional, como petróleo e aviação e lamentou ainda os atrasos nas bolsas de pós-graduandos. “A mensagem para os pós-graduandos é de desesperança, de que a ciência não vale a pena. Existem alunos da Fapemig (Fundação de Amparo de Minas Gerais) que estão sem receber suas bolsas. Isso é grave porque desencadeia diversos problemas, desestimula”, lamenta. E completa, “a gente precisa caminhar junto para se fazer realizar o grande sonho de um Brasil grande e soberano”.

Calé citou algumas medidas que deveriam ser tomadas para reverter o quadro atual, como a revogação da Emenda Constitucional nº 95, que estabelece um teto de gastos nas contas públicas por vinte anos, e a volta do investimento em ciência e tecnologia.

Grande parte dos participantes, com aprovação da plateia, manifestaram-se repetidas vezes durante a cerimônia contra as medidas austeras do governo atual, os ataques à democracia, os cortes em áreas sociais fundamentais e, inclusive, defenderam a liberdade do ex-presidente, Luís Inácio Lula da Silva.

Presentes

Também estavam presentes na abertura o governador de Alagoas, Renan  Filho, o prefeito de Maceió, Rui Palmeira, representando o ministro da Ciência, Tecnologia Inovações e Comunicações, Gilberto Kassab, o presidente substituto da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), Ronaldo Camargo, a presidente do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap), Zaira Turchi, o secretário de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos (SCTIE), Marco Antônio de Araújo Fireman,  representando o Ministro de Estado da Saúde, Gilberto Occhi, a vice-presidente da SBPC, Vanderlan Bolzani, o representante da Academia Nacional de Medicina, Marcelo Morales, o presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal), Fábio Guedes, e o diretor do Sebrae Nacional, Vinicios Lajes.