No Dia Internacional da Biodiversidade, celebrado em 22/05, o Núcleo de Estudos Avançados do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) – que é coordenado pelo Acadêmico Renato Cordeiro – discutiu os impactos e conflitos envolvendo a nova Lei da Biodiversidade.

Sancionada em 2015, a Lei nº 12.123 (regulamentada pelo Decreto nº 8772, de 2016) afeta diretamente as atividades voltadas à Ciência, Tecnologia e Inovação, bem como as áreas de Saúde Pública e Educação, na medida em que impacta o desenvolvimento da pesquisa científica no país. A legislação dispõe sobre o acesso ao patrimônio genético e ao conhecimento tradicional associado, no contexto da exploração da biodiversidade brasileira. O texto regulamenta, ainda, aspectos relacionados ao acesso e transferência de tecnologia, exploração econômica, repartição de benefícios, remessa de amostras biológicas para o exterior e a implementação de tratados internacionais sobre o tema.

O debate reuniu especialistas de diversas áreas, incluindo os pesquisadores Roberto Leher, reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ); Marcelo Morales, diretor de Ciências Agrárias, Biológicas e da Saúde do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); Paulo Andreas Buckup, do Museu Nacional (UFRJ); Arion Tulio Aranda, do Laboratório de Simulídeos e Oncocercose do IOC; e Maria de Lourdes Aguiar Oliveira, do Laboratório de Desenvolvimento Tecnológico em Virologia do IOC. A sessão fez parte das comemorações pelos 118 anos do Instituto.

fiocruz-dentro.jpg “O momento é de reflexão e resistência para que consigamos reverter e modificar aspectos lesivos desta lei à ciência e garantir a prorrogação dos prazos estabelecidos para a regularização de registros, que é absolutamente inexequível. Este debate é capital para subsidiar adequações na presente legislação, imprescindíveis para evitar o retrocesso científico – que seria lamentável, inaceitável. O irrestrito apoio institucional e a mobilização dos nossos pesquisadores para o encaminhamento dessa demanda ao Ministério do Meio Ambiente e ao parlamento brasileiro é de extrema relevância”, destacou o Acadêmico Renato Cordeiro, coordenador da iniciativa.

“Essa é uma discussão de extrema importância para toda a Fiocruz. É fundamental destacar a competência dos profissionais da Fundação, não somente sob a perspectiva científica, mas também pela dedicação na analíse de impacto da nova lei sobre as nossas atribuições institucionais, bem como o desenvolvimento de propostas de adequação”, complementou José Paulo Gagliardi Leite, diretor do IOC.

Burocracias e multas abusivas

A nova legislação suscitou questionamentos de diversos setores da comunidade científica, em virtude da excessiva burocratização das atividades relacionadas à pesquisa e desenvolvimento tecnológico. Além disso, estabelece uma série de restrições que impactam fortemente as colaborações internacionais, rotineiras e imprescindíveis nesse contexto.

Segundo Marcelo Morales, do CNPq, o Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado (SisGen) – criado em 2016 como instrumento para auxiliar a atuação do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen) – impõe dificuldades em comparação com o Sistema de Autorização de Acesso ao Patrimônio Genético adotado pelo CNPq. “A Lei da Biodiversidade é complexa e prevê em seu texto numerosas sanções e multas excessivas para as instituições de ensino e pesquisa. Parece ter perfil controlador, fiscalizador e arrecadatório. Além disso, não contempla dispositivos para incentivar a interação entre as empresas e a academia”, opinou.

Segundo ele, a nova lei deixa de incorporar estratégias de estímulo à pesquisa e inovação. Morales sugere um modelo de cadastramento voluntário da pesquisa e a criação de um banco de dados disponível às empresas e Organizações Não-Governamentais (ONGs) interessadas em parcerias para o desenvolvimento de produtos ou financiamento de projetos de conservação, por exemplo. “A nova legislação é burocrática e não traz incentivos à pesquisa e inovação. Caminha na contramão do Marco Legal de Ciência e Tecnologia. Um descompasso com o século XXI”, ressaltou.

Reitores de universidades promoveram um encontro para abordar o tema, no âmbito da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), mencionou o reitor da UFRJ, Roberto Leher. O pesquisador destacou a importância da união de instituições de ensino e pesquisa, academia e sociedades científicas para a elaboração de propostas de aprimoramento da lei. Leher apontou, ainda, a necessidade de mecanismos que permitam a diferenciação entre as atividades de pesquisa acadêmica das ações de bioprospecção, que visam identificar componentes do patrimônio genético com potencial de uso comercial. “A comunidade acadêmica tem chamado atenção para a inviabilidade da pesquisa científica, caso haja uma interpretação literal da lei e do decreto que a regulamenta. Isso dificultaria enormemente o desenvolvimento de dissertações, teses e até mesmo publicações científicas. Tudo está vinculado à forma de registro das variedades genéticas que estão sendo trabalhadas por cada pesquisador”, ressaltou.

Impactos sobre Coleções Biológicas e Laboratórios de Referência

As Coleções Biológicas constituem preciosos acervos biológicos organizados de modo a disponibilizar informações sobre a procedência, coleta e identificação de espécimes ou amostras. Somente a Fiocruz é curadora de 35 Coleções, de inestimável importância para a saúde pública, que subsidiam atividades nacionais e internacionais de pesquisa e ensino e contribuem para a preservação do patrimônio. Essas Coleções constituem registros que contribuem para o entendimento das mudanças na nossa biodiversidade ao longo do tempo.

Curador substituto da Coleção de Simulídeos do IOC, Arion Tulio Aranda debateu os entraves impostos pela nova legislação no contexto das Coleções. Um dos primeiros obstáculos apresentados foi a diferença entre um formulário para cadastro da atividade de desmatamento e o cadastro obrigatório das atividades de acesso ao patrimônio genético previstas no SisGen. “Enquanto o primeiro possui apenas uma página, com poucos campos para o seu preenchimento, o segundo demanda páginas de intenso detalhamento”, frisou.

Arion, que também atua como chefe substituto do Laboratório de Simulídeos e Oncocercose, destacou impactos negativos da nova lei, como o retrocesso no racional diferenciado para as Coleções Biológicas, sobretudo em relação ao intercâmbio de material consignado. Citou, ainda, a perda de colaborações internacionais por aumento da burocracia, especialmente devido à exigência de documento pessoal do representante legal da instituição parceira. “Precisamos manter o diálogo aberto na instituição para identificar os problemas e propor adequações, escutar as propostas da comunidade científica e articular para a realização de mudanças necessárias na lei”, sugeriu.

Também apresentaram palestras Paulo Andreas Buckup, do Museu Nacional (UFRJ), Arion Tulio Aranda e Maria de Lourdes Oliveira, ambos do IOC

Próxima edição

No dia 15 de junho, o Núcleo de Estudos Avançados do IOC, em edição do ciclo de ‘Fraturas Ambientais’, debaterá o tema ‘Meio Ambiente Global e Amazônia em crise: o que fazer?’. A atividade contará com a presença do [membro titular da ABC] Paulo Eduardo Artaxo Netto, pesquisador do Departamento de Física Aplicada do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), cuja equipe recebeu o Prêmio Nobel da Paz de 2007. A atividades está prevista para as 10h, no auditório Emmanuel Dias do Pavilhão Arthur Neiva, no campus da Fiocruz em Manguinhos, no Rio de Janeiro (Av. Brasil, 4.365). A entrada é gratuita.