A sessão plenária “Desafios na saúde e impactos na sociedade ” realizada durante a reunião Magna da ABC foi coordenada pela Acadêmica Débora Foguel e teve como palestrantes os Acadêmicos Alicia Kowaltowski e Antonio Carlos Campos de Carvalho, assim como o neurocientista Sidarta Ribeiro.
Dietas, mitocôndrias e metabolismo
A Acadêmica Alicia Kowaltowski, professora titular do Departamento de Bioquímica da Universidade de São Paulo (USP), apresentou a primeira palestra. Ela explicou que, evolutivamente, o ser humano foi programado para a obesidade. “Antigamente, a expectativa de vida era menor e a oferta de alimentos calóricos não era tão grande”, disse a médica. As mudanças nestes dois aspectos são a causa da epidemia de obesidade atual, que no caso dos EUA, por exemplo, faz com que os adolescentes tenham uma expectativa de vida menor do que os norte-americanos que são idosos hoje.
Seu trabalho envolve buscar os mecanismos moleculares para prevenir e tratar a obesidade, porque já está mais que provado que apenas difundir informação não é suficiente. “Os males provocados pela obesidade já são amplamente conhecidos, mas isso não basta para mudar os hábitos alimentares das pessoas”, acentuou.
Seus experimentos, feitos com ratos e camundongos, envolvem dar comida à vontade (ad libitum – AL) ou oferecer uma dieta com restrição calórica. Esta última opção aumenta em 50% o tempo de vida dos animais e diminui a incidência de doenças associadas à idade.
Mas, de acordo com suas pesquisas, a restrição calórica tem que ser diária. Ela experimentou a dieta intermitente – períodos com alimentação liberada alternados com períodos de jejum de 24hs – e o resultado foi diferente. Com restrição calórica diária, o animal emagrece por perda de gordura. Já com dieta intermitente, o emagrecimento se dá por perda de massa muscular, o que não é nada bom. Além disso, Kowaltowski explicou que os ratos obesos sentem, realmente, muita fome, porque a sinalização que deve ser feita ao cérebro indicando saciedade é defeituosa.
Outros indicadores, como a dinâmica mitocondrial (capacidade de fusão e fissão), por exemplo, reforçam a ideia de que a restrição calórica é bastante positiva para o organismo dos ratos. Ela protege os neurônios, inclusive, contra a excitotoxicidade – processo patológico pelo qual células nervosas são danificadas ou mortas por estimulação excessiva por neurotransmissores, tais como glutamato e substâncias similares.
Além do cérebro, o grupo de Alicia Kowaltowski pesquisa se essa restrição pode ser positiva também para outros órgãos. E observou que sim, a restrição alimentar beneficia também o fígado do animal, protegendo-o contra infartos. A pesquisadora afirmou que conhecer os mecanismos e as moléculas envolvidas neste processo pode levar a novos tratamentos para doenças decorrentes da obesidade.
Enfrentando os desafios na saúde com ciência e tecnologia
Já o Acadêmico Antonio Carlos Campos de Carvalho falou sobre as consequências do crescimento populacional exponencial, que elevou de 5,3 bilhões em 1990 para uma previsão de 11,2 bilhões em 2100 o número de humanos no planeta.
Este crescimento, segundo o professor titular da UFRJ e professor visitante do Albert Einstein College of Medicine (EUA), vem acarretando a exaustão de recursos naturais, o aumento da temperatura global e da poluição, prejudicando a saúde humana. Além disso o envelhecimento populacional é um fator que agrava os desafios na saúde – a população com mais de 60 anos está aumentando, especialmente nos países menos desenvolvidos. Em 2100, a previsão é de que os idosos correspondam a 30% da população mundial.
No Brasil, o processo de envelhecimento ocorreu de forma muito rápida. A previsão é de que, em 2030, 19% das pessoas tenham mais de 60 anos. Por um lado, estes números refletem a melhoria da rede de saúde pública e a contribuição da ciência e tecnologia. Mas, por outro lado, o envelhecimento está associado ao desenvolvimento de doenças crônicas, como artrite, hipertensão, doenças neurodegenerativas, isquemia cardíaca e câncer, que têm custo muito elevado para este mesmo sistema. Há doenças que diminuem a qualidade de vida, mas não matam, como o alcoolismo – principalmente em homens – e a depressão, que atinge mais as mulheres brasileiras.
Carvalho chamou atenção para um ponto importante: a indústria farmacêutica é altamente ineficiente. Segundo dados publicados na Nature, os medicamentos mais vendidos no mundo são eficazes em um percentual muito pequeno de pacientes. Entre os antidepressivos, por exemplo, largamente utilizados, o mais vendido tem efeito em um de cada nove pacientes.
Para lidar com este cenário, Carvalho pontuou algumas ações. É preciso, segundo ele, melhorar os modelos de doença. “Nem sempre dá para fazer a translação de roedores, ou mesmo de primatas, para humanos”, afirmou. Os testes de drogas também precisam ser melhorados, assim como a medicina personalizada tem que tornar-se economicamente sustentável. “E precisamos desenvolver terapias para doenças consideradas incuráveis”, ressaltou Carvalho.
Ele aponta a terapia celular e a terapia gênica como caminhos interessantes, mas ainda com resultados de pesquisa aquém do esperado. No Japão, grupos de pesquisa utilizando a descoberta do professor Shinya Yamanaka, ganhador do prêmio Nobel em 2012, vem conseguindo bons resultados com terapia celular para degeneração macular retiniana, doença nos olhos que leva a cegueira e considerada incurável até então. O procedimento envolve induzir a pluripotência em células do paciente (as chamadas células tronco de pluripotência induzida – iPS, do inglês induced pluripotent stem cells), transformando as células adultas em células-tronco embrionárias. As iPS podem se transformar em qualquer célula do organismo humano e assim, elas podem ser implantadas no local de interesse. Essa terapia tem sido experimentada em macacos com doença de Parkinson, que têm mostrado melhorias. O grupo japonês que realizou este estudo começará a experimentar o tratamento em humanos no ano de 2019.
Já a terapia gênica, segundo Carvalho, envolve atualmente a edição do genoma, com uma técnica denominada CRISPR- Cas. Usando esta técnica é possível corrigir uma mutação que cause doença. “Este tipo de terapia pode ser utilizado inclusive em agricultura e pecuária, tendo grande aplicação biotecnológica”, explicou o palestrante.
Concluindo sua apresentação, ele falou sobre a possibilidade de geração de órgãos para transplante em laboratório. “A fila de espera por órgãos é muito grande, e muitos pacientes morrem esperando”, observou Carvalho. Há pesquisas com decelularização de órgãos de animais, como porcos, por exemplo, e recelularização com células humanas, para posterior implantação. A bioimpressão de órgãos utilizando impressoras 3-D é outra possibilidade. Mas a geração de órgãos humanos em animais biorreatores parece ser atualmente a perspectiva mais favorável, embora suscetível a significativas questões éticas.
E, assim, vamos caminhando para um futuro ainda imprevisível, na corda bamba dos limites sutis entre o desenvolvimento científico e a bioética.
Mapeamento mental com palavras: aplicações em psiquiatria e educação
O professor titular de neurociências e diretor do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), Sidarta Ribeiro, fechou a sessão com uma instigante apresentação.
Ele apresentou aplicações da teoria dos grafos – ramo da matemática que estuda as relações entre os objetos de um determinado conjunto com vértices e arestas – em psiquiatria, ponderando que há grandes similaridades entre o sonho e a psicose, e que a psicose se manifesta em desordens bipolares e na esquizofrenia por meio de sintomas de linguagem, como desorganização, salada de palavras, verborragia ou alogia (falta de conteúdo no discurso).
Relatou, então, o desenvolvimento de uma de suas linhas de pesquisa, iniciada em 2006, quando seu grupo começou a gravar relatos de sonhos de pessoas diagnosticadas com algum sintoma psicótico e fazer o mapeamento gráfico. Perceberam então o potencial da técnica para diagnosticar doenças mentais e desenvolveram um software que fizesse a análise do texto, o SpeechGraphs, transformando os textos em grafos. Com essa metodologia, o grupo do Instituto do Cérebro passou a associar uma medida ao nível de desordem das psicoses, criando, assim, um nível de precisão diagnóstica inexistente até então.
Sidarta contou que seu grupo percebeu que a análise de grafos também podia medir o declínio cognitivo durante a psicose. Eles pensaram, então, que talvez o desenvolvimento cognitivo normal de crianças em fase escolar também pudesse ser medido desta forma. E assim, começaram a utilizar a metodologia na área de educação, analisando com o software o relato de memórias de estudantes. A conclusão foi que, com o uso dessa técnica, é possível predizer a função cognitiva e a habilidade de leitura da criança.
O pesquisador considera que o monitoramento diário da trajetória cognitiva de cada estudante é possível e desejável hoje em dia, desde que cada um tenha seu laptop. “Existem inúmeros softwares disponíveis para treinar e avaliar a linguagem e a competência matemática”, assegurou Sidarta.
No entanto, seus estudos também apontam para outro aspecto da educação escolar: para que ela seja maximizada e mais efetiva, é necessária uma mudança grande na sua estrutura. Segundo Sidarta, o tempo escolar deveria ser organizado em ciclos sucessivos de alimentação, atividade física, aulas curtas e interessantes, sono. “A alimentação e a atividade física preparam o organismo para receber a nova informação nas melhores condições. Durante o sono é que a memória do novo aprendizado será consolidada. Esta sequência de atividades deveria ser repetida em ciclos para que, de fato, a escolarização da criança seja otimizada”, concluiu o neurocientista.