morel_copia_edit.jpgRIO – Entre 1918 e 1919, uma epidemia global de gripe atingiu cerca de 500 milhões de pessoas, ou um terço da população do planeta na época, deixando um saldo de mais de 50 milhões de mortos, mais que o dobro das vítimas fatais, militares e civis, da então recém-encerrada Primeira Guerra Mundial. Passados cem anos, os cientistas ainda não sabem quando nem de onde outra pandemia do tipo virá, mas de uma coisa eles têm certeza: ela vai acontecer. Assim, é justamente numa tentativa de mitigar, ou até mesmo evitar, um novo “massacre” como o do início do século XX que um grupo de especialistas na área apresenta na edição desta semana da prestigiada revista científica “Science” um ambicioso projeto que pretende mapear os vírus capazes de provocar a próxima pandemia.
Batizado Projeto Viroma Global (PVG), ele tem como alvo 25 “famílias” de vírus das quais pelo menos um integrante sabe-se infectar seres humanos, num total de 263 micro-organismos do tipo. Número ínfimo se comparado às estimativas do próprio projeto, numa demonstração do tamanho da ameaça que eles representam, e do trabalho que os pesquisadores têm pela frente. Segundo os cientistas, só mamíferos e pássaros, principais hospedeiros de vírus com potencial de “migrarem” para também atacarem humanos – as chamadas zoonoses -, abrigariam aproximadamente 1,67 milhão de micro-organismos destas famílias, dos quais 631 mil a 827 mil poderiam dar este “salto” entre os animais e nossa espécie.
E o Brasil deverá ter uma posição de destaque no projeto, tanto por ser um grande repositório destes vírus potencialmente perigosos ainda desconhecidos quanto pela capacidade de sua comunidade científica em identificá-los, diz o cientista brasileiro [membro titular da Academia Brasileira de Ciências] Carlos Morel, um dos coautores do artigo na “Science”.

Para mapear estes vírus, vamos procurar principalmente nos locais mais prováveis onde eles estão: regiões de grande biodiversidade, como a Amazônia, ou em que os humanos vivem em maior proximidade com os animais hospedeiros, como a China, justo de onde saíram muitas das últimas pandemias – explica Morel, diretor do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS) da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Além disso, temos gente de excelente qualidade que, se tiver condições de trabalho, pode contribuir muito para este levantamento. Prova disso foi a recente epidemia de zika. Foram cientistas brasileiros que demonstraram a associação da infecção pelo vírus com os casos de microcefalia, numa amostra que quando há mobilização e condições, a comunidade científica brasileira dá respostas, e rápido. Então, vamos estar na linha de frente tanto do lado da pesquisa quanto por sermos uma potencial fonte e alvo desta próxima pandemia.
Para isso, no entanto, serão necessários recursos que, diante da crise no financiamento de pesquisas científicas no Brasil, Morel espera que venham principalmente dos parceiros internacionais do projeto. Segundo os cálculos dos especialistas, para identificar todos os 1,67 milhão de vírus ainda desconhecidos que afetam mamíferos e pássaros das 25 famílias prioritárias seriam necessários quase US$ 7,5 bilhões (cerca de R$ 24 bilhões). Mas com apenas US$ 1,2 bilhão (R$ 3,9 bilhões) já seria possível caracterizar 71% dos mais comuns deles, e assim também os potencialmente mais prováveis de provocar uma futura pandemia.
Confira também a matéria feita pelo Estadão sobre o assunto:
Projeto quer identificar vírus que possam causar a próxima pandemia