Desde o ano passado, entidades ligadas à ciência no Brasil protestam contra os cortes e contingenciamentos no setor. Em novembro, já prevendo uma redução no orçamento para 2018, cinco cidades brasileiras tiveram a Marcha Pela Ciência. Para a professora-doutora em física e diretora da Academia Brasileira de Ciências (ABC), Marcia Barbosa, o momento pede investimentos na área para que a produção científica ajude o Brasil a sair da crise.
Ela compara o desenvolvimento científico e tecnológico no País a uma maratona, e afirma que na atual situação em que o Brasil se encontra, é preciso um “empurrão para que a gente consiga chegar ao pódio, mas o governo vem e nos dá esse pontapé. Podemos até nos levantar e chegar no final da corrida, mas chegaremos em último lugar”, lamentou. A diretora explica que o investimento em projetos que prometem resultados rápidos e que sejam rentáveis seria o ideal. “Isso não significa parar de investir no básico. A gente tem que ter investimento continuado, planejado, consistente. A ABC tem brigado constantemente para que o governo e o Legislativo percebam a importância desses investimentos.”
Como exemplo de investimento em ciência para retorno econômico, Marcia cita o caso de Döbereiner, que atuou em pesquisa na Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) para melhoramento da soja. Indo contra a tendência dos Estados Unidos da década de 1960 de uso intensivo de adubos nitrogenados, a cientistas descobriu uma maneira de que a fixação do nitrogênio pelas plantas fosse feita pela bactéria rhizobium, dispensando o uso do produto artificial. De acordo com a Embrapa, a descoberta representa uma economia anula de mais de US$ 2 bilhões.
“Essa estratégia de Johanna foi implementada como política econômica e hoje o Brasil é o que é na soja. A descoberta não veio do nada, precisamo continuar investindo. Hoje não há dinheiro para trocar os laboratórios, para capacitar cientistas, para tocar pesquisas. Dessa forma, vamos deixar de ter o que tivemos com a Johanna na Embrapa, esse protagonismo. Cortar verba da ciência não é tirar dinheiro de um luxo, é cortar o futuro.”
No caso específico de Campinas, Marcia mostra preocupação, já que a cidade concentra laboratórios que atraem cientistas de várias partes do mundo. “Campinas é um local no Brasil em que a ciência e a tecnologia florescem. Estamos em uma etapa crucial no projeto Sirius, e agora pode entrar em compasso de espera com mais este corte de verba. Creio que vai virar um prédio que vai envelhecer sem terminar, e é uma pena, porque o Sirius tem potencial para competir com o laboratório da Suécia, por exemplo.”
Para ela, não só o futuro da produção científica do Sirius traria lucros para o Brasil, mas o próprio processo de construção e instalação, que acaba aquecendo a economia do entorno.
Outra preocupação da diretora é a “fuga de cérebros” do País. Com as demissões ou falta de condições para realizar pesquisas, há cientistas partindo para trabalhar em outros países. “É um desperdício, porque há investimento brasileiro para formar essas pessoas. Por outro lado, há cientistas que querem completar doutorado, pós-doutorado fora, porque há cortes de bolsas pelo Conselho Nacional Científico e Tecnológico (CNPq), devido à redução de verbas.”
Uma alternativa para ajudar nas contas de centros de pesquisa seria o investimento feito por empresas privadas, que deveriam poder fazer doações com a possibilidade de abatimento em impostos, como ocorre com repasses para a cultura. “Temos que mostrar o retorno que a ciência pode trazer para a sociedade. Se não criamos profissionais de ponta, isso afeta a indústria. Com pessoas menos qualificadas, os produtos serão de menor qualidade”, finaliza.
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