Videogame, jogos de tabuleiro, futebol, kits de química e até um livro de física. Essas eram as brincadeiras que divertiam o pequeno Andrey Chaves em Recife, onde viveu até os 12 anos. Hoje professor adjunto do Departamento de Física da Universidade Federal do Ceará (UFC) e pesquisador associado da Universidade de Columbia (EUA), ele se lembra que a ciência sempre despertou seu interesse.
“As matérias de que mais gostava eram relacionadas a ciências. Fiquei bastante amigo da minha professora de biologia na época, que até me deu uma coleção de insetos empalhados”, conta Andrey, que gostava de assistir a programas educativos como “Mundo de Beakman” e “O Professor” na TV Cultura. “Também me divertia com kits de química de brinquedo e sempre lia os livros didáticos de experimentos de ciências na escola para fazer as experiências em casa com antecedência”, lembra o professor da UFC.
Ainda no 6º ano do ensino fundamental pegou um livro de física na estante do pai, meteorologista da aeronáutica, e começou a ler sozinho. “Aprendi ali, de forma bem grosseira ainda, conceitos básicos de física e participei de uma feira de ciências, quando nem mesmo tinha esta matéria nesta série da escola”, lembra ele, que viu os amiguinhos de grupo desistiram do projeto no meio do caminho e se transformou no centro das atenções dos alunos do 9º ano que, por já estudarem física, provocaram o menino com mil perguntas. “Me questionaram sobre diversas coisas que eu não sabia responder. Isso me deu mais estímulo para ler e não ficar sem respostas da próxima vez”, conta Andrey, que naquele momento já via a física como um estimulante desafio a ser encarado.
No ensino médio, no entanto, o jovem estudante teve dúvidas se deveria optar pelo sonho de infância ou seguir a carreira da engenharia. Até que o conselho de um professor de física fez toda a diferença em seu caminho. “Ele me disse: Você não precisa estudar engenharia. Você pode sim estudar física. Olhe para mim. Você acha que eu passo necessidades como físico? Eu vivo bem, não? Você não vai ter problemas se você for físico, em vez de engenheiro. Isso teve um efeito fortíssimo em mim e imediatamente mudei meus planos de fazer vestibular para engenharia e troquei-os pela licenciatura em física”, conta.
Na graduação, o mundo de Andrey Chaves se abriu ainda mais. Ele começou a perceber que os fenômenos naturais não estavam assim tão bem entendidos quanto ele acreditava. “Faltava muita coisa na física a ser descoberta”. Foi assim que ele começou um projeto de iniciação científica na área de física de semicondutores. “Passei a cursar todas as disciplinas de bacharelado em física junto às de licenciatura e, ao final do curso, acabei com meu conhecimento e técnicas de trabalho bem mais voltadas para pesquisa do que para educação. A partir de então, fiz mestrado e doutorado e segui minha carreira como pesquisador”, diz ele.
Hoje Chaves se dedica à mecânica quântica aplicada ao estudo de materiais semicondutores. Ele explica que, como físico teórico, seu trabalho não envolve ir a um laboratório e fabricar os semicondutores em si e sim ler e conhecer várias teorias e ferramentas de mecânica quântica para, então, usá-las para prever fenômenos físicos que devem acontecer em materiais, em geral, desconhecidos.
“Os materiais semicondutores são aqueles que são usados, por exemplo, nos componentes eletrônicos do seu celular, TV, computador. O funcionamento destes equipamentos depende fortemente do uso de diodos e transistores. Antes de se conhecer os semicondutores, essas válvulas eram tubos enormes de vidro. Há várias décadas, descobriu-se que o mesmo efeito de válvula pode ser obtido simplesmente unindo-se duas ou três gotas de materiais semicondutores, algo de tamanho centenas ou milhares de vezes menor que o dos tubos de vidro”, explica Andrey.
Segundo ele, esse processo foi o que deu início à miniaturização dos componentes eletrônicos, que deu origem aos laptops, microcomputadores e celulares que temos hoje. Esse novo passo só foi possível por causa do conhecimento dos cientistas em mecânica quântica, o tipo de mecânica que descreve fenômenos na escala de átomos, como os que formam estes sólidos semicondutores.
Até hoje, toda a eletrônica está baseada principalmente no semicondutor silício (Si), porém, já se estima que em algum ponto do futuro precisaremos de semicondutores que possam suportar uma diminuição a escalas ainda menores que as dos blocos de silício que temos hoje. “Neste sentido, descobriram o grafeno em 2004, um material puramente plano, feito somente por carbono. As teorias, e, hoje em dia, experimentos, já mostram que ele não é semicondutor, mas é semimetal. A partir de 2010, descobriram outros materiais baseados em calcogênios (como enxofre, selênio, etc.) que são demonstrados serem semicondutores, assim como o silício”, esclarece o Acadêmico.
Chaves conta que sua área de pesquisa consiste em tentar prever como estes novos materiais, sobre os quais conhecemos muito pouco, irão se comportar quando forem acoplados a eletrodos, aplicados a correntes elétricas e bombardeados com luz. “O entendimento proporcionado por esses estudos servirá de base para engenheiros futuramente desenvolverem dispositivos eletrônicos com estes materiais, que possam servir como novos transistores, diodos, lasers, portas lógicas, etc. de tamanho cada vez menor”, diz o pesquisador.
Para Chaves, ser um membro afiliado à ABC, além de uma honra, é uma motivação ainda maior para que ele continue se dedicando à pesquisa científica da mais alta qualidade. Como professor e pesquisador, ele manda um recado a todos os jovens que estão em dúvida se vale a pena seguir uma carreira científica. “A sociedade poderá pressioná-los e dizer-lhes que isso não os deixará ricos, que existem carreiras mais rentáveis, com mais oportunidades de emprego. Na verdade, a carreira de cientista/professor em nível universitário paga relativamente bem o suficiente e as regalias da vida nesta carreira são, na minha opinião, impagáveis”, diz ele.
Como cientista, ele teve oportunidade de viajar pelos quatro cantos do planeta, conhecer culturas diferentes, fazer amigos em todos os lugares do mundo, ouvir suas histórias, saber como é a arte, a música, a culinária em cada um daqueles país. Mais ainda, diz que viveu o prazer de ser um dos primeiros a resolver certos problemas ou entender o que explica a ocorrência de um certo fenômeno até então desconhecido, mesmo que esta descoberta seja, de certa forma, incremental.
Andrey Chaves destaca que, da mesma forma que muita gente adora, por exemplo, jogos de quebra-cabeça e outros de estratégia em smartphones, a vida de cientista faz a pessoa sentir-se jogando um jogo desses, com a vantagem de que resolver o “quebra-cabeças” da ciência não vai significar somente o orgulho de entrar para um “ranking do jogo”, mas também de ajudar a sociedade com a nova descoberta.