O I Simpósio Internacional Scientific American: Ciência e Sociedade, realizado em São Paulo no dia 3 de outubro, reuniu jornalistas de ciência com experiências diversificadas: Álvaro Pereira Jr, do Fantástico; Alexandra Ozório de Almeida, da Pesquisa Fapesp; Mônica Teixeira, do Ciência USP; Herton Escobar, do Estadão; Natália Pasternak, do Pint of Science e o youtuber Pirula.
A ciência está em tudo
Graduado em química e jornalismo pela USP, com especialização em jornalismo científico pelo MIT Massachussets Institute of Technology], Álvaro Pereira Júnior é chefe de redação do programa [Fantástico, da TV Globo, onde trabalha desde 1995. Ele falou sobre a qualidade do trabalho relacionado à ciência no Fantástico. “Nossa cobertura de ciência é muito acurada e cuidadosa. Temos que ter a capacidade de entender o que o cientista diz e explicar bem para o público”, destacou.
Álvaro contou que quando estudou no MIT perguntou para o professor qual o público para quem ele deveria escrever e a resposta foi: para alunos inteligentes de ensino médio. No Brasil, porém, ele sente necessidade de ir um pouco mais fundo, na informação mais básica. “Falamos para 30 milhões de pessoas no programa. Eu faço questão de explicar o que é célula, o que é elétron, para alcançar realmente um público mais amplo”, comentou.
Um aspecto interessante que ele abordou foi sobre as características do jornalismo científico. “Esta é uma área que cabe em todo jornalismo do dia a dia, não precisa estar, obrigatoriamente, numa seção separada.” Álvaro explica que quando alguém escreve sobre um tsunami, por exemplo, pode falar de oceanografia e de geologia, assim como se o assunto é um furacão, cabe descrever cientificamente como é que ele se configura. “O jornalista de ciência pode seguir esse caminho. A maior editoria de ciência dos EUA, por exemplo é a do BuzzFeed, uma empresa norte-americana de mídia de notícias. Isso mostra o interesse dos jovens e, certamente, que o jornalismo como o conhecemos vai acabar.”
Foco no cientista ou foco no leitor
Doutora em filosofia, a diretora de redação da revista Pesquisa Fapesp Alexandra Ozório de Almeida explicou que a revista tem dois eixos: aborda a ciência e sua presença na vida cotidiana e, por outro lado, apresenta a ciência que é movida pela curiosidade.
A divulgação científica e comunicação de ciência envolve pesquisadores, instituições de pesquisa e entusiastas da ciência. “A ação gira em torno do que o cientista quer mostrar”, explicou Alexandra. Já a área de jornalismo de ciência é dedicada à cobertura de feitos da ciência, seus processos, sua política. “Nesse caso, a ação é focada no leitor, no que é do seu interesse”, apontou. “São diferentes objetivos, para públicos diversos. A revista Pesquisa Fapesp está mais para o segundo modelo.”
Ela explica que a missão do veículo – que envolve impresso, site, rádio, vídeo e mídias sociais – é noticiar e discutir, de forma precisa, equilibrada e acessível, os resultados da pesquisa em ciência e tecnologia no Brasil que se destaquem pelo seu impacto intelectual, socioeconômico ou político. “É uma publicação mensal com tiragem de 25 mil exemplares, vendidos em bancas e por assinatura, além de distribuída como cortesia em alguns casos”, relatou Alexandra. Ela esclarece que matérias de folego demandam tempo, não são de consumo imediato. “As fontes também têm que se reinventar”, observou.
Entre as revistas internacionais similares, ela destacou algumas: a própria Scientific American, a New Scientist, a National Geographic, a Discover, a PopSci, a Focus e a Nautilus. No Brasil, além das versões nacionais da SciAm e da NatGeo, ela citou a Ciência Hoje, que agora é online, a Galileu e a Superinteressante, que trazem conteúdos locais.
Para o futuro, Alexandra acha que os modelos mais adequados serão como a Nautilus, que combina ciência, cultura e filosofia na mesma história, e a Quanta Magazine, que busca esclarecer a ciência básica e a matemática de modo a atingir o grande público.
Ciência é fruto de erros e é provisória
A jornalista Monica Teixeira coordena o Núcleo de Divulgação Científica da Universidade de São Paulo (USP) e diz que se dedica quase integralmente à ciência por gosto. “O Núcleo não é um órgão de imprensa. O objetivo é dar conhecimento a um público mais amplo sobre o que é feito pelos pesquisadores da USP.”
Monica destaca que a USP tem, além do Núcleo, trinta outras unidades de divulgação científica. “O nosso foco são as mídias sociais e vídeos”, explicou. “Fizemos podcast, mas não deu bons resultados. O que dá mais visualizações mesmo são os vídeos”, relatou.
A jornalista conta que o Ciência USP começou no Facebook há um ano e meio. “ Foi um sucesso, com três milhões de pessoas alcançadas”, salientou Monica. “Fazemos um teaser de dois minutos no Facebook sobre um determinado tema, que leva para a página do You Tube, onde o usuário encontra mais três ou quatro vídeos sobre o mesmo tema.”
Ela avalia que tanto a ciência em si como o cientista já estiveram num lugar de mais poder na sociedade. Por sua experiência, Monica observa que o paradigma mudou. “Não há mais lugar para o cientista todo-poderoso, que sabe tudo. Mas não é sempre que conseguimos mostrar que o que o cientista faz é provisório, não é a verdade”, diz ela. Em sua visão, a ciência acontece a partir de experiência e erro. “Até um experimento dar certo, ele dá errado muitas vezes. Mas isso ninguém escreve no artigo”, observa a jornalista.
A função do jornalista de ciência, a seu ver, é contar o caminho da pesquisa, oferecendo informação de boa qualidade, precisa, bem filmada, bem fotografada. “Mas temos nossas dificuldades”, diz. Monica relata que a USP tem mais de 2 mil artigos publicados por ano e sua equipe é de cinco jornalistas. “É uma operação diminuta, mas que faz a sua parte para ajudar as pessoas a entenderem o mundo em que vivemos.”
Formador ou confirmador de opinião?
Paulo Miranda Nascimento, conhecido como Pirula, formou-se em biologia pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e é mestre e doutor em zoologia pela Universidade de São Paulo (USP). Seu canal no You Tube tem 591 mil inscritos e seu Facebook tem 128 mil curtidas. “É um canal de cientista, não um canal de ciência, porque é opinativo. É importante discernir. Talvez o fato de eu dar minha opinião ali seja o que alavanca meu canal e, ao mesmo tempo, seja seu carrasco”, diz o comunicador de ciência.
Ele avalia que seu sucesso se deve também ao fato de que ele está ali, olhando para a câmera. “As pessoas gostam de olho no olho. O brasileiro, especialmente, é ainda mais pessoal que outros povos. Foi citado aqui no evento que 73% da população confia mais em gente como a gente, por quê? Porque nós estamos olhando no olho”, ressalta.
Mas Pirula acha essa relação preocupante. “As pessoas só gostam de ciência quando ela concorda com suas ideias pré-concebidas. Escolhem o que querem acreditar na ciência e descartam o que não querem. Ninguém liga para o método, o público só quer a conclusão, para jogar nas redes sociais. Mas, quando a ciência conclui algo diferente daquilo em que acreditam, ignoram.” Em sua visão, essa é uma questão é contraditória. “O brasileiro aparece nas pesquisas como alguém que gosta de ciência, mas ele não sabe o que é ciência, não sabe nomear um cientista”, reflete.
A posição política do cientista, na visão de Pirula, se torna uma ferramenta contra a divulgação cientifica. “Há muita desonestidade intelectual. A briga que acontece na internet não é mais sobre ciência, é sobre política. E a ciência é só uma ferramenta de confirmação de opinião. Ninguém está preocupado em saber se a ciência funciona, só querem confirmar opiniões previas sobre política.” E ele confessa que se sente menos um formador de opinião e mais um confirmador de opinião. “Só assiste quem já concorda. Ninguém liga pra fonte. Eu monto um vídeo com links para vários artigos, mas nada disso interessa, o que importa é o discurso político consonante, olho no olho, com firmeza, assertividade. Na internet, quem fala mais alto tem mais credibilidade.”
Ele acredita que as mudanças virão com o investimento em professores, que estão na linha de frente, lidam diretamente com as pessoas. “Temos que apostar nas licenciaturas que, no Brasil, são muito ruins. Temos que treinar o professor para apresentar bons argumentos e deixar o estudante entender por si.” Ele também pensa que é mais importante falar do método do que dos fatos. E aposta num selo de credibilidade científica para vídeos na internet. “Temos que diferenciar o que é conteúdo resultante de pesquisa, de experimentação e de confirmação de dados do que é só crença ou especulação.”
A linguagem, na opinião de Pirula, também é fundamental. “A internet é diferente da televisão. A fala tem que focar no indivíduo, para que a pessoa possa se identificar.” Mas o reconhecimento no meio da divulgação científica é imediato. “Recebo mensagens de pessoas que relatam que mudaram de opinião (ou não) por causa do meu canal. No meio acadêmico o reconhecimento demora, quando vem.” Ele acha bom que haja gente que saiu do universo acadêmico para atuar na divulgação científica, como ele. “Assim, quem continua no meio acadêmico e se sente culpado porque não faz divulgação científica de qualidade, tem a quem recorrer.”
Ciência com café e chope
Natália Pasternak também é bióloga, com pós-doutorado pela USP, e há três anos vem trabalhando com divulgação de ciência. “Eu era cientista de bancada. Tomando café com os colegas, conversávamos muito a respeito das besteiras sobre ciência que ouvíamos de pessoas que não são da área. Até que, um dia, percebemos que a culpa era nossa”, conta Natália.
Ela conta que fez uma reflexão sobre a atitude dos cientistas que, como ela, não faziam o menor esforço para explicar para as pessoas o que faziam, com o que trabalhavam. “Foi quando criei um blog e dei o nome de ‘Café na Bancada’.” Natália ressalta que a ciência no Brasil sempre funcionou com o financiamento público, ou seja, com o dinheiro pago pela sociedade. “Nós entramos para a academia, usamos o dinheiro nas pesquisas, publicamos o que descobrimos e divulgamos para nós mesmos. A população não fica sabendo de nada. E sem acesso à informação, não sabe o que fazemos nem para que servimos.”, aponta Natália.
A consequência dessa falta de comunicação com a sociedade, a seu ver, é que a ciência não tem apoio da população quando precisa, como agora. “Nós criamos um círculo vicioso: porque não falamos, a sociedade não escuta quando tentamos falar. A gente precisa falar porque uma sociedade bem informada toma melhores decisões. A ciência está no dia a dia de todo mundo.”
Pasternak também coordena o Pint of Science Brasil. Este evento foi criado na Inglaterra, no ano de 2012, por dois cientistas do Imperial College of London que trabalhavam com doenças como Parkinson, Alzheimer e esclerose múltipla. Eles começaram a organizar visitas aos laboratórios, convidando público leigo para verem o que faziam. A ideia foi sucesso e pessoas acometidas por aquelas doenças ou parentes ficaram muito interessadas. Então, Michael Moskin e Praveen Paul pensaram: se as pessoas têm interesse no que fazemos a ponto de virem aos nossos laboratórios, porque não vamos falar com elas onde elas estão? E assim começou esse festival, que leva a ciência para os bares. Em 2013, a primeira edição do Pint of Science aconteceu em três cidades da Inglaterra. Em 2017, o festival foi realizado em 150 cidades de dez países ao redor do mundo.
Natália relata que se interessou por trazer o Pint of Science para o Brasil porque viu que funcionava em outros lugares. “Funciona porque leva o cientista para o meio comum, onde qualquer pessoa pode chegar. É uma forma de transformar a ciência num programa divertido.”
Natália diz que as pessoas começam a valorizar a ciência quando precisam e reconhecem sua necessidade. “Uma boa comunicação cientifica vai fornecer aos cidadãos informações suficientes para decidir o que a ciência pode trazer de bom ou não. A desinformação é muito fácil e custa caro, porque se, por exemplo, é desenvolvida uma vacina e as pessoas não tomam, vai haver um custo para tratar as pessoas que ficaram doentes”, reflete a bióloga. “Nós precisamos conscientizar as pessoas de que a ciência é tão importante para o desenvolvimento de um país como a educação e saúde, para que tenhamos o apoio delas e continuemos tendo apoio financeiro.”
Linguagem adequada e temas interessantes repercutem
Jornalista especializado em ciência e meio ambiente, Herton Escobar é repórter do jornal O Estado de S. Paulo desde o ano 2000, com mais de 2 mil matérias publicadas em formato impresso e digital, sobre uma grande variedade de temas, abrangendo pesquisa básica, política científica, desenvolvimento tecnológico e inovação. Desde 2015, é colaborador internacional da revista Science, nos Estados Unidos. Ganhador de diversos prêmios na área do jornalismo científico, Herton estava convencido que o modelo tradicional de jornalismo de grande mídia estava superado e queria fazer algo diferente. Conversando com o Acadêmico José Eduardo Krieger, da USP, tiveram a ideia de organizar eventos fora da universidade, com falas curtas de cientistas e debate com o público.
Assim surgiram as USP Talks, que vêm sendo realizadas toda última quarta-feira do mês, no Edifício Gazeta da Av. Paulista, com dois especialistas convidados falando por 15 minutos e mais meia hora de debate, inspirado no modelo do TED. “Já fizemos 16 encontros. Os mais visualizados – porque são gravados e vão para a internet – foram sobre origem da vida e do universo, e sobre a cura do câncer.”
A diferença do Talks para as palestras acadêmicas comuns está no formato. “Mesmo com temas interessantes, as palestras acadêmicas em geral são chatas, com muitas formalidades. Tiramos isso do Talk – como os cumprimentos às autoridades presentes, nomeadas uma a uma, por exemplo”, conta Herton. Outra questão é o discurso adaptado ao público alvo. Herton diz que, de modo geral, é muito difícil para o acadêmico falar de uma forma simples. Esse papel de “tradução” costuma caber ao jornalista. “Colocar o professor para falar diretamente é muito difícil, porque ele acha que está falando de forma simples, mas ainda está muito distante do que a sociedade consegue entender. A peridiocidade é um desafio enorme em termos de organização, mas cria um vínculo muito mais forte com o público. É preciso produzir o conteúdo, selecionar temas que sejam importantes para a sociedade e não só para a academia”, observa o jornalista.
Os palestrantes, porém, precisam saber se comunicar com o público leigo, independente do currículo. Escobar diz que a escolha dos palestrantes não é feita com base no melhor currículo, mas na capacidade de comunicação. “E fazemos um treinamento de mídia com o palestrante, o que ajuda no respeito aos 15 minutos, porque o material vai ser disponibilizado na internet e a prioridade é o debate.”
A iniciativa já teve 8.500 likes na página no Facebook e 3.858 inscritos no YouTube. “Eu falo para os cientistas pararem de esperar que a imprensa faça essa intermediação com a sociedade por eles. Vivemos na era da internet, todo mundo pode ser a sua própria mídia. Não é fácil, não é só jogar o conteúdo e esperar que ele se dissemine sozinho, mas pode ser feito. As instituições precisam investir em divulgação, como a USP faz”, concluiu Escobar.
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