Em debate promovido pelo jornal Folha de São Paulo, o Acadêmico e diretor científico da Fapesp, Carlos Henrique de Brito Cruz, fala sobre a crise de legitimidade da ciência no quadro atual do país e do mundo. A matéria é de Karina Toledo, da Agência Fapesp.
carlos-henrique-brito-cruz-fapesp-sao-paulo-20060630-02-original1.jpgA ciência enfrenta uma crise de legitimidade de âmbito mundial. Cresce o questionamento sobre até que ponto os recursos públicos investidos no financiamento de pesquisas são, de fato, revertidos em benefícios à sociedade. Segundo Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, no Brasil, diante do atual cenário de escassez, essa discussão tende a se tornar ainda mais aguda nos próximos anos.
“Vai ficar ainda mais difícil para a ciência competir por recursos com o setor de saúde pública, com a educação, com a construção de rodovias e também com outros gastos menos defensáveis. Isso vai exigir dos pesquisadores uma maior conexão com as necessidades e os interesses dos contribuintes. É uma preocupação legítima da sociedade saber o que será feito com o dinheiro dos impostos e é nossa obrigação explicar”, disse Brito Cruz no debate “Crise do financiamento em ciência no Brasil”, realizado em 6 de outubro pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) e pelo jornal Folha de S.Paulo. O evento também contou com a participação do neurocientista Stevens Rehen e foi mediado pelo jornalista Marcelo Leite.
Segundo Brito Cruz, a confiança na ciência que existia em meados do século 20, quando foram criadas agências públicas de fomento à pesquisa como a National Science Foundation (NSF, Estados Unidos), a Sociedade Alemã de Amparo à Pesquisa (DFG) e a FAPESP, já não existe mais.
“Há hoje uma certa impaciência que é visível e pode estar relacionada com frustração por expectativas não cumpridas ou pela velocidade lenta com que o conhecimento gerado se transforma em soluções para problemas concretos. O debate ainda está limitado à ideia de que a ciência é importante e precisa de mais recursos. Isso é verdadeiro. Mas é preciso ir além e mostrar muito melhor o que será feito com esses recursos. O que de fato vai melhorar na vida das pessoas?”, disse.
“Quando uma revista como a Nature escreve em editorial que líderes de pesquisa nos Estados Unidos e nos demais países devem abordar as necessidades e as perspectivas de emprego dos contribuintes que pouco se beneficiaram dos avanços científicos, parece haver algo no ar, no sentimento do público”, acrescentou.
Já na avaliação de Rehen, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador de Pesquisa do Instituto DOr de Pesquisa e Ensino (IDOR), uma das estratégias para conseguir o apoio da sociedade seria sensibilizar pessoas de grande expressão na mídia para que se tornem porta-vozes da ciência.
“Quando a modelo Gisele Bündchen se manifestou nas redes sociais em defesa da Amazônia [contra o decreto que extinguia a Reserva Nacional de Cobre, fundada em 1984 no Pará e no Amapá] a repercussão foi tão grande que o presidente acabou voltando atrás em sua decisão”, exemplificou.
Rehen também defendeu a necessidade de se buscar novas estratégias de divulgação científica, inserindo conteúdos em programas de televisão de grande audiência, como novelas. Criticou a burocracia das universidades que, segundo ele, dificulta doações privadas, contratações mais flexíveis e parcerias público-privadas.
Na avaliação do neurocientista, é urgente que o meio acadêmico se aproxime do poder legislativo. “Na Califórnia já há cientistas concorrendo a uma vaga no Senado. Nós também precisamos de uma maior inserção em Brasília”, afirmou.