Nesta semana, foi entregue a mais prestigiosa premiação da ciência internacional: o Nobel 2017. Ao todo, nove pesquisadores foram congratulados nas áreas de fisiologia/medicina, física e química. Cada trio de cientistas vai dividir a quantia 9 milhões de coroas suecas (aproximadamente R$ 3,5 milhões).
Três membros titulares da Academia Brasileira de Ciências (ABC), que trabalham em áreas comuns a dos ganhadores, explicam a importância dessas pesquisas para a ciência e o seu impacto no dia a dia da população. Em comum, os especialistas observam como o investimento em ciência básica abre portas para o desenvolvimento de tecnologias e pesquisas mais avançadas. Em outras palavras, é a ciência básica que prepara o solo para o crescimento de outros conhecimentos.
Fisiologia/medicina: o tempo interior
Professora do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (USP) e coordenadora do Laborartório de Cronofarmacologia, Regina Pekelmann Markus ressalta que os norte-americanos Jeffrey C. Hall, Michael Rosbash e Michael W. Young levaram o Nobel de Medicina ou Fisiologia de 2017 por suas descobertas realizadas ainda na década de 1980.
O trio desvendou os elementos que fazem funcionar o chamado “ritmo circadiano”, uma espécie de relógio biológico interno dos seres vivos. Eles descobriram como as peças desse relógio, isto é, o gene e a proteína fabricada por ele, trabalham dia e noite. O diferencial do trabalho dos pesquisadores foi que eles verificaram que o corpo humano funciona de maneiras diferentes dependendo do horário.
Este comportamento se dá num ciclo diário, como os ponteiros do relógio, e leva aproximadamente 24 horas, podendo ser um pouco mais longo em alguns indivíduos. “Quando acordamos de manhã, temos a tendência de jogar os lençóis para fora da cama. Por quê? Nosso corpo se aquece de manhã e prepara a gente para despertar. Este é um dos sinais de nosso relógio de marcação do tempo”, explica Regina Markus. “Há um conjunto de genes em nosso corpo que marcam essa passagem cíclica de tempo, recorrente nas células”, acrescenta ela.
Segundo a pesquisadora, a cronobiologia – que são os estudos na área da biologia do tempo – levou hoje os cientistas a entenderem em que horário determinada medicação deve ser tomada pelo paciente. “Algumas pesquisas já relacionam a queda de pressão à noite e o uso de certos remédios. Há evidências cada vez maiores que um medicamento tomado de manhã não vai ter o mesmo efeito do que à noite. O que os nobelistas fizeram foi dar base para pesquisas muito maiores”, ressalta ela.
A descoberta do trio de pesquisadores norte-americanos abre portas para estudos que possam evitar diabetes, obesidade, problemas do sono e até doenças neurodegenerativas. No Brasil, a cronobiologia tem ajudado os pesquisadores a entenderem, inclusive, o comportamento de alguns parasitas.
“Dependendo da hora em que colocamos o animal hospedeiro em contato com o protozoário Leishmania, que provoca a doença leishmaniose, ele vai ser infectado ou não. É preciso ter os dois sistemas temporais sincronizados, o do parasita e do hospedeiro, para que haja a infecção”, diz Regina, que chama a atenção para a importância dos investimentos em pesquisa básica. “Se não conhecemos o princípio das coisas, não temos como avançar”, defende ela.
Teoria de Einstein, enfim, comprovada na prática
Na física, a premiação foi dedicada à comprovação experimental de um fenômeno previsto teoricamente pelo físico Albert Einstein há mais de 100 anos em sua Teoria Geral da Relatividade (1915): a existência das ondas gravitacionais no espaço. Rainer Weiss, alemão naturalizado americano; e Barry Barish e Kip S. Thorne, cientistas nascidos nos Estados Unidos, trabalham numa grande máquina bastante precisa e capaz de detectar as ondas gravitacionais no Universo: o LIGO (Laser Interferometer Gravitational- Wave Observatory), gerenciado pelo Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), nos Estados Unidos.
“Para se entender melhor as ondas gravitacionais no Universo, basta pensarmos numa piscina”, diz a diretora da ABC e professora titular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Marcia Cristina Bernardes Barbosa . “Nela, qualquer objeto é capaz de produzir onda, seja um inseto ou uma pessoa. Quando nos movemos, distorcemos esse meio. No Universo, é igual. Mas, no lugar da piscina, temos um tecido grande. Quando um corpo se move, ele produz uma onda. Quanto maior é esse corpo, maior é essa onda. Esse tecido é o que os cientistas chamam de espaço-tempo”, explica a física.
No Universo, apenas objetos com massas grandes, como os buracos negros, são capazes de gerar ondas significativas. Mesmo os planetas e estrelas não produzem ondas tão grande, de acordo com Márcia Barbosa. Ela explica que a grande descoberta do trio de nobelistas foi perceber que as ondas gravitacionais tanto existem realmente que são capazes de mudar o caminho de uma matéria que se encontra em sua direção. “Eles tiveram a certeza disso em 14 de setembro de 2015, quando detectaram o som das ondas gravitacionais, produzidas por meio do choque de dois buracos negros, ocorrido num período muito longe do passado”, relatou.
Márcia Barbosa afirma que a descoberta significa um ponto histórico na ciência física. “É realmente como se antes vivêssemos um filme mudo e agora, temos som. As ondas gravitacionais nos dão novas possibilidades de se estudar o Universo”, avalia.
Mas isso pode ter utilidade prática para os seres humanos? Sim, num futuro talvez não tão distante. Marcia lembra que a correção do GPS (sistema de posicionamento global), utilizado rotineiramente por nós, só foi possível por meio da Teoria da Relatividade. “As ondas gravitacionais são apenas uma ponta desse iceberg de conhecimento. Podemos usar as ondas gravitacionais para detectar efeitos em buracos negros, corpos que não emitem luz. Poderemos entender melhor a origem do Universo e a formação de galáxias. É mais um elemento que ajuda nos estudos sobre o espaço”, ressalta a física, que lembra ainda que as ondas gravitacionais abrem um terreno absolutamente novo para como o homem enxerga o espaço-tempo.
Após a observação do fenômeno, os cientistas mostraram que a força gravitacional é capaz de provocar ondas que distorcem essas dimensões. “Quem sabe poderemos avançar nos estudos sobre o espaço-tempo e estudar melhor a hipótese de rotação dos buracos negros e o que acontece dentro dessas estruturas escuras”, afirma Marcia.
A natureza viva e aos olhos do microscópio
Na química, um estudo desenvolvido também na década de 1980 foi reconhecido como fundamental para a ciência contemporânea. O trio Jacques Dubochet (suíço), Joachim Frank (alemão) e Richard Henderson (escocês) foi premiado por uma série de melhorias que revolucionaram a observação de moléculas, vírus e bactérias: a criomicroscopia eletrônica.
Coordenador do Centro de Pesquisa e Inovação em Biodiversidade e Fármacos, um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Cepid-Fapesp), o Acadêmico Glaucius Oliva explica que a técnica da criomicroscopia tornou a observação e o estudo das estruturas celulares mais fácil. “Ao longo dos últimos 30 anos, houve muita gente que se envolveu em cada uma das etapas desses processos. Seja por meio da otimização das amostras, das mudanças nas lentes, no jeito de congelar as substâncias, nos computadores para sofisticar os processos que o Frank [Joachim Frank] bolou. Foram todos esses ajustes que permitiram a observação a nível atômico”, avalia.
Os nobelistas desenvolveram uma técnica que congela as biomoléculas num ponto em que as estruturas, formadas por água, se solidificam, mas não viram gelo: a vitrificação por congelamento. Assim, eles puderam observar processos químicos não antes visíveis. “Isso porque os primeiros microscópios eletrônicos matavam a matéria orgânica, pois o feixe de luz necessário para a observação era extremamente forte. Além disso, a técnica possibilitou a observação em altíssima definição, ao nível do átomo”, explica o Acadêmico.
Sobre a técnica do congelamento das substâncias, Oliva destaca que, nos últimos 50 anos, mais de 100 proteínas de organismos de diferentes espécies foram descobertas por meio do uso de uma outra técnica, mais demorada e complexa: a cristalografia. Para se conseguir estudar as substâncias no microscópio, os cientistas transformavam os organismos em cristais, que só depois eram levados à observação. A cristalografia demandava tempo de preparo das substâncias e só permitia o estudo de um elemento por vez. “Agora, com a criomicroscopia, podemos ver a proteína dentro de uma célula e saber como ela funciona. Ou ainda, podemos observar vírus ancorados na superfície de uma bactéria prontos para entrar nela. Coneguimos acompanhar toda essa dinâmica”, explica o físico e bioquímico.
Oliva lembra que, desde a década de 1980, Joachim Frank vinha se esforçando para desenvolver, por meio de programas de computador, imagens tridimensionais captadas no microscópio. “Os estudos dele permitiram que, no ano passado, a ciência conseguisse fazer a imagem estrutural do zika vírus. Chegamos até aqui por causa desse desenvolvimento da ciência básica”, ressalta o Acadêmico.
Conhecer a estrutura de um vírus é essencial para o desenvolvimento de tratamentos. Eles podem ter essas estruturas observadas como “alvo” para que o vírus seja combatido, por exemplo. Uma outra aplicação é a observação molecular da resistência bacteriana no organismo. Isto é, quando as bactérias que provocam determinada doença não conseguem ser eliminadas com os antibióticos disponíveis.
Sobre o Prêmio Nobel
O Prêmio Nobel é a mais prestigiada premiação do mundo, anualmente outorgada a cientistas que fizeram pesquisas de grande valor. Além da química, física, medicina ou fisiologia, o Nobel é oferecido a personalidades das áreas de literatura, economia e aqueles que atuaram em prol da paz.
A história do Prêmio se inicia com seu fundador, Alfred Nobel, o inventor da dinamite. Após sentir o desgosto das mortes e da destruição causada pela sua invenção, Nobel propôs a criação de uma premiação que prestigiasse aqueles que, no futuro, servissem ao bem da humanidade. Assim, Alfred Nobel deixou sua herança de 32 milhões de coroas suecas para a criação de uma instituição que teria a função de administrar a premiação: a Fundação Nobel.
A primeira cerimônia do Prêmio Nobel ocorreu em 1901, no Conservatório Real de Estocolmo. Atualmente, a cerimônia ocorre no dia da morte de Alfred Nobel, 10 de dezembro, em Oslo, na Noruega, e Estocolmo, na Suécia. O premiado é condecorado com uma medalha de ouro, diploma e uma quantia em dinheiro. As premiações de todas as categorias não ocorrem, necessariamente, em todos os anos.
O Prêmio Nobel de economia é o único que não tem ligação com Alfred Nobel. A premiação, chamada oficialmente de “Prêmio Sveriges Riksbank de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel”, foi criada pelo Banco Central da Suécia em homenagem ao criador do Prêmio Nobel. Mesmo assim, o Nobel de Economia é entregue na mesma cerimônia das outras premiações.
Mais informações sobre a premiação podem ser acessadas em: www.nobelprize.org.