Rico em espécies do ambiente terrestre e aquático, o Brasil tem parte de sua biodiversidade em risco em razão de mudanças radicais nos habitats e pouco conhecimento sobre determinadas áreas e organismos. Este tema foi debatido em sessão do evento “Simpósio Preparatório Brasil/França sobre Biodiversidade”, promovido pela ABC entre os dias 19 e 21 de setembro.
Micro-organismos e serviços ecossistêmicos
O que o solo tem a oferecer para a pesquisa de biodiversidade brasileira? Para Fátima Maria Moreira e George Brown, muito conhecimento e material de estudo. A engenheira agrônoma da Universidade Federal de Lavras (UFLA), em Minas Gerais, apresentou pesquisa sobre micro-organismos de solo, ressaltando o número de processos importantes para o ambiente pelos quais eles são responsáveis e Brown, agrônomo da Embrapa, mencionou a pouca atenção que os pequenos animais recebem e sua importância para a ciência.
Moreira ressaltou que 80% dos micro-organismos conhecidos não são cultiváveis e que ainda há muito a se aprender sobre essas criaturas. É neste ponto que a pesquisa conduzida pela cientista se encontra com a biodiversidade. Para que haja um aproveitamento sustentável de todos os sistemas, é essencial aproveitar os processos naturais, principalmente do solo, e os micro-organismos terrestres desempenham muitos desses serviços. “Precisamos aumentar a contribuição dos processos biológicos do solo nos sistemas agrícolas e ambientais para reduzir ou eliminar o uso de agroquímicos e, consequentemente, seus efeitos na emissão de gases do efeito estufa”, argumentou ela.
Estudando o solo da Amazônia ocidental, Moreira confirmou que a exploração das terras afeta a comunidade bacteriana do solo e, consequentemente, fatores como o seu ph. “As mudanças na estrutura da comunidade e a intensificação do uso da terra alteram a abundância de genes funcionais e interferem no funcionamento do ecossistema”, explicou a pesquisadora.
Brown concorda. O agrônomo lembrou que o solo abriga um quarto da biodiversidade planetária e que um grande número das espécies não é sequer descrita. “Há muito pouco conhecimento sobre os nematóides, principalmente. De todas as espécies deles, 99% não estão descritas”, destacou.
Ele explicou que essas criaturas e diversas outras que habitam os solos são responsáveis por uma série de serviços ecossistêmicos – processos naturais que trazem benefícios ao homem – como produção de alimentos e medicamentos farmacêuticos, disponibilidade de água no solo, polinização, controle biológico, decomposição de materiais orgânicos, regulação do clima, entre outros, que representam um valor econômico significante para a economia nacional e global.
Riqueza aquática
O ambiente aquático brasileiro é amplo e diverso, mas essa variedade pode estar em risco. É o que alertou a bióloga da Universidade Estadual de Maringá Carla Pavanelli, lembrando que as alterações climáticas desequilibram características importantes do sistema aquático, como a temperatura da água, quantidade de oxigênio ou gases, e alteram a vida nesse ambiente. Uma pesquisa realizada pelo Nupélia, núcleo de pesquisas ao qual ela pertence, está analisando as consequências específicas dessas alterações para os peixes da bacia Paraná-Paraguai e prevê o desaparecimento de 16 espécies entre 2050 e 2080, sendo que cinco delas já estão ameaçadas.
Das diversas causas de extinção das espécies marinhas, como poluição, destruição dos corais e turismo em massa, a pesca é a atividade que apresenta perigo para o maior número delas. “Das espécies analisadas, 107 são afetadas diretamente pela atividade pesqueira, inclusive algumas que não foram incluídas como ameaçadas nesta lista”, ressaltou a bióloga. Ela explicou ainda que atividades terrestres como agropecuária, empreendimentos de energia e a expansão da população urbana também afetam esse ecossistema e reforçou a necessidade de engajamento coletivo pela causa, apoiando uma agenda política que enfrente o problema.
O valor da variedade de frutas nacionais
Internacionalmente conhecida pela riqueza de cores e sabores dos produtos de sua agricultura, a flora brasileira é prato cheio para o estudo dos componentes benéficos de frutas, verduras e legumes que compõem a alimentação brasileira. A bioquímica Glaucia Maria Pastore, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) acredita, no entanto, que muito do potencial desses alimentos é pouco conhecido e divulgado, principalmente o de frutas de sabores e aromas exóticos. “Pouco se sabe sobre suas características quanto à composição, formas de processamento e potencial mercado consumidor, além de total desconhecimento sobre manejo, nutrição do solo, etc”, pontuou ela.
O trabalho realizado pela pesquisadora analisa o potencial na área de alimentos e a exploração sustentável das frutas oriundas dos diversos biomas brasileiros. Segundo Pastore, as diversas condições climáticas de cada bioma podem levar à características nutricionais e funcionais muito distintas das frutas, de acordo com sua região de cultivo. “Esses alimentos tem alto valor nutricional e importantes características antioxidantes, anti-inflamatórias ,anticarcinogênicas, além da capacidade pre-biótica para saúde do intestino”, explicou. Para ela, é necessário investir na ampla pesquisa de frutas regionais, em especial, do cerrado brasileiro, dirigindo esse conhecimento para uso da população.
Pastore falou ainda sobre a presença dos prebióticos – carboidratos não digestíveis que promovem o aparecimento de bactérias benéficas na flora intestinal – em frutas brasileiras e seus benefícios. Responsáveis por tarefas como regulação do intestino, redução do colesterol e afastamento de organismos patogênicos, a pesquisadora defende que muitos deles têm seu valor subestimado. Umas destas substâncias, o xiloolígasacarídeo, está presente em materiais como a casca do arroz e da cana de açúcar que são, geralmente, descartados. “Os chineses conhecem o alto valor dessa substância e se impressionam com o quanto desperdiçamos elas por aqui”, pontuou. Pastore defendeu ainda que o conhecimento sobre os lactobacilos – bactérias intestinais benéficas – é baixíssimo: “Quase não há estudos sobre lactobacilos e esse tipo de informação é preciosíssima e de alta importância, porque provoca grande interesse comercial”.