Quando o cientista Oswaldo Gonçalves Cruz, de 55 anos, optou por trabalhar na Fiocruz, entidade de pesquisas fundada por seu bisavô, a intenção era ajudar na busca de tratamentos para doenças que afetam sobretudo a população mais carente. “Existe um grande número de cientistas hoje atuando em várias frentes para resolver as questões sanitárias. A gente acredita que o investimento em pesquisa não pode ter uma lógica econômica, é um passo que vai ter um retorno no futuro, mas o governo não vê dessa maneira.”
Referência em pesquisas de doenças tropicais, a Fiocruz tem orçamento previsto para este ano de cerca de R$ 300 milhões menor que o de 2014, segundo o Ministério da Saúde, responsável pela instituição. As pesquisas estão em ritmo mais lento. Para que os projetos não parem, as equipes estão transferindo parte dos recursos das pesquisas com verba liberada antes para os outros projetos na fila de espera.
“A crise prejudicou a comunidade científica como um todo, a gente percebe a falta de recursos até nas pequenas coisas. Um dia, teve um tiroteio perto da Fundação e uma bala perdida pegou no ar-condicionado de um dos laboratórios e eles demoraram quatro meses pra trocar”, diz Cruz, que colabora em pesquisas sobre dengue e zika.
“A verba nunca foi suficiente, mas conseguiu ficar pior. A gente aloca os recursos para tentar resolver os problemas que vão aparecendo e esses cortes acontecem em um momento em que a produção científica nacional vinha aumentando. É uma pena, a intenção de Oswaldo Cruz, lá atrás, era que o Brasil tivesse condições de desenvolver pesquisas para resolver suas próprias necessidades.”
O vice-presidente de Educação e Informação da entidade, o Acadêmico Manoel Barral Netto, diz que as pesquisas também dependem da verba do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e de agências estaduais de fomento, também reduzida. “A queda de orçamento por esse período pode ter um impacto de cinco, dez anos, mesmo que se retome ao patamar anterior. Até tentamos ver uma luz no fim desse túnel, mas em ciência, um túnel demora 20 anos para se atravessar.”
Os pesquisadores temem que os estudos relacionados a doenças mais comuns em populações de baixa renda, como a tuberculose, e dependentes de aportes públicos devem ser prejudicados pela falta de recursos. “Em vez de tentar investir no Sistema Único de Saúde, o movimento é contrário. A agenda que o Brasil tem adotado já traz impacto”, diz Carlos Basilia, pesquisador do Observatório de Tuberculose.
Entidades de fomento à ciência também estimam que o corte de 44%, de R$ 5,8 bilhões para R$ 3,2 bilhões, no orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia deve fazer com que a verba da pasta volte ao mesmo patamar de 12 anos atrás e devem atrasar pesquisas em todo o País. As instituições federais também temem uma perda acentuada de cérebros para o exterior.