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Além da promoção do atendimento público, básico e emergencial, o Sistema Único de Saúde (SUS) pode, e deve, produzir ciência. O diagnóstico é de um time de médicos e especialistas em saúde pública, que participaram de mesa-redonda no último dia de palestras da 69ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira pelo Progresso da Ciência (SBPC). O encontro aconteceu na sexta-feira, 21 de julho, na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
Moderador da mesa-redonda, o médico Reinaldo Felippe Nery Guimaraes disse acreditar que a pesquisa em saúde nos últimos anos teve “algum grau de crescimento e muitos casos de sucesso”. Mas, para o professor aposentado da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), ainda é preciso que o SUS se volte mais para a ciência. Um diálogo que, segundo ele, pode contribuir para a melhoria do atendimento à população. “Nos últimos anos descobrimos que a pesquisa em saúde deve ser alargada para um conceito mais amplo, que vá além do biológico, englobando questões relacionadas à saúde humana e social”, afirmou o médico.
O Acadêmico Maurício Lima Barreto concorda com o ponto de vista do colega. Professor titular em Epidemiologia do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia (ISC/UFBA), ele ressaltou que o modelo institucional do SUS já considera a base cientifica e tecnológica como um importante pilar para que sua arquitetura funcione. No entanto, o Brasil tem tido dificuldades em focar, também, no desenvolvimento de pesquisa. “Quando os estudos mudam de uma pesquisa filosófica ou de pequeno porte e passa a ser uma pesquisa mais vultuosa, conectada e que precisa trazer soluções a problemas da sociedade, nossas universidades têm sido muito lentas e incapazes de contribuir com esse papel”, avaliou o médico.
susa_2__edit.jpgPara Barreto, em países como Inglaterra e Espanha, que têm sistemas de saúde pública similares aos do Brasil, a geração de ciência e tecnologia é pensada também sobre um modelo de saúde universal. O Acadêmico sugere que seja desenvolvido no Brasil um programa de pesquisa integrado ao SUS, que vise aumentar a cultura cientifica entre os profissionais de saúde. “Como podemos transformar gerações de médicos sem uma cultura cientifica?”, questionou ele.
“Precisamos ampliar o conhecimento sobre os problemas nacionais de saúde, suas causas e determinantes. Influenciando, assim, o processo de formação dos médicos nacionais, por meio de pesquisas que considerem as especifidades regionais e que sejam feitas por locais”, acrescentou Barreto. De acordo com o médico, as novas tecnologias da informação têm colaborado com essa tarefa, gerando até mesmo a produção de ensaios clínicos. “Os dados do SUS já são um caminho para a produção de conhecimento, que pode levar à solução de questões do dia a dia dos médicos e garantir que o Brasil assuma uma liderança internacional em nichos específicos. Como vem acontecendo com os estudos de Zika”, afirmou.
Barreto ressaltou que a comunidade científica brasileira teve uma alta agilidade na identificação da Zika. “O vírus já havia passado pela Polinésia Francesa, mas a França não tinha o identificado como um problema. O alerta foi dado só a partir das pesquisas brasileiras”, enfatizou o Acadêmico.
Pesquisa e inovação via INCTs e desenvolvimento industrial
Pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e Acadêmico, Carlos Morel avalia que o Programa Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs) teve um papel fundamental na busca por um maior diálogo entre ciência e atenção primária na saúde. Os INCTs agregavam, de forma articulada, os melhores grupos de pesquisa em áreas de fronteira da ciência e em áreas estratégicas para o desenvolvimento sustentável do país. “Os INCTs são essenciais, mas têm sido colocados de lado”, criticou Morel.
O médico destaca que os INCTs também eram um mecanismo simples e rápido de colocar ideias em prática, além de possibilitar uma maior articulação com outros INCTs, gerando cursos interdisciplinares. “Advogados, engenheiros, juízes, gestores, engenheiros de produção, entre outros profissionais passaram a pensar a saúde em suas pesquisas. Teve tese de contrato de risco, medicamento anti-retrovirais, por exemplo”, enfatizou Morel. Segundo ele, houve uma forte produção de artigos e patentes a partir da criação do programa.
Recentemente, o pesquisador da Fiocruz conseguiu que o Instituto de Genômica de Pequim (BGI, na sigla em inglês), o maior centro de sequenciamento genético do mundo, estabelecesse uma parceria com o Brasil, por meio da instalação de um laboratório dentro do Parque Tecnológico da UFRJ. “Isso só foi possível porque ainda havia recursos do INCT 2. Uma colaboração com um país em franco crescimento e o melhor do mundo na área de sequenciamento é uma possibilidade real de transferência de tecnologia”, ressaltou Morel.
susa_5__edit.jpgO Acadêmico lembrou ainda que o BGI fez trabalhos sensacionais de mapeamento do vírus zika. “Além de produzirem todos os aparelhos utilizados nos laboratórios, o instituto sequenciou e estocou todas as sementes importantes para a agricultura do mundo”, contou ele.
Economista de formação, o pesquisador associado do Grupo de Inovação em Saúde da Escola de Saúde Pública da Fiocruz (GIS/ENSP), Marco Antonio Vargas trouxe para o debate alguns dados dos investimentos em inovação industrial na área de saúde. Segundo ele, o país conseguiu construir ao longo dos últimos 15 anos uma política de inovação, via fortalecimento da infraestrutura tecnológica em saúde. No entanto, para ele, o que se vê hoje é um retrocesso. “O Brasil precisa reafirmar a importância de uma política industrial de inovação, como um vetor de mudança estrutural e busca de um novo padrão de desenvolvimento inclusivo e sustentável”, afirmou Vargas. “Não vejo nenhuma área mais promissora, como um projeto de desenvolvimento, do que a saúde. Carrega-se nela tanto a ideia de bem-estar social, quanto toda uma infraestrutura de tecnologia”, acrescentou.
De acordo com o especialista, na última década, a política nacional de inovação industrial em saúde foi puxada por programas públicos de apoio, via Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Tais programas alavancaram o setor e fizeram a indústria crescer, especialmente a partir dos genéricos. “Foi assim que houve a mudança na estrutura de dispêndios. As empresas passaram a investir pesadamente em pesquisa e desenvolvimento interno. Deixaram de embalar medicamentos para, então, produzir genéricos e contratar cientistas e, assim, responder aos desafios da nova política industrial”, ressaltou Vargas.
Para o pesquisador, o país como o Brasil, que conta com uma ampla gama de instituições e grupos consolidados de pesquisa na área da saúde fortemente concentradas no Sul e no Sudeste, precisa aproveitar melhor seu potencial. “Temos que ampliar a participação brasileira em áreas-chaves, como a bioquímica, a genética e a biologia molecular”, afirmou.
Segundo o economista, o país precisa superar as políticas de caráter linear e “ofertistas”. “O investimento em pesquisa básica é fundamental, mas é preciso que haja investimentos em toda a cadeia, até mesmo recursos para que o estado compre o produto fabricado pela indústria nacional”, acrescentou. Vargas avalia que o país deveria criar uma política de desenvolvimento industrial na área que contemplasse todos os elos da cadeia produtiva, da pesquisa e desenvolvimento até a compra do produto.
“Quando se pensa em investimentos em P&D [pesquisa e desenvolvimento] em ciências da vida, fala-se em US$ 177,6 bilhões aplicados por ano. Só os Estados Unidos participam com 42% do que é produzido no mundo. Não é à toa que 1/4 da economia americana está pautada em saúde”, destacou Vargas, salientando que o Brasil tem competência para conquistar seu espaço nesse mercado.