Entre os dias 3 e 5 de julho, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) sediou o Workshop Internacional de Tecnologias Inovadoras para Segurança Química: Ciência pela Paz, promovido pelas Academias Nacionais de Ciências (NAS, na sigla em inglês) dos EUA em parceria com a Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPCW, na sigla em inglês), a ABC e a União Nacional de Química Pura e Aplicada (IUPAC). Cientistas de diferentes áreas e de diversos países se reuniram em sete sessões plenárias, após a cerimônia de abertura.
Visão geral e histórico
A primeira sessão plenária contou com a participação do presidente da ABC, Luiz Davidovich; o presidente do Conselho de Assessoria Científica Científico da OPCW Christopher Timperley; o presidente da Sociedade Brasileira de Química (SBQ), Aldo Zarbin; o consultor de Políticas Científicas da OPCW, Jonathan Forman; a inspetora de Armas Químicas da OPCW, Katarina Grolmusova e o responsável pelo braço de Assistência e Proteção da OPCW, Guy Valente.
O presidente da ABC, Luiz Davidovich, relembrou brevemente o histórico da ciência no Brasil e como ela foi feita de forma tardia. Reconheceu ainda o notável progresso científico desde a criação das primeiras universidades, no início do século XX e afirmou que esta ciência foi capaz de produzir, mesmo em pouco tempo, resultados que hoje são fundamentais para a economia brasileira, como as empresas Embraer, que exporta aviões para todo o mundo; Petrobras e Embrapa, instituição reconhecidamente essencial na produção agrícola. “Todos estes exemplos mostram o tanto que a ciência brasileira fez pelo país neste curto espaço de tempo”, pontuou Davidovich.
Falaram também Jonathan Forman e Christopher Timperley, da OPCW. Eles relataram que a OPCW nasceu como resposta a uma das exigências do Protocolo de Armas Químicas, decretado em 1997, que busca coibir a produção e circulação de substâncias para destruição em massa. Os países que hoje são membros da Organização se comprometem em não manter nenhum estoque dessas substâncias e ainda garantir a fiscalização do seu uso.
Aldo Zarbin apresentou a SBQ, que foi fundada em 1977 e tem como uma das principais missões garantir o uso pacífico e benéfico do conhecimento químico. Esta meta permeou as temáticas do evento, estabelecendo uma relação direta com o principal objetivo da OPCW. “Esperamos que este encontro seja o começo de uma relação. É um canal que se abre entre duas instituições que têm muitas afinidades”, comentou Zarbin.
Encerrando a sessão, Katarina Grolmusova e Guy Valente explicaram como são feitas as missões de reconhecimento e investigação de armas químicas e os desafios para os técnicos da organização. Valente aprofundou o debate sobre o uso de veículos não tripulados como apoio nas missões promovidas pelos inspetores da OPCW. Ele explicou que sua pesquisa consiste em otimizar a aplicação de drones e veículos robóticos terrestres para verificar e mapear áreas de risco para onde seja necessário enviar equipes de inspeção e, ainda, para recolher amostras de resíduos químicos. “Neste trabalho, a segurança pessoal de cada equipe é um aspecto de grande importância e é muito valioso ter um membro do time que não precisa de água, comida ou que não tem uma família com a qual tenha que se preocupar”, pontuou Valente.
Reconhecendo Mudanças Bioquímicas
A segunda sessão plenária reuniu pesquisadores das áreas de agricultura, bioquímica e física para debater o que o meio ambiente têm a oferecer para a investigação de armas químicas. Os palestrantes foram o engenheiro mecânico Ricardo Inamasu, da Embrapa Labex (BR); o microbiologista Matheus Kuska, da Universidade de Bonn, na Alemanha; o físico Oscar Björnham, da Agência Sueca de Pesquisa em Defesa (FOI Sweden); a química Elisa Orth, da Universidade Federal do Paraná (BR) e o engenheiro eletrônico Cristhian Manuel Durán Acevedo, da Universidade de Pamplona, na Colômbia.
Ricardo Inamasu falou de seus estudos em agricultura de precisão, uma visão alternativa da atividade agrícola que visa potencializar a produção, utilizando menos recursos e causando menos impacto no meio ambiente. O processo é viabilizado pela observação e análise das variações ambientais. Para isso, é necessário o uso de sofisticados equipamentos e sistemas de detecção. “O objetivo principal e maior benefício desse sistema é a possibilidade de produzir mais e com maior qualidade gastando-se menos”, ressaltou o engenheiro.
Também orientando pesquisas relacionadas à plantas, Matheus Kuska, da Universidade de Bonn, na Alemanha, apresentou seu trabalho que aborda o uso de sensores para detecção de doenças que acometem plantações e prejudicam a produção agrícola. Os principais tipos de sensores que vêm apresentando resultados promissores são os termógrafos, os que utilizam fluorescência e clorofila e os sensores hiperespectrais. “Essa variedade de tipos sensores permite que tenhamos dados de alta resolução que constituem a base para uma detecção adiantada de doenças nessas plantações”, explica Kuska.
Já em uma perspectiva de larga escala e abordando o monitoramento de macroambientes, Oscar Bjönham, doutor em física pela Universidade de Umea, na Suécia, falou sobre o uso de satélites e modelos de dispersão aplicados a um caso conhecido, ocorrido em Al-Mishraq, no Iraque. Em 2016, o Daesh (Estado Islâmico) incendiou uma zona de produção de enxofre durante os conflitos em Mosul, liberando uma nuvem tóxica espessa e prejudicando a saúde de milhares de pessoas na região. Devido a seu volume, a fumaça pôde ser detectada por satélites. Björnham explica que sua pesquisa consiste em aliar dados de modelos de dispersão com informações conseguidas por satélite para definir níveis de concentração dos campos analisados. “Apenas os dados de satélites sozinhos não seriam suficientes para chegarmos a conclusões, mas unindo essas informações podemos buscar respostas para algumas perguntas, como a origem de um foco de incêndio, por exemplo”, comentou.
A doutora em química Elisa Orth trouxe para o debate o desenvolvimento de catalisadores que são capazes de alterar a função química de substâncias tóxicas. O estudo de seu grupo é focado na análise de pesticidas que, no Brasil, são usados em quantidades excessivas nos alimentos. Alguns deles já foram proibidos e é necessário desfazer-se dos estoques de forma não tóxica para o ambiente. Diversas substâncias são utilizadas pelo seu grupo de pesquisa na elaboração de catalisadores, incluindo resíduos agrícolas, como a casca de arroz. “O nosso estudo busca garantir que o material que formamos após essas reações químicas seja menos tóxico do que aquele do qual partimos”, diz Orth.
Christian Manuel Durán Acevedo, pesquisador da área de engenharia eletrônica da Universidade de Pamplona, na Colômbia, falou sobre o uso de sistemas multisensores, também conhecidos como e-noses [narizes eletrônicos], integrados a redes sem fio para detecção de gases com potencial risco para a saúde de pessoas. A tecnologia de e-nose foi usada em testes de identificação de pacientes com câncer gástrico. O sistema era composto por sensores gasosos de nanopartículas orgânicas, um dispositivo de amostragem e um sistema de aquisição de dados, acoplados a um computador com software de processamento. “Os resultados dos testes mostram que este sistema de pré-diagnóstico é uma ferramenta em potencial para ser utilizada em hospitais e centros de saúde, auxiliando o trabalho dos profissionais da área”, explica Acevedo.
Tecnologias móveis e vestíveis e equipamentos portáteis inteligentes [Point of Care – POC]
A terceira sessão plenária reuniu os químicos Murilo Santhiago, do Laboratório Nacional de Nanotecnologia (LNNano) – unidade integrante do Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM), localizado em Campinas (SP) e que pertence ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) – e o pesquisador do Laboratório Nacional do Nordeste do Pacífico (PNNL, na sigla em inglês), nos EUA, Richard Ozanich.
Coordenador da área de pesquisa de produtos eletroquímicos flexíveis no LNNano, Murilo atua com a produção de um sistema eletroquímico e eletrotécnico flexível, à base de papel. Em outras palavras, um biossensor feito de papel, capaz de mapear compostos químicos e que pode ser utilizado tanto na medicina como na área ambiental e na indústria. O sistema inteligente está, por exemplo, nos testes rápidos de gravidez, aqueles comprados em farmácia e que detectam a presença do hormônio beta-HCG na urina.
Em sua palestra, Murilo apresentou um panorama dos avanços nas pesquisas do campo, que utilizam circuitos eletrônicos baseados em nanomateriais. A tecnologia pode ser utilizada desde a área médica até a agricultura e, inclusive, para criar biossensores vestíveis, presentes, por exemplo, em luvas e outros equipamentos de segurança usados em laboratórios ou na indústria. “Por meio da celulose, que é um material biocompatível, é possível mapear compostos químicos sobre a pele e, assim, detectar a presença de vapores tóxicos. Sensores sobre a pele com sinais elétricos com um LED podem acender quando o profissional está na presença de uma substância tóxica, por exemplo”, explica Murilo.
Hoje, o grupo que ele trabalha, dedica-se a um projeto com a Fiocruz que usa o biossensor na detecção de microtoxinas em amostras de água. “É um teste rápido de balneabilidade, análise point of care“, diz Murilo, que há seis anos, desde o doutorado, estuda sistemas eletrônicos e eletroquímicos flexíveis.
Os biossensores têm sido bastante aplicados nos cuidados com a saúde. Este foi o foco da palestra do químico do Laboratório Nacional do Nordeste do Pacífico (EUA), Richard Ozanich. Há 25 anos ele se dedica à área de biodetecção com especialização em sensores vestíveis, que podem ser utilizados para identificar doenças provocadas por bactérias, por exemplo. O pesquisador lembrou que já existem sensores deste tipo capazes de detectar as atividades cardíacas, do cérebro, dos músculos, do sistema respiratório e até a temperatura da pele.
O pesquisador liderou uma equipe de cientistas que realizou mais de 5 mil testes para avaliar o desempenho de 35 diferentes produtos para a biodetecção de doenças. Segundo ele, o biossensor poderia ser usado para detectar febre, problemas respiratórios e calafrios pela inalação de antrax, uma bactéria (Bacillus anthracis). “Todo o sistema estaria conectado a um dispositivo inteligente, como um smartphone“, disse.
De acordo com o especialista, a mesma tecnologia poderia ser utilizada ainda para detectar gases explosivos e tóxicos, como amônia, cloro e enxofre. “Um monitoramento que poderia ser feito com o uso do smartphone, mostraria o tipo de gás e sua concentração”, afirmou Richard.
Para ele, o maior desafio do futuro será criar sensores voltados com o cuidado com a saúde e a segurança. “Serão acessórios, assim como o Google glass, teremos brincos, joias e roupas com a qualidade de serem detectores químicos e biológicos vestíveis. Há a expectativa ainda de termos biossensores de exposição a doenças, que detectam bactérias”, afirmou Richard, ressaltando o baixo custo da tecnologia.
Saúde Digital
A quarta sessão plenária do workshop contou com apresentações da geneticista Xiao Li, pesquisadora-visitante da Universidade de Stanford (EUA) e do engenheiro George Harris, fundador e chefe do escritório de tecnologia da companhia que desenvolve equipamentos médicos, a Basil Leaf Technologies.
Com a ajuda dos relógios-inteligentes, os smartwatches, Xiao Li estuda como o organismo humano se comporta em situações extremas, com pouco oxigênio e baixa pressão, comuns, por exemplo, nas viagens de avião. Ela apresentou no evento os resultados desse estudo, que envolveu 43 pacientes. Batimentos cardíacos, temperatura da pele, comportamento do sono, peso, radiação e saturação de oxigênio foram alguns dos itens analisados pela pós-doutoranda. “Encontramos mudanças impressionantes na diminuição da saturação de oxigênio (SpO2) e aumento da exposição à radiação. Esses eventos estão associados à fadiga, provocando forte associação entre pressão reduzida/oxigênio e cansaço nos voos de grande altitude”, explicou.
Os relógios-inteligentes foram usados, também, para a identificação de sinais precoces de doença de Lyme (infecção bacteriana transmitida por carrapatos) e inflamações. Segundo Xiao Li, a tecnologia se mostrou ideal para a prevenção do desenvolvimento dessas doenças, já que o aparelho grava todas as informações do corpo do paciente. “Mudanças fisiológicas durante o dia ou o surgimento de uma doença, tudo isso são informações complementares que podem ajudar no tratamento médico”, ressaltou.
Engenheiro de computação, George Harris desenvolve equipamentos que permitem o auto-monitoramento de pacientes, contribuindo para um acompanhamento mais completo da saúde do paciente pelos médicos. Ele é fundador e chefe do escritório de tecnologia da Basil Leaf Technology. A empresa tem levado para a medicina tecnologias que antes eram vistas apenas em filmes de ficção científica. Similares ao relógio-inteligente, os aparelhos desenvolvidos pela Basif Leaf Tech ajudam a fazer 34 diagnósticos e apontar 13 doenças com 70% de segurança. “São capazes de monitorar cinco sinais vitais e possível de ser usado por pessoas não treinadas”, explicou George.
Além disso, o aparelho não depende de upload para fazer análise e nem de um data center regional próximo. “É ideal para o uso em locais remotos, sem internet, com altos custos de sinal e baixa infraestrutura”, diz o especialista, que ressalta que o aparelho conta com uma bateria de longa vida e é adaptável ao telefone comum e tablets. “O sistema de monitoramento inteligente pode passar informações mais precisas ao médico que o próprio relato do paciente”, afirmou.
Segundo Harris, o equipamento pode medir a pressão sanguínea; identificar o som dos pulmões, funcionando como um estetoscópio digital; prever um ataque cardíaco; servir como um sensor de sangue não invasivo, semelhante aos sensores de oximetria de pulso e o aparelho de glicose; e até ser um kit de teste de urina. O engenheiro explicou que, por meio do uso da câmera do celular, o paciente poderia fotografar um cartão com uma espécie de QR Code que ressaltaria determinadas cores de acordo com os elementos presentes na sua urina.
“Os resultados são confiáveis e os custos não são altos. Esse aparelho pode ajudar em uma emergência e em um diagnóstico médico mais completo. Num futuro próximo, acredito que conseguiremos diagnosticar precocemente doenças como o diabetes e o câncer de pele”, disse Harris. Ele espera que o equipamento seja bem aceito por toda a comunidade médica e, consequentemente, seja aprovado pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos (FDA) e por agências internacionais de saúde.
Coletando dados em ambientes perigosos e remotos
A sessão plenária intitulada “Coletando dados em ambientes perigosos e remotos“ teve como palestrantes o físico Jorge Diáz, da Universidade da Costa Rica; o engenheiro Jim Birch, do Instituto de Pesquisa do Aquário da Baía de Monterey (MBARI, na sigla em inglês), nos EUA; o engenheiro Grzegorz Kowalski, do Instituto de Pesquisa Industrial para Automação e Medidas (PIAP), na Polônia; e o bioquímico Marcel van der Schans, da Organização Holandesa para Pesquisa Científica Aplicada (TNO).
Com PhD pela Universidade de Minesotta, o físico costa-riquenho Jorge Diaz falou sobre sua experiência com vulcões. Há 22 anos ele trabalha com desenvolvimento de instrumentação. “Tradicionalmente, os vulcanologistas iam ao local, coletavam material e levavam para analisar no laboratório. Meu trabalho é desenvolver equipamentos portáteis para levar aos vulcões e fazer a coleta e as análises in situ.” Seu foco são sistemas miniaturizados de espectrômetros de massa portáteis para uso em ambientes de risco.
Ele também desenvolve drones – veículos aéreos sem presença humana, controlados remotamente – para medição de emissões de gases dos vulcões. Presta serviços à NASA em diversos projetos relacionados à avaliação e desenvolvimento de instrumentos como os citados. “O uso destes recursos é muito variado, podem ser utilizados tanto na Terra como no espaço”, explicou Diáz.
Os drones carregam diversos tipos de sensores químicos e físicos, que tiveram grande impacto sobre a forma como autoridades e cientistas passaram a poder explorar lugares de difícil acesso em função do risco envolvido, coletando material em tempo real. “Em relação aos vulcões, podemos saber se ele está prestes a entrar em erupção pelas emissões de gases pré-eruptivos. A mesma técnica pode ser aplicada para identificar armas químicas e manter a segurança química sem colocar pessoas em risco.”
Diáz conta que foi a erupção inesperada do vulcão Ejyafjallajokull, na Islândia, em 2010, que ressaltou a deficiência da segurança da informação sobre o que está ocorrendo dentro de vulcões ativos. “Para evitar os acidentes aéreos e outros em função das nuvens de cinzas que se espalharam por quilômetros, o monitoramento constante, em tempo real, é fundamental.”
Além de gerenciar sua própria empresa – New Technology Costa Rica Consulting (NTCR) – ele atua como consultor para a NASA e outras empresas. Diáz tem várias patentes e recebeu diversos prêmios, incluindo a Medalha de Ouro Internacional da Organização Mundial de Propriedade Intelectual (WIPO, na sigla em inglês) e o Prêmio Científico Nacional por suas pesquisas e desenvolvimentos.
A vida na Terra depende dos oceanos, no mínimo pelo fato de que 70% do oxigênio da nossa atmosfera ser originada da fotossíntese de fito plânctons, ressaltou o engenheiro Jim Birch, doutorado pela Universidade de Michigan e atualmente cientista do Instituto de Pesquisa do Aquário da Baía de Monterey (MBARI, na sigla em inglês). Ele falou sobre o desenvolvimento dos EPS [Environmental Sample Processor], sensores ecogenômicos móveis.
Desde a pós-graduação, Birch vem se dedicando ao desenvolvimento de tecnologia de biodetecção, utilizada em biomedicina, até começar a atuar no MBARI, em 2007. Lá acompanhou o desenvolvimento de sistemas instrumentais para pesquisa oceanográfica e desde 2009 é diretor do Centro SURF – sigla em inglês para Sensores: Pesquisa Submarina do Futuro, onde trabalha com o desenvolvimento e otimização de um Processador de Amostras Ambientais (ESP, na sigla em inglês). “Este equipamento está sendo desenvolvido a partir de técnicas utilizadas nos instrumentos da área da biomedicina. “Acoplamos essas técnicas e instrumentos a sensores oceanográficos tradicionais, que indicam propriedades físicas, químicas e ópticas de águas profundas. Chamamos o produto de ‘sensor ecogenômico’, um dispositivo que pode aplicar técnicas de análise molecularin situ”, explicou o pesquisador. Agora, o foco é adaptá-lo para utilização num tipo de drone submarino, o que lhe dará uma mobilidade única para acessar áreas inexploradas do oceano.
Birch destaca que o ESP é capaz de identificar em tempo real a presença e abundância de organismos específicos na água, seus genes e/ou metabólitos. Ele também recolhe e preserva amostras que podem ser analisadas depois, nos laboratórios. Sua utilidade para detectar armas químicas, portanto, é inequívoca.
Mestre em engenharia robótica pela Universidade de Varsóvia, desde 2006 Grzegorz Kowalski trabalha no Instituto de Pesquisa Industrial para Automação e Medidas (PIAP, na sigla em polonês). Lá ele atua em projetos nacionais internacionais de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) focados em robôs móveis, acessórios robóticos, interface homem-máquina, visão de máquina, realidade virtual e realidade aumentada. Os dispositivos desenvolvidos visam criar documentação remota e evidências forenses.
No evento, Kowalski – que é chefe da Divisão de Sistemas de Segurança e Defesa do PIAP – apresentou uma “caixa de ferramentas” modular robótica para apoio a identificação de agentes químicos, biológicos, radioativos ou nucleares [CBRN] em áreas contaminadas. “Ela é diferente das existentes no mercado por sua alta configurabilidade e interoperabilidade para o usuário final”, diz Kowalski, explicando que o conceito deste tipo de equipamento é que cada módulo da “família” possa trabalhar de forma independente da plataforma principal e possa ser controlada de várias formas, de acordo com a escolha do operador. “São interfaces de software que permitem o ajuste e controle de todos os acessórios robóticos para as necessidades de missões específicas. Assim, desenvolvemos acessórios adequados a vários tipos de projeto de pesquisa e de interesse comercial do Instituto.”
O bioquímico Marcel van der Schans trabalha na empresa holandesa de inovação TNO, que atende ao governo holandês e agências internacionais, como a OPWA. Schans é especialista na detecção, identificação e monitoramento (DIM) de agentes químicos, biológicos, radioativos ou nucleares (CBRN) por meio de veículos aéreos não-tripulados (UAVs, na sigla em inglês).
Schans relatou que a possível presença de componentes químicos tóxicos em espaços militares é normalmente monitorada por detectores pontuais. Há desvantagens neste tipo de detector como, por exemplo, a quantidade demandada de unidades para cobrir uma área grande e a sensibilidade à interferência do tempo e das nuvens. A forte necessidade de dispositivos capazes de identificar ameaças químicas a longa distância foi o estímulo para a criação dos UAVs com capacidades DIM para CBRNs.
O Ministério da Defesa holandês, segundo Schans, reuniu então uma pequena empresa que produzia UAVs, a Delft Dynamics, com a empresa de pesquisa TNO para desenvolverem, em conjunto, um protótipo de drone CBRN. Sua apresentação no evento foi sobre este dispositivo e suas perspectivas de evolução.
O modelo foi concebido com sensores integrados e um sistema de coleta de amostras. Em função da limitação de peso e de tempo de voo, a utilização do drone CBRN é restrita a um alvo direcionado, sendo equipado com um sistema inteligente de amostragem. Este dispositivo é um recipiente a vácuo ou com difusão de gás hélio, que pode ser ativado manual ou remotamente.
Monitoramento Internacional
Outra das sessões plenárias reuniu o químico Andre Arias, pesquisador do Instituto Argentino de Oceanografia (AR) e a especialista em políticas de segurança Catherine Dill, do Instituto Middlebury de Estudos Internacionais em Monterey, nos EUA.
Chefe do Laboratório da Área de Química Analítica da Universidade Nacional do Sul da Argentina, Andre Arias abordou as redes de monitoramento de mudanças biogeoquímicas em ambientes marítimos e costeiros. Sua linha de pesquisa envolve a biogeoquímica marítima e a monitoração oceânica, incluindo as mudanças provocadas pelo ser humano, avaliação e controle da poluição ambiental, focado em componentes orgânicos persistentes, seu transporte atmosférico e sua bioacumulação.
Arias é um expert em amostragem química ambiental, o que garante aporte de recursos governamentais para suas pesquisas e muitos orientandos em nível de pós-graduação. Ele defende o trabalho em rede, pois considera que esse tipo de atividade científica reforça os laços entre cientistas com interesses comuns de países diversos, promove a cooperação e troca de conhecimentos e envolve tanto pesquisadores seniores como iniciantes.
O cientista atua, especificamente, em redes científicas internacionais que tratam de questões de monitoramento, observações biogeoquímicas, ciência marinha e costeira. Além de pesquisar recursos pesqueiros, ele lida com poluentes e pesticidas persistentes, assim como eventos extremos, como inundações e ataques químicos. Esta cooperação é coordenada pelo CONICET argentino, instituição correspondente, de certo modo, ao nosso Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
Todos os projetos de Arias têm características interdisciplinares, por envolverem o desenvolvimento de ferramentas para a exploração inteligente de dados, de modo a possibilitar análises e projeções, calcular modelos parametrizados baseados nestes dados e gerando informação nova e útil sobre o sujeito da observação. “Nosso foco é permitir que os atores envolvidos no tema adquiram mais conhecimento para tomar decisões mais adequadas”, explica o cientista.
Atualmente ele está desenvolvendo um sistema de monitoramento através de uma rede de boias científicas, controladas por acesso remoto, inclusive pela internet. “Assim como são utilizadas para medir a velocidade do vento, temperatura e umidade do ar, nível da água, sua temperatura e condutividade, também podem ser programadas para detectar ameaças químicas”, explicou Arias.
Especialista em políticas de segurança, Catherine Dill é pesquisadora senior associada ao Centro James Martin de Estudos de Não-proliferação (CNS, na sigla em inglês) do Instituto de Estudos Internacionais Middlebury em Monterey (EUA). Lá ela fez seu mestrado em Estudos sobre Terrorismo e Não-proliferação. Anteriormente, ela já havia trabalhado como consultora senior na empresa de consultoria e gestão Booz Allen Hamilton como analista de ameaças radiológicas e nucleares em Washington DC.
Dill começou a trabalhar na OPCW em 2012, na Divisão de Verificação. Seu portfolio de pesquisa inclui um extenso trabalho em imagens de satélite e análises de sensoriamento remoto relacionadas a armas nucleares. Ela trabalha diretamente com pesquisas de código aberto, processamento de imagens de satélite, análise geoespacial e tem familiaridade com diversos tipos de sensores de satélites.
A cientista atuou na implantação de um site construído em rede colaborativa – geo4nonpro.org – dedicado à análise de imagens de satélites com interesse para defesa e para não proliferação nuclear. Ela atua ainda em pesquisa de programas de mísseis e de não-proliferação de armas atômicas, exportando políticas de controle para o leste da Ásia. Estas políticas visam a identificação de redes de busca ilegais na internet, propõem sanções relativas a não-proliferação e avaliam o efeito das tecnologias emergentes nas políticas de não-proliferação e estabilidade estratégica. “O CNS se empenha no combate à disseminação de armas de destruição em massa, treinando a próxima geração de especialistas na área. É a maior organização não-governamental norte-americana dedicada exclusivamente à pesquisa e treinamento de pessoal para a causa da não-proliferação”, explicou Catherine Dill.
Sua apresentação no evento foi sobre o uso do sensoriamento remoto em análise de não-proliferação. Com a abundância de imagens de satélite e aéreas existentes atualmente, as aplicações do sensoriamento remoto para segurança aumentaram muito e estão sendo exploradas possíveis aplicações em química e biossegurança. O CNS tem usado, especificamente, imagens de satélites ópticos para mapear, geolocalizar e monitorar instalações suspeitas e identificar mudanças relevantes nessas instalações.
Além das imagens coloridas naturais, o CNS utiliza satélites contendo bandas de luz não-visíveis, para entender melhor a natureza e o status das operações realizadas nessas instalações e no ambiente circundante. Essa atividade inclui o uso de imagens de satélite de ondas curtas infravermelhas térmicas e imagens de satélite hiperespectrais e vem sendo desenvolvido em parceria com tecnólogos do Vale do Silício. Ela apresentou um estudo de caso no qual foi utilizada uma combinação de imagens em terra com imagens de satélite para entender as capacidades para guerra biológica da Coreia do Norte.
Implementação de equipamentos de engenharia computacional aplicados à Convenção de Armas Químicas
A penúltima plenária do evento Ciência pela Paz constou da apresentação do consultor em tecnologia química e CBRN [ameaças químicas, biológicas, radiológicas e nucleares] do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações do Brasil (MCTIC) Evandro de Souza Nogueira.
Nogueira também é professor do Programa de Graduação em Química do Instituto Militar de Engenharia (IME). Sua experiência envolve armas químicas e biológicas, desenho de reatores químicos, tecnologia de polímeros, simulação e modelagem computacional, dinâmica computacional de fluídos, segurança química, educação para o uso pacífico de químicos.
Em sua palestra no evento, Nogueira falou sobre a dinâmica computacional de fluídos (CFD), que definiu como a ciência da predição do fluxo dos fluídos, transferência de calor, transferência de massa, reações químicas e fenômenos relacionados por meio da resolução de equações matemáticas que controlam esses processos através de procedimentos numéricos. “O que resulta das análises CFD são relevantes dados de engenharia, usados em estudos conceituais de novos projetos, detalhamento do desenvolvimento de produtos, solução de problemas e redesenho”, explicou o químico.
Plenária final: um resumo dos debates paralelos
O último dia do evento foi dedicado à apresentação dos resumos de quatro sessões paralelas. Os palestrantes e pesquisadores se dividiram por temas: Aprimorando as capacidades dos inspetores; Detecção à distância e sistemas de aviso prévio; Reunindo e integrando fluxos de dados – há uma necessidade de implementação no Protocolo?; e Oportunidades para Novas Tecnologias na implementação do Protocolo de Armas Químicas.
Após os debates, os grupos apresentaram seus resultados. O primeiro deles, representado pelo vice-presidente do Comitê Científico da OPCW e especialista em munição para armas químicas Cheng Tang, sumarizou os assuntos discutidos em três principais questões: quais as condições essenciais para os inspetores da OPCW conduzirem inspeções ou investigações?; que tipo de inovações tecnológicas poderiam ser usadas para otimizar as habilidades dos inspetores?; e, por fim, de que forma essas inovações poderiam fazer isso?
As discussões do grupo levaram a crer que é essencial que os inspetores tenham um forte aparato de segurança e ainda que esse sistema não interfira na principal atividade, que é o recolhimento de evidências. Ressaltaram também a importância de que haja dispositivos tecnológicos à disposição para o monitoramento, detecção e identificação das amostras recolhidas nas missões, o que incluiu ferramentas para registro dos ambientes e a necessidade de um sistema de comunicação muito bem estruturado.
Em relação às inovações tecnológicas, é essencial a presença de robôs de acesso e documentação dos ambientes vistoriados, com sensores remotos térmicos e ópticos. Nesse escopo, compreende-se as tecnologias de sensores ópticos, e-nose, UAVs (sigla em inglês para veículos aéreos não tripulados), captura e análise de imagens de satélite e tecnologias que permitam detectar e identificar amostras ainda dentro do campo e tecnologias de monitoramento de saúde e segurança. Todas essas tecnologias, explicou Tang, buscam garantir que haja um planejamento detalhado de cada missão, utilizando imagens de satélites e dados; incrementar a acessibilidade e o trabalho nos locais visitados, com drones, robôs, e-noses e redes sem fio; e garantir a proteção e saúde da equipe.
Por fim, o grupo sugeriu que, para o desenvolvimento dessas tecnologias, a OPCW se reúna com indústrias já comprometidas com as recomendações da organização para que criem projetos voltados para essas pesquisas.
O segundo grupo, que tratou dos sistemas de detecção preventiva pontuou a importância do uso de smartphones, tanto pela população em geral, quanto por autoridades, que devem providenciar informações rápidas e confiáveis, agilizando processos de retirada de pessoas, atendimento médico e etc. Aplicativos de detecção para smarthphones estão em fase de pesquisa e espera-se que possam ser comercializados em cerca de dez anos, quando seu progresso e eficácia devem ser monitorados, explica o moderador do grupo, François Van Straten, cientista senior da Corporação de Energia Nuclear da África do Sul (NECSA). A produção de sensores à distância para que populações próximas a locais de conflitos possam fazer detecções prévias também foi estimulada.
O grupo ressaltou ainda a importância dos drones para a detecção de nuvens químicas que não possam ser identificadas por satélites e a possibilidade de se investir em satélites de cobertura próxima, que sejam sensíveis a este tipo de concentração.
Representado pelo químico David Gonzalez, da Universidade da República do Uruguai, o grupo de fluxo de dados ressaltou a necessidade do aumento do uso de satélites e da tecnologia de imagem hiperespectral, que podem ser usados em operações de contingência, na visualização aérea de áreas de conflito, como foi exposto nas apresentações. Pontuaram que o uso de drones, embora muito úteis em diversas situações, apresenta limitações, como em países que tem leis específicas para sua operação. Destacaram ainda a utilidade das chamadas tecnologias vestíveis, que podem ser aplicadas tanto em detecções prévias, quanto na proteção dos inspetores e na avaliação do grau de exposição.
Com suas ideias apresentadas por Jonathan Forman, da OPCW, o último grupo concluiu que todas as áreas contempladas pelo Protocolo de Armas Químicas são adaptáveis às novas tecnologias e que a transdisciplinaridade é um aspecto crucial no debate do tema. Além disso, um olhar direcionada para as necessidades dos inspetores da organização facilita e agiliza os processos de treinamento e, principalmente, de desenvolvimento de novas tecnologias para a área. Desenvolvimento este que deve ser um esforço em parceria de setores públicos e privados, ressalta Forman.
Ao fim do evento, Christopher Timperley sumarizou os principais pontos debatidos em cada um dos temas. Para ele, o evento permitiu a integração de diferentes tecnologias que, reunidas, tem maior eficácia e ajudam e otimizam o trabalho dos inspetores da OPCW. “Acredito que um dos principais pontos desse workshop foi reunir pessoas de diferentes áreas que normalmente não trabalhariam juntas, mas que estão tentando resolver os mesmos problemas e que, juntos, podem chegar a melhores resultados”, comentou. Jonathan Forman ressaltou que muitos dos trabalhos apresentados estão em fase de pesquisa e que podem representar grandes contribuições, conforme os estudos avancem. “Todas as tecnologias vistas aqui podem ser usadas em diferentes fases das operações, desde prevenção até investigação, e precisamos incentivar essa pesquisa para chegar às aplicações que o mundo necessita”, pontuou Forman.