A Sessão Científica: Um Projeto de Ciência Para o Brasil (PCBR), realizada em 10 de maio na Reunião Magna da Academia Brasileira de Ciências 2017, no Museu do Amanhã, reuniu quatro Acadêmicos: o diretor-presidente da Embrapii Jorge Guimarães, o presidente da ABC Luiz Davidovich, o diretor científico da Faperj Jerson Lima Silva e o secretário municipal de Desenvolvimento Sustentável, Ciência e Tecnologia de São Carlos, José Galizia Tundisi. Os dois últimos são os coordenadores do PCBR e da Reunião Magna deste ano.
Eles apresentaram um pouco do que está sendo desenvolvido voluntariamente por mais de 100 cientistas brasileiros em 14 grupos de estudo e falaram sobre a importância da ciência, tecnologia e inovação (CT&I) para a retomada do crescimento do país.
C&T no suporte à inovação na indústria do Brasil
Jorge Guimarães abordou o estágio preliminar ao PCBR, detalhando os conceitos de pesquisa em CT&I no país. “A pesquisa pura é feita no Brasil por poucos pesquisadores. “Ela é realizada por matemáticos, físicos, químicos, alguns bioquímicos como Leopoldo de Meis (IBqM/UFRJ por exemplo, economistas e filósofos”, listou Guimarães.
Já a pesquisa básica ou estratégica, segundo Guimarães, é a maior força da pesquisa brasileira. É feita em todas as áreas experimentais das ciências biomédicas, exatas, humanas e sociais, medicina e saúde, agricultura. “Temos milhares de exemplos de projetos de pesquisa com caráter estratégico para o país sobre doenças humanas, de animais e plantas, microrganismos, biodiversidade, agricultura, educação e problemas sociais, geociência, química, física, clima, etc.”.
“Chamo de estratégica essa forma de pesquisa básica, porque ela envolve inúmeros exemplos de pesquisa de boa qualidade em temas de interesse do país. Exemplo típico é a quantidade de novos conhecimentos gerados em doenças tropicais (cerca de 18% dos artigos no mundo) sem, contudo, haver geração de medicamentos, vacinas e outros produtos para o diagnóstico e tratamento dessas doenças, que caberia ao setor industrial criar”.
A pesquisa aplicada ou aplicável feita por outros grupos tem sido realizada também sem o envolvimento do setor empresarial, em projetos de desenvolvimento próprio dos grupos de pesquisa. “Há muitos exemplos, como produtos naturais, busca de descoberta de drogas, biotecnologia, a nanotecnologia do grafeno e dos nanotubos etc.”, exemplifica o Acadêmico.
A pesquisa aplicada (PD&I) que tem efetiva aplicação é desenvolvida por grupos capazes de interagir com empresas industriais, em eletroeletrônica, informática, química, engenharias mecânica e civil, aeronáutica, biotecnologia, manufatura avançada, petróleo e gás, alimentos, energia e outros setores. É com esse grupo que se dá a importante operação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial, a Embrapii, dirigida por Guimarães.
A Embrapii foi criada em 2013 para promover a inovação na indústria (diminuir risco e custo); dar agilidade e flexibilidade na contratação e execução de projetos de PD&I; oferecer fluxo contínuo para contratação de projetos; atender a demanda das empresas por inovação; fomentar a colaboração entre empresas e institutos de ciência e tecnologia (ICTs); compartilhar investimentos em PD&I com as empresas. Começou a financiar os primeiros projetos no final de 2014, após a seleção das primeiras Unidades Embrapii. “Ela foi criada em função do contraste entre alta produção científica e baixo desenvolvimento tecnológico que ainda caracteriza o Brasil. Esse estado de coisas gera críticas em diversos segmentos”, explicou Guimarães.
O país tem muitas demandas nessa área. “Há uma necessidade fundamental de ampliar os centros de pesquisa e desenvolvimento (P&D) nas indústrias, fazer com que elas se interessem em aumentar o investimento em PD&I [pesquisa, desenvolvimento e inovação]”, apontou o palestrante. “Se temos um baixo índice de inovação tecnológica no Brasil, fica evidente a demanda por um formato de fomento diferenciado para PD&I. Temos que lutar pela oportunidade de buscar atingir a meta de 2% do PIB aplicados em P&D.”
E Jorge Guimarães justifica essa demanda. “Foram 65 anos de investimento governamental em formação de recursos humanos e capacitação de grupos de pesquisa em universidades e outros centros. Agora temos a possibilidade de ter um retorno desses investimentos.” Assim, a Embrapii se propõe a fazer essa mediação. Abre chamadas públicas para selecionar e credenciar novas unidades, que podem ser centros ou grupos de pesquisa em universidades e outras instituições. As propostas são avaliadas por consultores experientes e as unidades selecionadas são acreditadas. Passam então a receber recursos para desenvolver projetos com – e das – empresas. “E a Embrapii faz um acompanhamento continuado do desenvolvimento de cada projeto contratado pela Unidade e as empresas”, acrescenta o Acadêmico.
O desafio é dar flexibilidade e agilidade às unidades para contratar projetos, ao mesmo tempo que oferece fluxo contínuo às empresas que buscam as Unidades credenciadas. Segundo Guimarães, “nós não contratamos empresas, nós credenciamos as Unidades que interagem com as empresas. Não fazemos edital para empresas, nós atendemos a demanda de empresas por inovação, ao oferecermos para elas aquilo que a maioria delas não têm: centros de pesquisa e desenvolvimento para atuar em temas de seu interesse.”
O Brasil tem cerca 145 mil empresas industriais, ou seja, não são empresas tão pequenas. Jorge Guimarães destaca que apenas 1.206 destas empresas usaram em 2015 a Lei do Bem, a qual é uma lei de incentivo fiscal para indústrias que aplicam recursos em pesquisas e desenvolvimento. “O incentivo fiscal é de 20%. Essas 1.206 empresas que usaram essa Lei nesse período informam que foram aplicados 9 bilhões de reais em P&D e assim, receberam de volta R$ 1,8 bilhão que são os 20% do incentivo fiscal. Mas ainda são muito poucas as empresas que utilizam esse benefício.” Guimarães observou que 50 dessas empresas que usam a Lei do Bem são da área farmacêutica. Como “o Brasil é o 5º maior mercado de medicamentos do mundo, então a indústria farmacêutica é um setor capitalizado e por isso estamos buscando atrair esse segmento para desenvolver projetos de PD&I com o nosso sistema”.
A Embrapii financia sem reembolso, até 1/3 do projeto contratado com a unidade. Hoje, são 34 unidades. Esse conjunto tem 12 universidades e 12 institutos privados, sem fins lucrativos; cinco institutos de pesquisa públicos e cinco institutos federais de educação. Os recursos são provenientes do contrato de gestão com dois ministérios – Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) e Ministério da Educação (MEC).
Guimarães apontou algumas características das Unidades Embrapii já credenciadas, entre elas o Departamento de Ciência da Computação (DCC) da Universidade Federal de Minas Gerais; o Polo – Laboratórios de Pesquisa em Refrigeração e Termofísica da Universidade Federal de Santa Catarina, cujo forte é engenharia e energia; o Centro de Engenharia Elétrica e Informática (CEEI) da Universidade Federal de Campina Grande, uma das unidades mais competitivas; a Coppe da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista na área da prospecção submarina; a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP); e o o Instituto de Física de São Carlos (IFSC), também selecionado.
Em termos de institutos privados, Guimarães citou alguns focados em engenharia e ciência da computação: o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), em Campinas; o Instituto de Pesquisas Eldorado, também de Campinas; o Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), em Santa Rita do Sapucaí (MG); o Senai-Cimatec em Salvador (BA); o Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (CESAR). Referiu-se ainda aos Institutos Lactec, em Curitiba; ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT), que tem uma unidade em materiais e outra na área de biotecnologia; e ao Instituto Tecgraf, da PUC-Rio.
“Citei esses grupos já credenciados destacando que, além de atuarem fortemente em focos tecnológicos bem definidos, fazem também pesquisa básica de alta qualidade”, ressaltou Guimarães. Isto justifica a observação inicial de que atuar em foco tecnológico requer também forte ênfase em pesquisa básica, não havendo incompatibilidade nessa forma de atuação. “A escolha do tema de foco para se candidatar e ser selecionada como Unidade Embrapii leva em conta o setor de atuação onde o grupo é mais qualificado”, explicou Jorge Guimarães.
A par dessas características, a Embrapii tem várias parcerias já estabelecidas com FAPEs, bancos de desenvolvimento, Capes, CNPq e Sebrae. Há também outras em negociação com ministérios, Finep e BNDES. Guimarães explicou que a negociação com a Finep é muito importante, porque se as empresas forem bem-sucedidas nos contratos com a Embrapii, o passo natural seguinte é obter financiamento da Finep, para a etapa final de escalonamento dos protótipos desenvolvidos nas Unidades Embrapii. “Assim, portanto, a Finep poderá fazer o financiamento dessa etapa com muito mais segurança”, afirmou o Acadêmico.
Ou seja, existe luz no fim do túnel no que diz respeito a investimentos em inovação no país. Uma rara – e por isso ainda mais preciosa – boa notícia.
Agenda de futuro com ousadia e paixão
Luiz Davidovich apresentou um panorama da ciência brasileira e expôs alguns dos desafios futuros que o Projeto de Ciência para o Brasil (PCBR) pretende superar. “Porque não basta apenas fazer um projeto de ciência. O PCBR é parte de um projeto de Nação. As propostas estarão lá, mas precisamos do resto, que inclui medidas importantes em economia, educação e outras áreas.” Ele se propôs, na apresentação, a avaliar que tipo de obstáculos essas outras áreas impõem à realização das propostas do PCBR no Brasil.
Quando se fala de ciência e tecnologia no Brasil, Davidovich destaca que é sempre bom lembrar que elas são muito recentes. As primeiras universidades brasileiras datam do início do século 20, enquanto a Universidade de Bologna, na Itália, foi inaugurada em 1088 e a Universidade de Harvard, nos EUA, foi inaugurada em 1636. “Então chegamos tarde e, por isso mesmo, temos que avançar depressa”, relatou Davidovich.
O começo tardio, no entanto, não impediu aplicações muito importantes para a economia brasileira. “No início do século XX, já tínhamos um laboratório de testes para apoio à primeiras construções em concreto do Brasil na então Escola Politécnica de São Paulo. O primeiro duto em concreto, de 1910, e o primeiro edifício de concreto, em 1913, são frutos de tecnologias desenvolvidas no Brasil.”
A este exemplo, Davidovich acrescentou vários outros. A contribuição fantástica da Embrapa para o sucesso internacional da agricultura brasileira, que gera grande riqueza para o Brasil, tem por trás o trabalho individual de milhares de pesquisadores brasileiros. “Um grande exemplo é o da Johanna Dobereiner, que criou um método de aumentar a produtividade na agricultura, aumentando a concentração de nitrogênio no solo. Isso traz um retorno para o Brasil muito maior do que o investimento feito no laboratório dela”, apontou. Há trinta anos, continuou o presidente da ABC, uma semente de soja plantada no solo do Mato Grosso, caso germinasse, não florescia. Em 2017, o estado produzirá trinta milhões de toneladas. Na década de 1940 a produtividade média de soja no Brasil era de 700 kg por hectare; hoje, é de 3 mil a 8 mil toneladas por hectare. “Isso é fruto do trabalho dos cientistas brasileiros”, ressaltou.
Só que essa ciência está sendo seriamente prejudicada, pois se há 15 anos a Embrapa tinha equipamento de ponta, hoje ela precisa renová-los e não tem recursos. “A área da agricultura lida com engenharia genética, análise genética, então não são laboratórios triviais. A crise está prejudicando uma grande fonte de riqueza do Brasil.”
Davidovich também se referiu ás vitórias da Petrobras, que ganha prêmios internacionais com a tecnologia de petróleo em águas profundas. Ele lembra que essa pesquisa envolveu uma colaboração muito forte com diversas instituições pelo Brasil, com participação de geólogos, geofísicos, matemáticos, físicos, engenheiros mecânicos, engenheiros civis, enfim, toda uma gama de profissionais colaborando para obter esse resultado. “Há um grupo no Instituto nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) que trabalha com equações diferenciais não lineares, área de fronteira da ciência, útil para a exploração de petróleo em água profundas. Eles têm uma colaboração com a Petrobras. Então essa ciência que não é mais pura, é básica, mas que tem imensas potencialidades de aplicação, uma boa parte delas está sendo aplicada nesses grandes feitos da ciência brasileira.”
O físico partiu para novos exemplos, como o da Embraco, que é hoje a maior fábrica de compressores do mundo, originada numa parceria com o Departamento de Engenharia Mecânica Universidade Federal de Santa Catarina. O Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), em Campinas, trabalha em estreita ligação com várias indústrias no Brasil, fazendo análise de fármacos, por exemplo. A Natura, de cosméticos, cujos produtos têm parte de sua origem na Amazônia.
O presidente da ABC observou que a produção científica brasileira tem crescido juntamente com o número de citações e o impacto das publicações. Em termos de produção científica, o Brasil se destaca na América Latina e no mundo está em 13º lugar. “Isto é um efeito do investimento que houve ao longo dos anos pela Capes, CNPq e Finep, instituições que vêm ajudando na estrutura das universidades.”
Baseado, portanto, nos dados apresentados, o que dizer sobre uma agenda de futuro para o Brasil? Ela deve ser baseada, segundo Davidovich, em atributos que são característicos de cientistas: ousadia e paixão. “O Brasil tem que ser ousado para conquistar o protagonismo internacional. Países que estavam atrás do nosso há 30 anos já passaram a nossa frente. A China lançou no ano passado, um satélite artificial de comunicação quântica. É pesquisa básica com possibilidade de aplicação.” Ele lembrou que quando a União Soviética lançou o Sputnik, gerou pânico no EUA e estimulou a criação de um projeto mobilizador para lançar o homem no espaço. “Isto teve consequências em várias áreas da indústria norte americana. Foi um grande projeto mobilizador. E o que o nosso país precisa é de projetos assim.”
Davidovich ressaltou que o Brasil é um dos poucos países que pode ter esse tipo de projeto, para ter um desenvolvimento sustentável de todos os biomas que abriga, como o mar e o cerrado. “Temos que evitar o desmatamento e produzir bens com valor agregado. Trabalhar na biotecnologia baseada em nossa biodiversidade. Estes são desafios do futuro: Amazônia e o mar. E a Amazônia não é só brasileira. Temos que fazer um projeto que envolva os outros países. Já vimos que sabemos fazer ciência. É preciso ser ousado e ter paixão.”
Até aqui, Davidovich destacou as possibilidades e potencialidades da ciência no Brasil. Mas a partir de então, alertou que iria abordar o que pode atrapalhar. Mostrou um gráfico com os dispêndios nacionais dos países em pesquisa e desenvolvimento em relação ao PIB no período de 2000-2013. “O Brasil está lá embaixo. O que está despontando é a China e a linha lá em cima é a Coreia do Sul”, apontou. Mostrou ainda que no Brasil a relação entre os investimentos de recursos públicos e privados é de 60 para 40%. “Mas temos que rever os mecanismos políticos e econômicos, de modo que empresas possam investir mais em pesquisa e desenvolvimento.”
E aí, segundo o presidente da ABC, temos alguns problemas. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Cientifico e Tecnológico [FNDCT] tem como uma das missões estimular a inovação de empresas. Mas a partir de 2010 o número de projetos apoiados por esse fundo caiu vertiginosamente. O valor contratado também caiu, mas o valor médio subiu. “Essa é a situação do FNDCT e piorou com esse último corte de 44% no orçamento dos ministérios. Isso é desvio de finalidade, esse é o nome. Impostos recolhidos com um objetivo são usados em outro, para fazer superávit. Tem um termo mais popular para isso, se chama “pedalada”. Isso deveria ser grave. Isso implica no estrangulamento da pesquisa no Brasil”, denunciou o presidente.
O discurso que impera em todos os níveis de governo, segundo ele, é o da crise. “O Brasil está em crise, não temos dinheiro. Todos têm que pagar sua fatia. Esse tipo de argumento é o que causa um corte linear de 44% em todos os ministérios, exceto os de Educação e Saúde que são garantidos pela Constituição. É um argumento tolo, ilógico, o que podemos comprovar vendo o que acontece em outros países que passaram por crises”.
Ele listou então alguns fatos relevantes: em plena crise, no ano de 2012, o primeiro ministro chinês fez um discurso dizendo que o crescimento da China seria desacelerado e, no mesmo discurso, disse que iria aumentar o financiamento da pesquisa básica em 26% em relação ao ano anterior. Idem para a Índia, idem para a Rússia. Mais recentemente em 2016, o presidente chinês fez um discurso numa reunião da Academia de Ciências da China e o que ele disse lá, segundo Davidovich, serviria para o Brasil. Ele disse: “Atualmente, o Estado precisa do suporte estratégico da Ciência e tecnologia mais do que em qualquer outro momento do passado.”
Davidovich destaca que essa fala demonstra que o presidente chinês reconhece que a China é altamente dependente da importação de produtos sofisticados e medicamentos patenteados. Percebe também que a China estava avançando na pesquisa do mar profundo e na pesquisa do espaço. E apontou uma necessidade urgente de revoluções científicas.
No Brasil, porém, temos um problema para a execução de propostas similares. É o número de pesquisadores por milhões de habitantes. “Em 2010 nós tínhamos 710 pesquisadores por milhões de habitantes. Isso está mostrando o número de mentes desperdiçadas, está mostrando a deficiência na educação básica.”
Um outro ponto que requer reflexão e que pode frear o avanço da ciência do Brasil, no ponto de vista do presidente da ABC, é a excessiva pressão sobre jovens cientistas, impedindo-os de perseguirem as melhores ideias. Mostrou um cartum publicado na capa da revista Nature, com uma máquina triturando jovens cientistas. “Quem não corre o suficiente é triturado, eles dizem.”
Finalizando, Davidovich reforçou que, para que a ciência dê certo no Brasil, “temos que ter nas nossas universidades e nos nossos institutos de pesquisa essa paixão pelo conhecimento. Paixão pela curiosidade. É a condição para que a gente possa avançar no conhecimento científico e tecnológico do país.”
Pelo fortalecimento de setores estratégicos para o desenvolvimento do país
Coordenador do Projeto de Ciência para o Brasil (PCBR) junto com José Tundisi, o médico e pesquisador do Instituto de Bioquímica Médica Leopoldo de Meis da UFRJ (IBqM), Jerson Lima Silva, esclareceu que, nas sessões científicas da Reunião Magna da ABC, eles decidiram apresentar o que já havia sido feito até então, nos últimos nove meses, pelos 14 grupos de estudo que envolvem mais de 100 pesquisadores, trabalhando de forma voluntária, por amor à ciência e ao país. “Os grupos, que têm em média dez componentes, já produziram rascunhos de 25 a 30 páginas cada”, relatou Jerson.
De acordo com Jerson Lima, a proposta do PCBR é reforçar a missão da ABC como centro de pensamento e formulação de propostas de políticas públicas baseadas em conhecimento científico e tecnológico. “O ponto de partida é fazer um diagnóstico preciso do presente e a missão é elaborar um documento com propostas para o fortalecimento de setores estratégicos para o desenvolvimento do país.”
O cientista destacou que essa atividade ganha uma importância especial num tempo de crise como o que estamos passando, quando se torna urgente construir novos caminhos que permitam ao pais oferecer um futuro melhor para sua população. E esse caminho precisa ser baseado em ciência, tecnologia, inovação e educação de qualidade para todos os brasileiros. “Só desta maneira o país poderá aproveitar inteiramente as oportunidades oferecidas pela riqueza dos seus biomas e suas matrizes energéticas, pela sua diversidade cultural regional, pelo tamanho de sua população e pelo patamar científico já alcançado”, afirmou Jerson.
O Acadêmico mostrou gráficos indicativos do aumento do impacto da produção científica brasileira, principalmente na área da física. Na área de doenças tropicais, o Brasil produz 20% da pesquisa mundial, sendo que em dengue produz 8%. “A associação de zika com microcefalia foi uma descoberta de pesquisadores brasileiros. Mas é importante destacar que com zika tivemos sorte, porque tivemos um financiamento razoável nos últimos anos que fez com que tivéssemos uma resposta muito rápida. Não sei se quando aparecer o próximo vírus vamos conseguir chegar a conclusões muito rápidas com os recentes cortes de recursos”, alertou Jerson.
Além deste, há outros desafios a enfrentar no desenvolvimento do PCBR. Um deles é o número ainda relativamente pequeno de pesquisadores por milhão de habitantes no país – enquanto a média da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 7.600, no Brasil, em 2010, havia apenas 710 pesquisadores por milhão de habitantes.
Um outro desafio é convencer as indústrias a investirem em pesquisa e desenvolvimento, pois a maior parte delas é de baixa intensidade tecnológica. “E esse não é um desafio só nosso, é de toda sociedade brasileira. A ciência básica é que vai alimentar todo o desenvolvimento econômico e tecnológico. E eu acho que ainda há esperança”, concluiu o Acadêmico.
Contribuição da ABC para um futuro melhor para o país
O co-coordenador do PCBR, o Acadêmico José Galizia Tundisi, é professor titular aposentado da Universidade de São Paulo (USP) na área das ciências biológicas. É presidente da Associação Instituto Internacional de Ecologia e Gerenciamento Ambiental (Iiega) e pesquisador do Instituto Internacional de Ecologia (IIE). Na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), atua como orientador de pós-graduação. Especialista em recursos hídricos, Tundisi atua ainda como secretário municipal de Desenvolvimento Sustentável, Ciência e Tecnologia de São Carlos, no interior do estado de São Paulo.
Tundisi reafirmou a necessidade premente do país ter um projeto estratégico de cientistas. “Esse projeto, que reúne 14 equipes de cientistas, é um projeto feito com ousadia e paixão. A longo prazo, nós sabemos que ciência, tecnologia e educação possuem um grande papel na transformação da sociedade.”
Ele citou o falecido Acadêmico Celso Furtado, que dizia que o país está se modernizando, mas não está se desenvolvendo. “Pelas palestras que assistimos aqui nessa Reunião Magna da ABC, ficou claro que conseguimos resultados extraordinários, estratégicos. E temos que analisar mais casos como este para mostrar a importância da ciência e tecnologia no desenvolvimento do país”, ressaltou Tundisi.
Exemplificou, então, com o caso de sua cidade, São Carlos, que tem 230 mil habitantes e um PIB de R$ 10 bilhões por ano. ” Deste montante, 30% são originados de ciência e tecnologia. A cidade se orgulha de ter um doutor para cada 100 habitantes. Mas nós estamos desenvolvidos? Ainda temos analfabetos, mortalidade infantil…”, apontou o Acadêmico.
Mostrando dados indicativos do formidável avanço brasileiro em pesquisa, na criação de novas universidades e de publicações em periódicos indexados, Tundisi reforçou a pergunta: por que o país não é desenvolvido? E mostrou os temas dos grupos de estudo do PCBR para esclarecer as prioridades escolhidas. Ele destacou que em 2050 o Brasil terá uma população muito grande da terceira idade. Portanto, é necessário que se pense um programa de pesquisa que estime a capacidade cognitiva da população. A área de cidades sustentáveis e inteligentes é outra área importante: 80% da população brasileira, hoje, vive em cidades, que são sistemas complexos e requerem um trabalho de integração social. “Essas áreas são exemplos de pesquisa que se pode desenvolver num projeto abrangente de ciências para o país”.
Ele lamentou o fato de que ciência e tecnologia estejam à parte das políticas públicas do país e considera impressionante que o governo use tão pouco as pesquisas que financia. “Vou dar um exemplo na minha área, recursos hídricos. Hoje nós temos no Brasil um extenso conhecimento sobre tratamento de esgotos, das mais diversas maneiras. E o Brasil só trata 40% do esgoto. Isso nos coloca no século 19. É um exemplo de como as políticas públicas não estão alinhadas com o conhecimento científico que se tem no país.”
O PCBR tem, portanto, a finalidade de desenvolver substancialmente o papel da Academia no crescimento do Brasil. “Mais do que a Academia já faz. É um projeto de nação, de longo prazo, de importância estratégica. Não é um exercício. Não é simplesmente uma coleção de documentos. É um trabalho de repercussão, a ABC quer contribuir para um futuro melhor para esse país”, afirmou o Acadêmico.
Comentou então uma questão que tem sido levantada por alguns colegas: se seria feita, paralelamente a esse projeto, uma proposta de financiamento. “Acho que não é a hora de fazermos essa proposta ainda. Temos que explorar mais as sinergias entre essas diferentes áreas, para que possamos explorar melhor o conhecimento e as potencialidades que um projeto desses oferece. Quando fizermos esse trabalho temos que pensar: quanto vai render esse projeto para o país, em termos de PIB? O que vai resultar desses avanços em termos de desenvolvimento? Temos que reforçar o papel da ciência na economia do país. Um país que tem a maior biodiversidade do planeta, a maior área alagada do mundo, o Pantanal, 8 mil km de costa, terras férteis, sol abundante, água e uma população jovem, não pode ser pequeno. Esse país é e sempre será um grande país.”
José Tundisi concluiu sua fala agradecendo a todos os cientistas que estão participando do projeto, “com discussões profundas e uma participação alentadora, estimulante, altamente relevante e feita, como disse o presidente da ABC, com ousadia e paixão. Vamos seguir em frente.”
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