O professor titular e coordenador do curso de especialização em Gerenciamento Municipal de Recursos Hídricos do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG), Francisco Antonio Rodrigues Barbosa, tratou da necessidade da implementação da governança e capacitação para novos negócios em água no evento “Água, mineração e saúde”, promovido pela Academia Brasileira de Ciências (ABC), UFMG e Fapemig.

Barbosa apontou os principais problemas que vivemos hoje em relação aos recursos hídricos. Com o crescimento populacional, a situação ficará mais difícil, porque 85% da população mundial hoje vive na metade seca do planeta. A urbanização deve atingir 75% desta área em 2050 e já vivemos um processo de degradação da qualidade da água. Além disso, haverá um aumento das demandas de produção agrícola e industrial, somado aos impactos das mudanças climáticas, que trarão secas e enchentes. Isto aumentará as doenças de veiculação hídrica, afetando a saúde da população mundial.

Os humanos são os maiores agentes de mudança ambiental, atualmente. “Promovemos um consumo excessivo de recursos naturais, a transformação ou até destruição de ambientes naturais, a erradicação de espécies únicas, enfim…”, refletiu o palestrante. Por conta disso, as previsões para 2050 não são nada animadoras: 40% da população mundial deve estar sofrendo estresse hídrico, 20% dos aquíferos estarão sendo superexplorados, haverá uma redução na capacidade dos ecossistemas de purificar água e a demanda de energia deve aumentar em 30%.

Em nosso país, seriam necessários investimentos de R$10 bilhões/ano durante 20 anos consecutivos para universalizar o saneamento básico. Isso corresponde a 0,7% do PIB do Brasil. “Segundo o PNUD, [Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento] manter o déficit atual de água e saneamento custa nove vezes mais do que resolvê-lo”, informa o palestrante.
Ele acrescenta que os sistemas de saúde dos países em desenvolvimento poupariam US$1.6 bilhões/ano se investissem em solução. “O custo total do déficit atual é US$170 bilhões, o que é maior do que o PIB da Argentina ou 2,6% de todos os países em desenvolvimento juntos! “

E como lidar com isso? Fortalecendo a governança da água. Esta envolve o conjunto dos sistemas político, social, econômico e administrativo que, direta ou indiretamente, afeta o uso, desenvolvimento e manejo dos recursos hídricos e a oferta dos serviços de água para a sociedade. “O setor água é parte de um conjunto maior, que engloba o desenvolvimento de ações sociais, políticas e econômicas e que é, portanto, afetado por decisões externas”, ressaltou Barbosa.

Para discutir governança, Francisco Barbosa reforça que o conceito chave é segurança hídrica. Este conceito se refere à capacidade da sociedade em garantir acesso a quantidades de água com qualidade aceitável para preservar a saúde humana e os ecossistemas, assim como garantir proteção à vida e à propriedade contra desastres naturais.

No Brasil, o Sistema Nacional de Gerenciamento dos Recursos Hídricos (Singreh) envolve várias instâncias. Os Conselhos devem subsidiar a formulação da Política de Recursos Hídricos e dirimir conflitos. A Secretaria de Recursos Hídricos e Qualidade Ambiental (SRHU/MMA) deve formular a Política Nacional de Recursos Hídricos e subsidiar a formulação do Orçamento da União. A Agência Nacional de Águas (ANA) deve implementar o Sistema Nacional de Recursos Hídricos, outorgar e fiscalizar o uso de recursos hídricos de domínio da União. Os órgãos estaduais devem outorgar e fiscalizar o uso de recursos hídricos de domínio do Estado. Os Comitês de Bacias, cujos escritórios técnicos são as Agências de Água, devem decidir sobre o Plano de Recursos Hídricos – quando, quanto e para quê cobrar pelo uso de recursos hídricos.

Existe, portanto, uma estrutura de governança. Mas os desafios são muitos. Em 2013, faltava água para 85% das populações carentes de periferia e saneamento básico para 64%. “É preciso fazer uma análise de risco e vulnerabilidade das populações humanas frente a escassez e a deterioração da qualidade da água”, apontou Barbosa. Em seu ponto de vista, a implementação de redes de competência é, provavelmente, a solução viável para a cadeia disponibilidade – demanda – qualidade – vulnerabilidade. “E isso requer formação e treinamento de pessoas, numa abordagem sistêmica, em todos os níveis”, arrematou.

No entanto, ele aponta uma questão fundamental: as diferentes visões em relação ao “status” da água. “É recente a concordância de que água é um recurso finito. Mas é um bem público ou pode ser privado? Pode ser considerado um bem de mercado ou é um recurso sem preço?” No Brasil, a água é propriedade do Estado e não pode ser privatizada (Lei das Águas 9.433, 8/1/1997). “Mas a água mineral é tida como um bem privado e controlado pelo setor mineral. Existe um florescente mercado mundial de água – vide a Nestlé Waters”, aponta o ecólogo. Os ecossistemas, no entanto, fornecem uma variedade de serviços economicamente valoráveis, como tratamento de resíduos, abastecimento, regulação de distúrbios, habitats para plantas e animais, etc. Barbosa destaca que os serviços ecossistêmicos são presentes da natureza. “Nos EUA entre 35 e 45 milhões de pessoas gastam de24 a 37 bilhões de dólares por ano em pesca recreativa.”

Francisco Barbosa afirma que governança da água requer a adoção de princípios como equidade e eficiência na alocação, distribuição e administração, no âmbito da bacia hidrográfica. “Governança requer a integração das abordagens de manejo da água e o equilíbrio entre usos da água nas atividades socioeconômicas e pelos ecossistemas. E para que seja eficaz, é preciso que haja clareza dos papéis de governos, da sociedade civil e do setor privado. Ele destaca que todos os atores sociais têm que “conhecer e assumir suas responsabilidades com relação a propriedade, manejo e administração dos recursos hídricos e serviços.”

Ou seja, num país como o nosso, em que a água é abundante, poderíamos atender toda a população e ainda lucrar com ela. Falta apenas a vontade política.

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