Em entrevista para o jornal O Globo, a Acadêmica e pesquisadora da USP Mayana Zatz explica o funcionamento de técnicas que alteram o DNA e como elas podem ser usadas para evitar doenças.

O desenvolvimento recente de novas ferramentas de edição genética, como a conhecida pela sigla CRISPR, tornou relativamente mais simples, precisa e barata a manipulação do DNA de qualquer organismo vivo. Com isso, cresceu também a preocupação destas técnicas serem usadas para alterar o genoma humano, despertando fantasmas como o da eugenia. Filosofia surgida no século XIX, ela prega a “melhoria” das populações por meio do casamento de pessoas com características supostamente “superiores” e eliminação ou esterilização das ditas “indesejadas” – classificação que, dependendo da sociedade e da época, incluiu desde doentes mentais a homossexuais, passando por negros, índios e judeus.

Diante disso, em dezembro de 2015 cientistas do mundo inteiro se reuniram em Washington, EUA, na primeira Cúpula Internacional sobre a Edição Genética de Humanos para discutir as questões éticas e os potenciais riscos e benefícios científicos e clínicos desta manipulação, assim como sua possível regulação. Também foi criado um painel internacional de especialistas para aprofundar este debate, que depois de mais de um ano de trabalho apresentou ontem seu relatório.

Segundo eles, embora não se possa negar seus perigos, estas ferramentas também podem ajudar as pesquisas e o desenvolvimento de tratamentos para diversas doenças, além de dar esperança a pessoas portadoras de mutações prejudiciais de terem filhos saudáveis. Assim, os especialistas preveem que num futuro não muito distante as técnicas sejam usadas para alterar geneticamente embriões e células reprodutivas humanas, ou seja, óvulos e espermatozoides, de forma a evitar males hereditários. Esta posição foi vista como uma suavização do discurso da comunidade científica até agora, de que seria uma “irresponsabilidade” a manipulação do DNA de embriões ou gametas humanos sem tanta certeza de sua segurança e eficácia.

– A edição do genoma humano traz grandes promessas na compreensão, tratamento ou prevenção de muitas doenças genéticas devastadoras e para a melhoria no tratamento de diversas outras doenças – resume R. Alta Charo, copresidente do painel e professora de Direito e Bioética na Universidade de Wisconsin-Madison, nos EUA.

Embora seja só uma recomendação, a posição do painel a favor da manipulação do DNA de embriões e gametas humanos com o objetivo de combater doenças genéticas deverá influenciar o processo de regulação do uso das técnicas de edição em diversos países, inclusive EUA e Brasil, que no momento proíbem terminantemente qualquer pesquisa ou iniciativa neste sentido. E isso é algo muito positivo, consideram também especialistas daqui.

– Sou totalmente a favor do uso destas ferramentas na manipulação do genoma humano, desde que seja devidamente controlado – diz Mayana Zatz (foto), diretora do Centro de Estudos do Genoma Humano e do Instituto Nacional de Células-Tronco em Doenças Genéticas da USP. – O que há é o medo de que se manipulem outros genes que não têm a ver com doenças, como os de características consideradas “vantajosas”, como cor dos olhos ou da pele, mas para isso pode haver regulação estrita.

Segundo Mayana, atualmente casais em que um ou os dois parceiros carregam mutações que provocam doenças e querem ter filhos são obrigados a abandonar o sonho da paternidade ou descartam embriões afetados em tratamentos de reprodução assistida. Com a edição genética, no entanto, estes defeitos poderiam ser corrigidos, evitando sofrimento tanto para os pais quanto para a prole.

– Trabalho há muito tempo com doenças genéticas e já vi muitas pessoas deixarem de ter filhos por medo de passar para frente um sofrimento – conta. – Mas poder acabar com a transmissão hereditária de uma mutação deletéria não é problema nenhum, além de ser melhor poder corrigir um erro do que descartar embriões.

Confira a aqui versão online da entrevista.