Em artigo publicado no Jornal da Ciência, o ex-vice-presidente da ABC Hernan Chaimovich fala sobre a crise que afeta a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e o recente corte de verbas que vem prejudicando as pesquisas.

“A sociedade paulista merece consideração, pois fatos alternativos parecem invadir a postura do Governo Estadual quando o assunto é Fapesp, até quando se chega a um princípio de acordo sobre uma ação anticonstitucional da Assembleia Legislativa”, destaca Hernan Chaimovich, professor emérito do Instituto de Química da Universidade de São Paulo, em artigo para o Jornal da Ciência

Adriana Carranca, ao trazer à luz a expressão “fato alternativo” (Jornal O Estado de São Paulo, 28/01/2017), nos brinda com uma bela definição pós-moderna do que constitui uma inverdade, também conhecida, em tempos menos politicamente corretos, como mentira: “uma afirmação que contraria evidência, não se pode provar e continua sendo repetida”. Declarações oficiais recentes do Executivo do Estado de São Paulo contêm uma plêiade de “fatos alternativos” quando se trata da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, a Fapesp. Listar evidências que contrariam algumas declarações oficiais é, por definição, perda de espaço/tempo para aqueles que preferem “fatos alternativos”. Mas é mister esclarecer à sociedade, que paga os impostos neste Estado e, portanto, financia o investimento à Fapesp, algumas das evidências ignoradas pelos “fatos alternativos”.

A declaração de que a Fapesp financia essencialmente a “criação de conhecimento inútil” já foi contraposta por vários pesquisadores e declarações de empresários forneceram evidências de como o investimento em pesquisa feito pela Fapesp contribui, entre outras coisas para: a) formar pessoal qualificado, b) fazer do Estado de SP uma região mais capaz de usar conhecimento para se desenvolver, c) proteger o meio ambiente do Estado, d) dar origem a empresas inovadoras e criar empregos, e) contribuir para a inovação em grandes empresas, f) na agricultura dar um retorno de R$11,4 por cada R$1,0 investido, g) criar e facilitar o uso de novas tecnologias no sistema de saúde pública. Não é demais lembrar que a vacina contra a dengue do Instituto Butantã foi obtida porque, em 2008, a Fapesp cofinanciou com o Ministério da Saúde esse desenvolvimento.

Outras pérolas “alternativas” acusam a Fundação de usar critérios de julgamento “acadêmicos”. O termo acadêmico não pode nem deve ser usado de forma pejorativa como pretendido. Seriedade, isenção e respeito à lei de criação da Fapesp não podem ser confundidos com uma palavra usada fora de contexto. A Fundação analisa projetos apresentados por pesquisadores com rigorosos critérios, essenciais para o correto uso de recursos do contribuinte, e adequados ao tipo de programa em que o projeto é apresentado. É claro que um projeto de pesquisa a ser desenvolvido em uma universidade ou em um Instituto de Pesquisa deve ser avaliado por critérios que diferem quando o projeto provém de uma empresa nascente ou uma grande empresa. E é justamente pela análise criteriosa que o financiamento da Fapesp tem o impacto na sociedade e na economia paulista reconhecido por todos.

Identificar os Institutos de Pesquisa públicos do Estado de São Paulo como os únicos responsáveis pela mudança constitucional de 1989 que elevou a percentagem devida à Fapesp de 0,5 para 1% da receita líquida do Estado é desconhecer a história. O trabalho do saudoso Alberto Carvalho da Silva, diretor científico e diretor presidente da Fapesp, na Assembleia do Estado de São Paulo, liderando um amplo conjunto de pesquisadores de Institutos de Pesquisa, Universidades e empresas, para elevar a percentagem constitucional destinada à Fapesp e incluir a palavra tecnologia nas suas responsabilidades, não pode ser agora esquecido. Tanto mais que a redação final aprovada foi “Artigo 271 – O Estado destinará o mínimo de um por cento de sua receita tributária à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, como renda de sua privativa administração, para aplicação em desenvolvimento científico e tecnológico”, sem nenhuma menção ao tipo de entidades a serem apoiadas.

Por fim, a sociedade paulista merece consideração, pois “fatos alternativos” parecem invadir a postura do Governo Estadual quando o assunto é Fapesp, até quando se chega a um princípio de acordo sobre uma ação anticonstitucional da Assembleia Legislativa. Ademais, retornar o dinheiro via convênio não é cumprir a Constituição, pois o convênio tem objeto definido e não seriam recursos de “sua privativa administração”.

Nada impede que a Fapesp, mantendo o 1% constitucionalmente atribuído para “sua privativa administração”, crie um Programa Especial com foco exclusivo nos Institutos de Pesquisa, mas usar esta iniciativa para diminuir o aporte à Fundação, violar os limites legais da sua criação ou mudar os critérios de apresentação de Projetos, ou os critérios de avaliação, conduz à desestabilização de uma das entidades públicas brasileiras que ganhou o respeito unânime da comunidade nacional e internacional.