Nascido em 1981, em Brasília, Nicolau Brito da Cunha teve uma irmã mais nova, hoje formada em moda, e um irmão gêmeo, hoje arquiteto. “Somos homozigóticos e um excelente experimento ambulante dos efeitos epigenéticos na regulação da expressão gênica: fomos indistinguíveis até os 16 anos de idade, mas nos tornamos muito diferentes. Ele, por excesso de exercícios físicos e alimentação saudável. Eu, por poucas horas de sono e uma dificuldade aguda em encarar uma esteira ergométrica”, brinca Cunha.

De pequenino é que se torce o pepino

Na infância, porém, os irmãos eram muito próximos e compartilhavam as férias na casa dos avós, em São Paulo. O avô paterno, segundo Nicolau, foi seu grande incentivador para a ciência. Antônio Brito da Cunha foi um geneticista muito atuante e produtivo na era de ouro da genética, entre os anos 50 e 70. “Foi testemunha ocular da elucidação da estrutura da dupla hélice e do surgimento da engenharia genética e é membro da Academia Brasileira de Ciências desde 1968.” O neto relata que os amigos do avô eram cientistas brilhantes, como Crodowaldo Pavan, Mário Guimarães Ferri, Ernesto Paterniani e Francisco Mauro Salzano, além de aluno de André Dreyfus e Theodosius Dobzhansky, “pais” da genética no Brasil. Cunha conta que o avô hoje tem 90 anos de idade “e ainda gosta que eu relate experimentos que fiz no laboratório ou alguma novidade publicada em algum periódico.”

Na escola, no entanto, a área predileta de Nicolau sempre foi história. Estudava a disciplina pelos livros escolares e se aprofundava no assunto pelos livros de seu pai. Ele diz que escolheu ser cientista frequentando as bibliotecas do pai e do avô, ambas fantásticas – não apenas pelo tamanho das coleções, mas pelo acervo repleto de preciosidades das literaturas de imaginação e científica. “Eu percebi que seria cientista quando descobri algo tão ou mais apaixonante que romances de Tolstói ou de Maurice Druon: um livrinho recomendado pelo meu pai chamado A dupla hélice, escrito pelo próprio James Watson. Meu pai dizia, com certa razão, que aquele não era um livro científico, mas um romance policial sobre as pistas que levaram Watson e Crick a elucidar a estrutura da molécula da vida.”

O ambiente familiar era rico e variado em influências. Através da paixão pela leitura, Cunha diz que “ficou amigo de gente como Aristóteles, Cícero, Marco Aurélio, Carlos Magno e Henrique V, dos quais sou íntimo até hoje”. O pai era advogado e cientista social, além de ter feito boa parte do curso de economia, sempre na Universidade de São Paulo (USP). Mas gostava mesmo de ser jornalista. É funcionário do Senado Federal, editor do Jornal de Brasília e professor aposentado de jornalismo da Universidade de Brasília (UnB).

A mãe também era advogada e funcionária, hoje aposentada, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). “Ela trabalhou na assessoria jurídica e chegou a ser diretora da empresa. Conheceu dezenas de pesquisadores e cientistas e ficou muito amiga de vários nomes interessantes das ciências agrárias no país. Nessas circunstâncias, ela ajudou a elaborar o sistema de proteção de tecnologias da Embrapa e auxiliou, junto com assessores parlamentares, a elaboração de algumas leis importantes para a ciência nacional, como a lei de patentes, a lei de proteção de cultivares e a lei de sementes”, acrescenta o Acadêmico.

A escolha e desenvolvimento da carreira

Sob tantas influências positivas, Cunha escolheu a engenharia agronômica. Entrou para a graduação na Universidade de Brasília (UnB) e logo começou a iniciação científica com engenharia genética de soja e feijão, no Laboratório de Biologia Sintética do Centro Nacional de Recursos Genéticos e Biotecnologia da Embrapa (Cenargen), coordenado pelo Acadêmico Elíbio Rech. Ele lidera um grupo de pesquisa que é referência internacional na área de engenharia genética de plantas e biologia sintética. “Nos experimentos, introduzíamos genes codificadores de fármacos humanos, como a insulina e o hormônio do crescimento humano no genoma de soja, convertendo as plantas em fábricas ou reatores de proteínas de interesse farmacêutico. Seguiu no mestrado em ciências genômicas e biotecnologia, pela Universidade Católica de Brasília (UCB) e fez o doutorado em biologia molecular, pela UnB, sempre desenvolvendo os trabalhos no mesmo laboratório, sob a orientação do professor Elibio.

Atualmente, Cunha trabalha com a produção de antibióticos recombinantes, obtidos pela tecnologia do DNA recombinante e sintetizados em plantas de tabaco e microrganismos, como bactérias e leveduras. “É uma área muito estimulante, que apresenta um grande potencial para a melhoria da vida das pessoas, já que seu objetivo é o desenvolvimento de produtos como antibióticos e outras drogas para o combate a infecções hospitalares.” Ele conta que teve “a sorte”de ser inserido num outro grupo fortíssimo, o núcleo de pesquisadores do Centro de Análises Proteômicas e Bioquímicas (CAPB), especializado em proteômica e prospecção de peptídeos antimicrobianos. “Esse grupo é vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Genômicas e Biotecnologia da UCB e é liderado por duas autoridades no assunto, os doutores Octávio Luiz Franco e Simoni Campos Dias, que juntos já descobriram dezenas de peptídeos capazes de destruir células de bactérias e fungos patogênicos, além de formar inúmeros doutores e mestres”, enaltece Cunha.

Paixão pela ciência e pela literatura

O encanto do novo Acadêmico pela ciência transborda em suas palavras. Mas ele é bem objetivo quanto aos motivos: “A ciência é encantadora porque é uma atividade humana com regras e método, que disciplina a investigação acerca da natureza das coisas. Ela funciona para mostrar que não se deve confiar apenas nos sentidos para se apreender a realidade. É necessário observar a realidade, perceber padrões, elaborar teses com base em observações e repetição, testar hipóteses à exaustão. É o meio mais lúcido de tentar entender o modo como o mundo se apresenta e funciona.”

Fora da ciência, seu foco é a literatura: é um entusiasta dos escritores americanos Mark Twain, William Faulkner e Henry James. Mas considera a sua área de pesquisa particularmente interessante, porque permite “a manipulação da molécula mais elegante e intrigante dos seres vivos, o DNA.” Com seu pendor para o literário, Nicolau Cunha considera fascinante a possibilidade “de adaptar a estrutura de um gene de modo a inseri-lo, de maneira estável, num cromossomo de um organismo e provar que há função biológica, que o gene é funcional e codifica um RNA intermediário ou uma proteína útil para o homem. É fantástico!”

Quanto à eleição para a Academia Brasileira de Ciências, o pesquisador considerou uma enorme honra. Encerrou seu depoimento com as seguintes palavras: “A possibilidade de conviver com os acadêmicos mais experientes e testemunhar o seu modo de encarar o progresso da ciência será uma lição para toda a vida. Além disso, é como se eu me aproximasse um pouco da trajetória do meu avô e respirasse um pouco do ambiente que foi tão importante para a formação dele e certamente será para a minha.”