“Um país sem ciência é como um carro sem motor: não vai a lugar algum.” A afirmação é do presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (Fapemig) e Acadêmico, Evaldo Vilela, feita durante o simpósio e diplomação dos membros afiliados da Regional Minas & Centro-Oeste 2016-2020. O evento foi realizado no final de outubro na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte.
“Temos que contaminar com a juventude a nossa Academia. Se aproximem, pois é muito importante o afiliado se inteirar do que a ABC está fazendo, entrar no jogo e defender a ciência”, aconselhou Vilela, ressaltando que, sem tentativa e erro, não se avança nem no conhecimento, nem na aplicação.
Vilela destacou que a ciência tem um poder muito grande na questão social. “Se não criarmos valor na sociedade com a ciência, vamos ter muita dificuldade de avançar. A pesquisa é um instrumento de democratização. Tem que estar no contexto da inclusão social.” Ele citou alguns exemplos de pesquisas de sucesso realizadas em Minas Gerais.
Um deles é o geneWEAVE Biosciences, empresa de biotecnologia criada pelo pesquisador Leonardo Teixeira, formado pela Universidade Federal de Viçosa, durante doutorado nos Estados Unidos, com bolsa da Capes. O projeto busca produzir kits de diagnóstico bacteriano rápido, em especial para infecção hospitalar, salvando vidas e ampliando os conhecimentos humanos sobre saúde. Captou 25 milhões de dólares de investimento entre 2010 e 2014. Em 2016, foi vendida para a Roche, da Suíça, por 425 milhões de dólares – sem faturar nada. “Somos capazes de fazer belas startups, o que falta é criar uma cadeia de inovação, políticas públicas que deem apoio”, disse Vilela.
O próprio agrônomo, com sua equipe, é outro exemplo: ele criou uma armadilha para bicho furão, que captura a praga dos pomares de laranja. Vilela contou que o grupo quantificou o benefício do controle biológico da agricultura e chegaram nessa inovação, que evitou a perda de um bilhão de dólares nos pomares do estado de São Paulo. “É uma tecnologia puramente brasileira.”
Para o Acadêmico, os desafios são superar a pauta ideológica, aproximar ciência e cientistas do público e do privado, priorizar o marco regulatório, a gestão e o planejamento no cenário da inovação e garantir transparência. Além disso, é preciso aproximar áreas do conhecimento dentro das universidades, aproximar a universidade dos problemas reais da sociedade e superar o corporativismo e a burocracia.
Vilela afirmou, ainda, que a comunicação é absolutamente crucial para o momento em que vivemos. “A ciência aprofunda a complexidade em velocidade inédita, mas crescem ataques à teoria da evolução de Darwin, negam a existência do aquecimento global, combatem a vacinação e demonizam os organismos geneticamente modificados [OGMs], que podem ampliar a sustentabilidade e a democratização da oferta de alimentos.” Ele aponta a divulgação científica como um caminho.
O valor das ciências humanas e sociais
A cientista social Lucilia Machado, do Centro Universitário UMA, falou sobre o papel das ciências humanas e sociais, comentando que faz pouco tempo que as ciências da natureza adquiriram um reconhecimento social, mas que esta área tem mais facilidade de convencer sobre seu valor para a sociedade. Por outro lado, muitos questionam para que serve a sociologia, antropologia, ciência política, pois o nível de abstração é muito elevado.
“A sociedade clama por uma compreensão melhor dos processos sociais, fenômeno da violência, relações de gênero etc. Há uma ligação entre a produção de conhecimento das ciências humanas e sociais e o enfrentamento dos problemas concretos”, afirmou a palestrante.
Estas áreas da ciência têm o problema da tangibilidade, enquanto nas ciências da natureza o objeto é tangível. O que pesquisam? Para quem trabalham? Com quem trabalham? Com quem falam? “O valor dessa área sempre é questionado e ela é a primeira a ser afetada por cortes de recursos.” Nas ciências humanas e sociais, os grandes desafios estão relacionados à apreensão dos aspectos essenciais da vida humana e social: as relações dos homens com os outros e com o universo e as atitudes dos indivíduos e dos grupos humanos em face dessas relações e dos valores.
Para Machado, é preciso compreender os motivos que movem as atividades dos homens, os objetivos de suas ações, os meios e condições com os quais atuam. “O trabalho científico requer condições materiais, sociais e históricas para ser realizado. Há desafios científicos que o mercado não se mostra interessado a enfrentar.”
Ciência para o desenvolvimento tecnológico
Doutor em farmacologia e professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, o Acadêmico Fernando de Queiroz Cunha falou sobre a importância da ciência para o desenvolvimento tecnológico com ênfase em medicamentos. Cunha afirmou que aconteceu uma evolução do papel da universidade, que é responsável pela conservação e transmissão do conhecimento e pela sua relação com a pesquisa e o desenvolvimento econômico e social (capitalização do conhecimento).
“A partir de meados do século passado, o desenvolvimento tecnológico de alto valor agregado passou a ser diretamente dependente do desenvolvimento científico”, destacou. “Então, nos dias de hoje, não existe desenvolvimento tecnológico importante sem capacidade de fazer ciência. Ou seja, fazer ciência garante a prerrogativa de inovação tecnológica de valor agregado e, por conseguinte, mais riquezas, que podem melhor da qualidade do conhecimento.”
Cunha apontou, no entanto, que os altos custos envolvidos nas pesquisas científicas muitas vezes inviabilizam o desenvolvimento tecnológico das empresas. Por isso, nas últimas décadas, o conhecimento científico relevante passou a ser em grande parte produzido na universidade e transferido para o setor produtivo (privado ou público), onde ocorre (ou deveria ocorrer) o desenvolvimento tecnológico inovador. “O ensino e pesquisa interdisciplinares exigem posturas inovadoras”, comentou.