O simpósio e diplomação dos membros afiliados da Regional Minas & Centro-Oeste 2016-2020, realizado no final de outubro na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, contou com uma tradicional apresentação do presidente da Academia Brasileira de Ciências, Luiz Davidovich, sobre o valor da ciência. A palestra é inspirada em um livro do matemático Henri Poincaré.
Luiz Davidovich, em palestra na UFMG
Davidovich comentou que o início da atividade científica foi tardio no Brasil. Em 10 de maio de 1747, Dom João V proibiu a impressão de livros e, em 1785, D. Maria I, “a louca”, proibiu manufaturas no país. Esse panorama só mudou com a vinda da família real para o Brasil, em 1808, que levou à fundação de novas instituições, como o Jardim Botânico e Museu Real. Após 1822, com a independência, o país desenvolveu significativamente diversos setores, como a agricultura.
Segundo o Guinness Book, a primeira universidade brasileira foi a Federal do Amazonas, criada em 1909, enquanto Bologna surgiu em 1088 e Harvard, em 1636. “Começamos tarde, mas ainda assim a ciência brasileira já fez coisas fantásticas”, comentou Davidovich. “O Brasil foi construído em concreto graças à Escola Politécnica da USP. Nosso primeiro edifício foi o Guinle, erguido em 1913 e existente até hoje, em São Paulo.”
Davidovich citou bons exemplos de progressos tecnológicos no país, como o tanque oceânico da Coppe/UFRJ, um dos maiores do mundo, com capacidade de 23 milhões de litros, e a Embraer, que surgiu no ITA Instituto Tecnológico de Aeronáutica]. “A Embraco, fundada em Santa Catarina, tornou-se a maior empresa de compressores do mundo. A Natura, que tem parte de seus produtos vindos da floresta amazônica, colabora com muitos grupos de química espalhados pelo Brasil e compete internacionalmente no mercado de cosméticos.”
Hoje, temos uma produção científica significativa, com publicações relevantes e capas de revistas internacionais exibindo trabalhos feitos no Brasil. “Temos um fator de impacto crescente, mas que foi ultrapassado pela China. Os investimentos feitos em pesquisa, principalmente com a criação do CNPq, Capes e Finep, contribuíram para esse resultado palpável no aumento da quantidade e qualidade da produção cientifica brasileira.”
Ainda assim, enquanto os países da OCDE têm uma média de 7.600 pesquisadores por milhão de habitantes, no Brasil são 710 – na Argentina, por exemplo, são 1.178. A distribuição do pessoal formado nas universidades também deixa a desejar. Na China, 35% dos graduados são engenheiros. No Brasil, 11% ingressam em engenharia, produção e construção, mas os concluintes são apenas 6%, pois a maioria abandona o curso. Aqui, 15% dos pesquisadores em empresas têm um mestrado ou doutorado – na Coreia do Sul, são 39%.
O percentual do PIB aplicado em P&D no Brasil é de cerca de 1,2%, enquanto na Coreia do Sul e em Israel, esse total passa de 4% e na China, são 2%. Em 2013, praticamente 60% dos dispêndios em P&D vinham do governo – na China, 75% tinham origem privada. “O governo diz que estamos em crise e isso requer sacrifícios, mas outros países, na crise, investem em CT&I. Não se joga fora o motor do avião que está em pane, e a ciência é o motor do país.”
A União Europeia tem um acordo para chegar em 2020 com 3% do PIB investidos em ciência. Em 2012, a China, na crise, anunciou que ia aumentar o apoio à pesquisa básica em 26%. Índia e Rússia fizeram o mesmo. E, em 2016, a China repetiu o feito. “Um dos reflexos disso é o lançamento do primeiro satélite artificial de comunicação quântica que aconteceu em agosto desse ano. Eles passaram a frente de todo mundo”, disse o físico.
Em 2014, o Brasil teve a ideia de estabelecer fundos setoriais – impostos recolhidos das empresas para serem aplicados na área de atuação daquelas empresas, como energia e saúde. “A arrecadação foi crescente, mas a aplicação em projetos apoiados pelo FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico] diminuiu, porque o número de projetos diminuiu. É o estrangulamento da pesquisa brasileira. Os impostos são recolhidos, mas os ganhos são usados para o superávit; é um desvio de finalidade. A ABC e a SBPC [Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência] entraram com uma reclamação na CGU e no TCU].”
Mas há boas notícias. Davidovich comentou que, após duas reportagens do jornal O Estado de S. Paulo ([Ciência na UTI 1 e Ciência na UTI 2), publicadas em agosto, o presidente Michel Temer se reuniu com ministros e concedeu R$ 1 bilhão a mais para o orçamento de 2017. Ainda assim, o orçamento atual é menos que a metade do de 2013. O CNPq, em 2016, teve 63% menos recursos que em 2010 e foi obrigado a cortar s suspender a concessão de novas bolsas.
Davidovich defendeu, ainda, o valor da ciência básica, citando uma resposta do físico Michael Faraday para o ministro de Finanças da Inglaterra, em 1850, quando perguntado sobre o uso prático da eletricidade: “Um dia, o senhor vai taxá-la.” “Jovens cientistas da física quântica no começo do século XX, como Einstein, Max Planck, Marie Curie e Schrödinger, pesquisavam sem pensar na aplicação”, disse o presidente da ABC. “Suas forças motrizes eram a curiosidade e a paixão. Mas o que eles fizeram mudou o mundo, possibilitando tecnologias como laser, leitores de código de barra, GPS, ressonância magnética. A inovação disruptiva, que muda a nossa vida, vem da pesquisa básica.”