O Brasil é conhecido internacionalmente por seu território de dimensões continentais onde coexistem diferentes biomas. Cada um deles existe em um determinado espaço e se identifica com a cultura de cada lugar.
Entretanto, este cenário pode estar se alterando por conta das mudanças climáticas ocorridas no planeta nos últimos anos. Uma dessas mudanças é savanização da Amazônia, fenômeno que foi tratado pelo climatologista, pesquisador aposentado do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e membro titular da Academia Brasileira de Ciências, Carlos Nobre, em palestra no Museu do Amanhã realizada no dia 27 de setembro.

Inicialmente, Nobre falou sobre o Antropoceno, nova Época Geológica que o planeta Terra estaria vivendo por conta da influência direta das ações humanas no ciclo da natureza, porém ainda não há consenso para se determinar o início desta nova Época. “Nós estamos modificando o ambiente global de uma maneira que não acontecia há dezenas de milhões de anos”, afirmou Nobre. “Eu tenho certeza de que os geólogos vão decretar que o Período Holoceno acabou e nós estamos vivendo no Antropoceno.”
Segundo o cientista, a influência da espécie humana no ambiente intensificou-se a partir do século 19 com a Revolução Industrial, porém foi após a Segunda Guerra Mundial, mais especificamente a partir dos anos de 1950, que essas alterações se tornaram mais drásticas e velozes, no que está sendo chamado de “A Grande Aceleração”, que faz parte intrínseca do conceito do Antropoceno.
Entre as mudanças ocorridas a partir de meados do século 20 em todo o mundo está o aumento da população global e urbana, causando um aumento de 26 vezes no consumo de energia do planeta. Neste período, também cresceram as concentrações de CO2, N20 e CH4 na atmosfera, enquanto diminuíram as florestas do planeta. “Não há nada nem remotamente parecido na história da humanidade”, afirmou o pesquisador.
Amazônia
Essas mudanças afetaram diretamente diversos biomas do planeta e a Floresta Amazônica também sofreu impactos, não só por conta das mudanças do clima global, como também, e principalmente, com a exploração por motivos econômicos, como extração de madeira e agropecuária, mineração e a construção de usinas hidrelétricas.
Lar de pelo menos um décimo das espécies do planeta, espalhadas por uma área de mais de 6 milhões de km2, dos quais 60% estão no território brasileiro, a Floresta Amazônica é fundamental para a manutenção do ciclo do carbono e para a estabilização do clima global, além de ser a fonte de 15% do fluxo de água doce para os oceanos.
Mudanças climáticas
O aumento da temperatura do planeta já é uma realidade. A corrida agora é para tentar conter esses valores. A Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP21), realizada em dezembro de 2015 na França, determinou que o limite para o aumento da temperatura do planeta é de 1,5°C nos próximos 30 anos, com uma taxa máxima de 2°C. “Com a temperatura subindo 1,5°C, o nível do mar pode aumentar mais de dois metros em 500 anos. Se o aumento da temperatura ultrapassar 3°C, o nível do mar pode chegar a sete metros ou mais em 2 mil anos”, disse Nobre.
No caso da América do Sul, há projeções de que a temperatura suba 4°C até o fim do século, se a sociedade global falhar em reduzir as emissões de gases de efeito estufa. Se isso se confirmar, poderão ser extintos até 25% das espécies do continente. Essa projeção levou biólogos a determinarem áreas de risco e áreas de preservação.
Savanização da Amazônia

No início dos anos 90, Carlos Nobre, ao lado de Piers Sellers e Jagadish Shukla, publicou o artigo “Desmatamento Amazônico e Mudança Climática Regional”, na qual estudaram a possibilidade de um bioma se regenerar se fosse completamente devastado.

No caso da Floresta Amazônica, uma destruição drástica, em que se desmatasse sua totalidade, ou uma área muito próxima disso, a recuperação da área poderia até acontecer em algumas áreas, porém a parte mais ampla sofreria uma savanização, ou seja, se transformaria em savana, vegetação característica da região central do Brasil, marcada por árvores baixas de galhos retorcidos e gramíneas. “E seria um Cerrado pobre, com um menor número de espécies, diferentemente do Cerrado”, afirmou Nobre.
Entre as causas do fenômeno estão a redução das chuvas e o aumento da temperatura, resultantes da emissão de gás carbônico e outros gases de efeito estufa. Um fator que pode acelerar a savanização pode ser as estações secas mais prolongadas que já se observa na região Amazônica, porém os cientistas ainda não conhecem a razão disso.
Carlos Nobre chamou a atenção, ainda, para a forma como é explorada economicamente a região Amazônica, responsável por 14% de toda a produção agropecuária nacional, enquanto o estado de São Paulo, sozinho, produz 12% do valor agropecuário do país. “A Amazônia é de três a quatro vezes mais ineficiente do que São Paulo na produção agropecuária. Esse é um modelo que não se sustenta. O PIB agrícola cresce com agregação de tecnologia na agricultura e não com desmatamento”, opinou o pesquisador.
Nobre também destacou a importância de que a exploração das riquezas naturais da região se traduza em benefícios sociais. “O açaí, no pior dos cenários, rende por ano o mesmo que a soja por hectare, mas geralmente rende muito mais. Essa é uma riqueza natural, com mercado no mundo todo, mas que cuja riqueza deve ser melhor distribuída socialmente”, apontou. “É preciso um novo paradigma para desenvolver a bio-indústria da Floresta Amazônica.”