A ciência no Brasil é muito jovem. Esse foi o primeiro argumento do presidente da ABC Luiz Davidovich ao contextualizar a situação atual da ciência, tecnologia e inovação (CT&I) no Brasil, em palestra no Instituto Tecnológico Vale para o Desenvolvimento Sustentável, em Belém, no dia 6 de setembro.
Comparando com instituições correspondentes, o físico lembrou que a primeira universidade brasileira foi a Federal do Amazonas, criada em 1909. “A Federal do Rio de Janeiro é de 1920 e a USP, de 1934. Já a Universidade de Bolonha, na Itália, foi fundada em 1088. A de Harvard, nos EUA, é de 1836. São pelo menos 100 anos de diferença”, apontou o presidente da ABC.
Ciência brasileira deve agradecer à Napoleão
Essa cronologia se deve, em boa parte, ao processo de colonização portuguesa e, segundo Davidovich, ao imperador francês Napoleão Bonaparte. “Antes da invasão francesa à Península Ibérica, era proibida a impressão de livros no Brasil e a implantação de fabricas. Porém, quando a corte portuguesa veio para o Brasil, fugindo de Napoleão, a situação começou a mudar”, relatou. Foram então plantadas as sementes da profícua agricultura brasileira, uma das principais riquezas do país hoje, com a criação do Instituto Agronômico de Campinas (1887), a Escola de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) em 1901 e a Universidade de Viçosa, em 1922. Para lutar contra a peste bubônica, iniciou-se a pesquisa básica em biomedicina, com a fundação do Instituto Oswaldo Cruz (1900) e o Instituto Butantan (1901).
Com relação às Academias de Ciências, Davidovich comparou suas datas de fundação: a Academia Francesa surgiu em 1666, a National Academy of Sciences (EUA) em 1863 e a Academia Brasileira de Ciências, em 1916. Ele destacou as contribuições mais significativas da ABC para a sociedade brasileira nos seus 100 anos de existência, como a fundação da Radio Sociedade em 1923, a criação da Revista de Sciencias em 1917, a participação relevante de Acadêmicos na educação superior e a atividade intensa da ABC na fundação de instituições ligadas de apoio a pesquisa. A presença da ABC em organismos internacionais e a produção acadêmica dos estudos estratégicos com propostas de políticas públicas têm sido muito influentes. Saiba mais na revista comemorativa do Centenário da ABC.
“Viemos depois e por isso temos esse sentimento de que devemos nos apressar para chegar junto dos outros”, observou Davidovich. Mas apontou também o fato do Brasil ter tido avanços que não tiveram a continuidade necessária para dar suporte consistente a um crescimento contínuo. Por exemplo: a ABC participou ativamente da proposta de fundação do Ministério de Ciência e Tecnologia, juntamente com o Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) em 1963. A proposta não foi implementada, diante do golpe militar de 1964. Mas a ideia foi retomada em 1985, quando foi enfim criado e a seus 31 anos de existência provaram sua importância para a expansão da pesquisa e da ciência brasileira. Para Davidovich, “houve um salto na expansão do sistema com a criação das FAPs [fundações de amparo à pesquisa] nos estados e o fortalecimento da Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] e do CNPq.”
Este ano, sob protestos da comunidade científica, o Ministério foi “fundido” ao de Comunicações, teve o número de Secretarias reduzido de quatro para duas e teve o orçamento contingenciado em mais de 50%. “A situação é tal que a maior reivindicação que a comunidade científica está fazendo é de recomposição do orçamento aos níveis de 2013”, disse Davidovich, evidenciando o retrocesso crítico.
Grandes avanços descontinuados
Esse movimento de regressão, contrário ao de todos os países desenvolvidos ou que pretendem um crescimento socioeconômico, não se justifica nos fatos: pelo contrário. O sucesso da ciência brasileira trouxe grandes benefícios para o desenvolvimento do país. A criação dos institutos de pesquisa repercutiu na economia brasileira com os resultados, por exemplo, da Embrapa. “As pesquisas de fixação de nitrogênio da Acadêmica Johanna Dobereiner garantiram o aumento da produção soja em quatro vezes. O Brasil foi construído em concreto graças ao engenheiro Paula Souza, da Escola Politécnica. O sucesso internacional da Petrobras se deu devido à formação de pesquisadores em ciência básica por várias décadas”, exemplificou o presidente da ABC.
Ele citou mais: a competitividade internacional da Embraer é fruto de anos de investimento em formação de recursos humanos pelo Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA), fundado em 1950. Casos bem-sucedidos da indústria brasileira, como a Embraco, maior fabricante de compressores do mundo, ligada ao Departamento de Engenharia Mecânica da Universidade Federal de Santa Catarina. A Natura tem destaque internacional a partir de pesquisas sobre a biodiversidade brasileira e sua aplicação em produtos cosméticos.
Enfim, Davidovich deixou claro que no século XX a ciência brasileira entrou em contato direto com a indústria, modificando a pauta de exportações do Brasil. “Estão aí os meios para reagir à crise e produzir ciência de qualidade para a sociedade brasileira. Nossas pesquisas estão ganhando capas de revistas internacionais e o fator de impacto está aumentando, mas a China agora nos passou. “
Ciência e crise econômica
E por que será que a China está avançando tão rapidamente? Davidovich respondeu com bastante clareza: a crise não justifica o corte de investimentos na área. Pelo contrário. Em 2012, o primeiro ministro chinês declarou que o crescimento ia ser desacelerado e o investimento em CT& I seria aumentado em 26%. Em 2016, no Congresso do Povo, a China manteve a posição, com o objetivo de alcançar 2,5% do PIB em 2010. Isso diante um decréscimo econômico de 6,9% em 2015.
E o Brasil? Davidovich destaca a criação dos fundos setoriais no governo FHC para arrecadar recursos das empresas e aplicar em pesquisa e desenvolvimento (P&D) como uma grande iniciativa histórica. “Só que depois de arrecadados os fundos e construído o FNDCT [Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], o dinheiro foi contingenciado – a palavra mágica dos economistas”, ironizou. Ele apresentou gráficos mostrando o estrangulamento da ciência brasileira, em queda vertiginosa desde 2010. Mostrou que o orçamento foi reduzido à metade de 2013. “Daí a crise de falta de bolsas, de falta de recursos para fomento da pesquisa, área mais prejudicada com esses cortes”, acrescentou.
Para o presidente da Academia, houve um claro desvio de finalidade no uso des
ses recursos, dado que o programa Ciência sem Fronteiras, por exemplo, foi bancado pelo FNDCT. “A ABC e a SBPC [Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência] entraram com um pedido junto à CGU [Controladoria Geral da União] e ao TCU [Tribunal de Contas da União], agora em agosto, para verificar essa situação”, relatou o presidente. “Estamos lutando em todas as frentes: no Executivo, no Legislativo e no Judiciário. “
Faltam qualificação estratégica e investimento privado
Outros pontos fracos apontados pelo físico da UFRJ: a média de pesquisadores por milhão de habitantes da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 7600 e no Brasil é de 710. “As empresas brasileiras têm 15% dos pesquisadores com mestrado e doutorado. Na Coreia, são 39%. “
Além de aumentar a formação de pessoal qualificado em número, o Brasil precisa também estimular a escolha por carreiras estratégicas para o crescimento do país. A educação superior brasileira concentra alunos de administração, ciências sociais e direito, formados em grande parte por instituições com objetivo de lucro. “Não estamos focados em formar engenheiros. Na China, 35% dos formados anualmente são engenheiros”, informou Davidovich, esclarecendo que os profissionais e pesquisadores dessa área são fundamentais para garantir o desenvolvimento.
O aumento do investimento privado em pesquisa e desenvolvimento é outro ponto fraco no Brasil. Aqui, a correlação entre investimentos do governo e do setor empresarial é de 60% x 40%. Na China, em 2013, a correlação era de 75% x 21 e na Coreia era de 76% x 23% – sendo que, na China, o percentual de investimento privado vem crescendo ano a ano, desde 2000.
Perspectivas futuras
E os projetos para o Brasil? A 4ª Conferência Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (4ª CNCTI), realizada em 2010 e coordenada por Davidovich, reuniu todos os setores e elaborou propostas muito concretas e objetivas, sistematizadas no Livro Azul.
O capítulo 3 do livro é dedicado à Amazônia, com recomendações fundamentais para o desenvolvimento em CT&I da região. Como, por exemplo, a Lei da Biodiversidade. Para as áreas de pesquisa, de acordo com Davidovich, a Lei deveria ser boa, mas sua regulamentação foi péssima. ” Foi encaminhada uma proposta da ABC junto ao Ministério do Meio Ambiente para que ele compartilhe com o MCTIC as atribuições de responsabilidades sobre a biodiversidade brasileira, para permitir que nossos pesquisadores tenham acesso a ela, assim como os franceses tem acesso à mesma biodiversidade na Guiana Francesa”, relatou.
Resumindo os pontos principais, o presidente da ABC destacou a formação de profissionais competentes e de redes de pesquisa como sendo ainda uma prioridade. Para fortalecê-la, é preciso envolver empresas de base tecnológica, estimular P&D empresarial. “E para caminharmos nesse sentido, temos que defender a curto prazo, junto aos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, o ao menos o descontingenciamento de recursos para C&T e o restabelecimento dos níveis de financiamento de 2013. “
Davidovich reiterou sua confiança na capacidade da ciência brasileira, se devidamente apoiada. “O Brasil tem todas as condições para ser protagonista internacional na ciência e em tecnologias avançadas, revertendo os benefícios da ciência para a população. Mas, para isso, precisamos defender, junto à sociedade, a agenda de futuro para C&T.”